O cenário de hidrologia desfavorável, com acionamento de termelétricas mais caras para atendimento das necessidades de potência em horário de pico, e sobra estrutural de energia renovável em momentos de baixa demanda, reforça a oportunidade das soluções para armazenamento de energia, cujo uso no mundo para equilibrar demanda e oferta e minimizar custos aos consumidores vem crescendo nos últimos anos.
Os desafios do crescimento das fontes intermitentes não são exclusividade do Brasil. Em mercados liberalizados, o preço da energia chega a ficar negativo no auge da geração solar fotovoltaica. Aqui, cada vez mais as geradoras eólicas e solares sofrem com o curtailment, termo para o corte na produção determinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) nos momentos de menor demanda.
Armazenamento e renováveis
Associada a baterias, a geração renovável poderia sofrer menos com o curtailment, armazenando energia para os momentos de pico. Nos Estados Unidos, por exemplo, as concessionárias já usam baterias para arbitragem, ou seja, armazenam energia nos períodos de demanda e preços menores para comercializar o que foi estocado nos momentos em que os preços estão mais elevados.
Além disso, baterias e hidrelétricas reversíveis poderiam ampliar o armazenamento no sistema, tornando menos necessário o despacho de térmicas, que são mais custosas e poluentes.
No Brasil, entretanto, não há regulação para injeção de energia por meio de baterias, nem arcabouço jurídico para hidrelétricas reversíveis. Assim, é pouco provável que as baterias de fato participem do leilão de reserva de capacidade que deve acontecer até o fim deste ano, apesar das sinalizações do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Hidrelétricas, as ‘baterias’ não remuneradas
O Sistema de Informações de Geração da Aneel (Siga) indica que 22,6% da matriz elétrica nacional é composta pelas fontes eólica e solar e, segundo dados do ONS, 21,1% da energia injetada no Sistema Interligado Nacional (SIN) em 2023 veio destas fontes intermitentes.
Além disso, a oferta de geração eólica e solar tem crescido aceleradamente nos últimos anos. No primeiro semestre de 2024, por exemplo, 5,2 GW em novas usinas eólicas e solares entraram em operação, o que correspondeu a 92,3% da expansão da capacidade instalada no país.
A crescente participação das fontes intermitentes no sistema impõe ao operador um desafio, que costuma ser resolvido com despacho hídrico e térmico nos momentos de maior demanda ou quando os recursos de vento e sol não são suficientes para suprir a carga.
Apesar de já compensarem a volatilidade das renováveis, as hidrelétricas não são remuneradas por este serviço, o que é uma crítica no setor.
“Ao longo do tempo, esse trabalho de ficar fechando a carga ficou muito mais intenso e mais complexo. Cabe sim, a meu ver, uma avaliação de uma remuneração por esse aumento dessa volatilidade que elas são capazes de fechar”
Angela Gomes, diretora técnica da PSR
O diretor de Hidráulica e Offshore da Neoenergia, Marcelo Lopes, explica que as hidrelétricas ainda conferem modularidade, normalização rápida de ocorrências severas no Sistema Interligado Nacional (SIN), inércia e estabilidade com serviço de frequência e tensão.
Para o líder em Assuntos Regulatórios na PSR, Jairo Terra, da PSR, “é hora de a gente começar a se preocupar um pouco mais com isso”, já que sem a remuneração por estes serviços, a fonte não tem incentivos para desempenhá-los da maneira mais eficiente possível. “Antes até de pensar em novas tecnologias, eu diria que a gente deveria incentivar a prestação desse serviço, através do marco regulatório”, diz. Hoje, as hidrelétricas só são remuneradas quando produzem energia.
Aneel estuda remuneração para armazenamento
A Consulta Pública nº 39/2023 da Aneel avaliou a regulamentação para o armazenamento de energia elétrica, incluindo baterias e usinas hidrelétricas reversíveis. A consulta faz parte do roadmap sobre armazenamento de energia, cujo primeiro ciclo deve ser concluído ainda neste ano.
Nesta fase, devem ser definidos a especificação de conceitos sobre armazenamento, modelos de outorgas, acesso e uso da rede, estruturas remuneratórias para serviços de armazenamento, comercialização e retirada de barreiras regulatórias.
Para especialistas ouvidos pela MegaWhat, baterias, hidrelétricas convencionais e reversíveis têm finalidades diferentes e complementares, devendo coexistir.
Quais os potenciais usos das baterias para armazenamento?
