sistemas de armazenamento de energia em bateria BESS com sistemas solares fotovoltaicos_Credito Alamon
sistemas de armazenamento de energia em bateria BESS com sistemas solares fotovoltaicos_Credito Alamon

Armazenamento

Alta participação de intermitentes demanda armazenamento, mas falta regulação

Soluções para armazenamento, como baterias ou hídricas reversíveis, poderiam reduzir curtailment de renováveis e melhorar atendimento na ponta da carga

sistemas de armazenamento de energia em bateria BESS com sistemas solares fotovoltaicos_Credito Alamon
Sistemas de armazenamento de energia integrados a geração solar nos Estados Unidos | Crédito: Alamon

O cenário de hidrologia desfavorável, com acionamento de termelétricas mais caras para atendimento das necessidades de potência em horário de pico, e sobra estrutural de energia renovável em momentos de baixa demanda, reforça a oportunidade das soluções para armazenamento de energia, cujo uso no mundo para equilibrar demanda e oferta e minimizar custos aos consumidores vem crescendo nos últimos anos.

Os desafios do crescimento das fontes intermitentes não são exclusividade do Brasil.  Em mercados liberalizados, o preço da energia chega a ficar negativo no auge da geração solar fotovoltaica. Aqui, cada vez mais as geradoras eólicas e solares sofrem com o curtailment, termo para o corte na produção determinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) nos momentos de menor demanda.

Armazenamento e renováveis

Associada a baterias, a geração renovável poderia sofrer menos com o curtailment, armazenando energia para os momentos de pico. Nos Estados Unidos, por exemplo, as concessionárias já usam baterias para arbitragem, ou seja, armazenam energia nos períodos de demanda e preços menores para comercializar o que foi estocado nos momentos em que os preços estão mais elevados.

Simulação de baterias e painéis solares
Simulação de baterias e painéis solares | Crédito: 8 minute Solar Energy

Além disso, baterias e hidrelétricas reversíveis poderiam ampliar o armazenamento no sistema, tornando menos necessário o despacho de térmicas, que são mais custosas e poluentes.

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No Brasil, entretanto, não há regulação para injeção de energia por meio de baterias, nem arcabouço jurídico para hidrelétricas reversíveis. Assim, é pouco provável que as baterias de fato participem do leilão de reserva de capacidade que deve acontecer até o fim deste ano, apesar das sinalizações do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Hidrelétricas, as ‘baterias’ não remuneradas

O Sistema de Informações de Geração da Aneel (Siga) indica que 22,6% da matriz elétrica nacional é composta pelas fontes eólica e solar e, segundo dados do ONS, 21,1% da energia injetada no Sistema Interligado Nacional (SIN) em 2023 veio destas fontes intermitentes.

Além disso, a oferta de geração eólica e solar tem crescido aceleradamente nos últimos anos. No primeiro semestre de 2024, por exemplo, 5,2 GW em novas usinas eólicas e solares entraram em operação, o que correspondeu a 92,3% da expansão da capacidade instalada no país.

A crescente participação das fontes intermitentes no sistema impõe ao operador um desafio, que costuma ser resolvido com despacho hídrico e térmico nos momentos de maior demanda ou quando os recursos de vento e sol não são suficientes para suprir a carga.

Apesar de já compensarem a volatilidade das renováveis, as hidrelétricas não são remuneradas por este serviço, o que é uma crítica no setor.

“Ao longo do tempo, esse trabalho de ficar fechando a carga ficou muito mais intenso e mais complexo. Cabe sim, a meu ver, uma avaliação de uma remuneração por esse aumento dessa volatilidade que elas são capazes de fechar”

Angela Gomes, diretora técnica da PSR

O diretor de Hidráulica e Offshore da Neoenergia, Marcelo Lopes, explica que as hidrelétricas ainda conferem modularidade, normalização rápida de ocorrências severas no Sistema Interligado Nacional (SIN), inércia e estabilidade com serviço de frequência e tensão.

Para o líder em Assuntos Regulatórios na PSR, Jairo Terra, da PSR, “é hora de a gente começar a se preocupar um pouco mais com isso”, já que sem a remuneração por estes serviços, a fonte não tem incentivos para desempenhá-los da maneira mais eficiente possível. “Antes até de pensar em novas tecnologias, eu diria que a gente deveria incentivar a prestação desse serviço, através do marco regulatório”, diz. Hoje, as hidrelétricas só são remuneradas quando produzem energia.

Usina hidrelétrica de Itaipu. Energia armazenada nos reservatórios das hidrelétricas compensa intermitência das renováveis, mas usinas não são remuneradas pelo serviço. | Crédito: Alexandre Marchetti, Itaipu Binacional

Aneel estuda remuneração para armazenamento

A Consulta Pública nº 39/2023 da Aneel avaliou a regulamentação para o armazenamento de energia elétrica, incluindo baterias e usinas hidrelétricas reversíveis. A consulta faz parte do roadmap sobre armazenamento de energia, cujo primeiro ciclo deve ser concluído ainda neste ano.

Nesta fase, devem ser definidos a especificação de conceitos sobre armazenamento, modelos de outorgas, acesso e uso da rede, estruturas remuneratórias para serviços de armazenamento, comercialização e retirada de barreiras regulatórias.