A Agência Internacional para Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) estima que o mundo precisará de 360 GW de armazenamento em baterias até 2030 para sustentar o crescimento de energia renovável e assim limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Em 2020, entretanto, a capacidade global das baterias estava em 17 GW, e os planejamentos de energia já anunciados apontam que o mundo chegará ao final da década com 227 GW em baterias – ou seja, 63% do necessário.
Com capacidade modulável, as baterias armazenam energia nos períodos de maior oferta e liberam a energia armazenada quando a demanda aumenta ou a geração cai, com potencial de ser um recurso para evitar curtailments na geração intermitente e para o atendimento à ponta. Além disso, os equipamentos podem ajudar a dar estabilidade ao sistema.
Iniciativa da ISA Cteep e aplicação na transmissão
No Brasil, a ISA Cteep é pioneira na implementação de baterias em larga escala para transmissão, com um sistema de 30 MW na subestação de Registro, no estado de São Paulo. O sistema foi selecionado em chamada de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e é objeto de acordo de cooperação técnico-científico com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Ele foi projetado para atuar nos picos de consumo do litoral sul, sobretudo durante a temporada de verão. Assim, oferece reforço à rede, garantindo o fornecimento por até duas horas a 30 MW, ou por mais tempo, com potência menor. Energizadas em novembro de 2022, as baterias já fizeram mais de 40 despachos de energia.
Segundo a ISA Cteep, além do peak shaving (picos de consumo), as baterias foram utilizadas em outras situações pontuais para oferecer capacidade adicional ao sistema de transmissão local e para viabilizar a liberação de equipamentos para manutenções.
No Paraná, a Copel iniciou testes com um sistema de 1 MW em uma subestação da Grande Curitiba. A estação tem 1 MW de potência e capacidade para armazenar mais 1 MW de energia. O sistema faz parte de um projeto de P&D da Aneel e inclui a instalação de outros três sistemas de armazenamento.
A WEG é a fornecedora deste projeto, e produziu quatro sistemas de armazenamento com a Copel: o transportável de 1 MWh em íons de lítio, o mais comum entre baterias; outro de 2 MWh na subestação Ipiranga, sendo metade com baterias de fluxo-vanádio e metade com baterias de lítio; um no sistema isolado de Ilha das Cobras, de 150 kWh com 30 kWhp de geração solar; e mais 520 kWh na subestação de Faxinal do Céu, associado a uma planta de solar de 200kWp na mesma subestação.
Fluxo ou lítio?
Segundo o líder de Battery Energy Storage System (BESS) na WEG, Ricardo Estefano, os sistemas com baterias de lítio têm o melhor custo-benefício e a maior flexibilidade em tamanho. Já as baterias de fluxo, também usadas no projeto com a Copel, têm maior duração, entre 8 e 10 horas, e são uma das alternativas para armazenamento de longa duração (LDES, na sigla em inglês).
Estefano conta que, em Las Vegas, nos Estados Unidos, a WEG também participa do projeto Ares, que explora a nova tecnologia do armazenamento gravitacional, em que a energia excedente é usada para acionar um motor que levanta veículos pesados até determinada altura, e quando há demanda os veículos são liberados, invertendo o fluxo dos motores e gerando eletricidade. “Foi comissionado e está em funcionamento”, explica.
Agora, a WEG se prepara para atender a grandes consumidores, como hotéis, hospitais e micro redes, além de sistemas isolados. Em Cuiabá, a empresa fechou um sistema de 430 kWh para um hotel, que usa para atendimento no horário de ponta, evitando o uso de diesel. “Vários projetos estão em andamento na indústria também, inclusive na mineração”, adianta.
Estefano destaca o menor custo ambiental e econômico das baterias no atendimento à ponta, já que evitam o acionamento de térmicas. Além disso, as baterias podem atender a diversas etapas da rede e ser instaladas com mais facilidade do que, por exemplo, hidrelétricas. “Num futuro não muito distante, a gente vai ver BESS em todos os lugares do setor elétrico”, aposta.
Uso na distribuição
As baterias também podem colaborar na etapa da distribuição. A diretora técnica da PSR Angela Gomes observa que estes sistemas de armazenamento devem ser cada vez mais importantes diante de efeitos climáticos extremos – como os temporais que suspenderam o fornecimento de energia em São Paulo no final de 2023, por exemplo.
“Este pode ser o novo normal, e aí fica cada vez mais interessante introduzir esses armazenamentos pequenos e locais para quando houver eventos extremos e a rede falhar”, diz.
Para isso, entretanto, é preciso avançar na regulação. “A injeção de energia na rede a partir de baterias, por exemplo, ainda não está regulada. Os modelos de negócio também não. Eles precisam trazer segurança jurídica para quem vai investir”, reconhece Ricardo Estefano, da WEG.
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