Para especialistas ouvidos pela MegaWhat, baterias, hidrelétricas convencionais e reversíveis têm finalidades diferentes e complementares, devendo coexistir.

Quais os potenciais usos das baterias para armazenamento?

A Agência Internacional para Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) estima que o mundo precisará de 360 GW de armazenamento em baterias até 2030 para sustentar o crescimento de energia renovável e assim limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Em 2020, entretanto, a capacidade global das baterias estava em 17 GW, e os planejamentos de energia já anunciados apontam que o mundo chegará ao final da década com 227 GW em baterias – ou seja, 63% do necessário.

Com capacidade modulável, as baterias armazenam energia nos períodos de maior oferta e liberam a energia armazenada quando a demanda aumenta ou a geração cai, com potencial de ser um recurso para evitar curtailments na geração intermitente e para o atendimento à ponta. Além disso, os equipamentos podem ajudar a dar estabilidade ao sistema.

Iniciativa da ISA Cteep e aplicação na transmissão

No Brasil, a ISA Cteep é pioneira na implementação de baterias em larga escala para transmissão, com um sistema de 30 MW na subestação de Registro, no estado de São Paulo. O sistema foi selecionado em chamada de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e é objeto de acordo de cooperação técnico-científico com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Baterias da ISA Cteep na subestação Registro, em São Paulo | Crédito: ISA Cteep

Ele foi projetado para atuar nos picos de consumo do litoral sul, sobretudo durante a temporada de verão. Assim, oferece reforço à rede, garantindo o fornecimento por até duas horas a 30 MW, ou por mais tempo, com potência menor. Energizadas em novembro de 2022, as baterias já fizeram mais de 40 despachos de energia.

Segundo a ISA Cteep, além do peak shaving (picos de consumo), as baterias foram utilizadas em outras situações pontuais para oferecer capacidade adicional ao sistema de transmissão local e para viabilizar a liberação de equipamentos para manutenções.

No Paraná, a Copel iniciou testes com um sistema de 1 MW em uma subestação da Grande Curitiba. A estação tem 1 MW de potência e capacidade para armazenar mais 1 MW de energia. O sistema faz parte de um projeto de P&D da Aneel e inclui a instalação de outros três sistemas de armazenamento.

Baterias da WEG em projeto da Copel | Crédito: Copel

A WEG é a fornecedora deste projeto, e produziu quatro sistemas de armazenamento com a Copel: o transportável de 1 MWh em íons de lítio, o mais comum entre baterias; outro de 2 MWh na subestação Ipiranga, sendo metade com baterias de fluxo-vanádio e metade com baterias de lítio; um no sistema isolado de Ilha das Cobras, de 150 kWh com 30 kWhp de geração solar; e mais 520 kWh na subestação de Faxinal do Céu, associado a uma planta de solar de 200kWp na mesma subestação.

Fluxo ou lítio?

Segundo o líder de Battery Energy Storage System (BESS) na WEG, Ricardo Estefano, os sistemas com baterias de lítio têm o melhor custo-benefício e a maior flexibilidade em tamanho. Já as baterias de fluxo, também usadas no projeto com a Copel, têm maior duração, entre 8 e 10 horas, e são uma das alternativas para armazenamento de longa duração (LDES, na sigla em inglês).

Estefano conta que, em Las Vegas, nos Estados Unidos, a WEG também participa do projeto Ares, que explora a nova tecnologia do armazenamento gravitacional, em que a energia excedente é usada para acionar um motor que levanta veículos pesados até determinada altura, e quando há demanda os veículos são liberados, invertendo o fluxo dos motores e gerando eletricidade. “Foi comissionado e está em funcionamento”, explica.

Esquema do projeto Ares, em Las Vegas. | Crédito: Ares North America

Agora, a WEG se prepara para atender a grandes consumidores, como hotéis, hospitais e micro redes, além de sistemas isolados. Em Cuiabá, a empresa fechou um sistema de 430 kWh para um hotel, que usa para atendimento no horário de ponta, evitando o uso de diesel. “Vários projetos estão em andamento na indústria também, inclusive na mineração”, adianta.

Estefano destaca o menor custo ambiental e econômico das baterias no atendimento à ponta, já que evitam o acionamento de térmicas. Além disso, as baterias podem atender a diversas etapas da rede e ser instaladas com mais facilidade do que, por exemplo, hidrelétricas. “Num futuro não muito distante, a gente vai ver BESS em todos os lugares do setor elétrico”, aposta.

Uso na distribuição

As baterias também podem colaborar na etapa da distribuição. A diretora técnica da PSR Angela Gomes observa que estes sistemas de armazenamento devem ser cada vez mais importantes diante de efeitos climáticos extremos – como os temporais que suspenderam o fornecimento de energia em São Paulo no final de 2023, por exemplo.

“Este pode ser o novo normal, e aí fica cada vez mais interessante introduzir esses armazenamentos pequenos e locais para quando houver eventos extremos e a rede falhar”, diz.

Para isso, entretanto, é preciso avançar na regulação. “A injeção de energia na rede a partir de baterias, por exemplo, ainda não está regulada. Os modelos de negócio também não. Eles precisam trazer segurança jurídica para quem vai investir”, reconhece Ricardo Estefano, da WEG.

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