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Aneel revoga outorga da Gold e autoriza ação para cobrar prejuízos

Diretor compara atuação da comercializadora com 'jogo do tigrinho' e cobra resposta firme para evitar que situação se repita no futuro.

2025.09.09 - 33ª Reunião Pública Ordinária Foto Victória Santos
Assunto foi único deliberado na 33ª Reunião Pública Ordinária da Aneel.

A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu revogar a autorização da Gold Energia para atuar como comercializadora e ajuizar uma ação civil pública contra a empresa, a fim de pedir reparação dos danos causados aos consumidores, incluindo custos estimados em R$ 300 milhões no mercado regulado.

A crise da empresa, que começou no fim do ano passado com abertura de contratos bilaterais no mercado livre, se agravou depois que a Gold descumpriu contratos de venda de energia no mercado regulado firmados com cooperativas e com distribuidoras por meio de leilões de energia existente.

Segundo o diretor Fernando Mosna, relator do processo, a atuação da Aneel nesse caso ganha ainda mais relevância pelo contexto de abertura do mercado livre e pelos casos recentes de problemas de comercializadoras, como a recuperação judicial da 2W e o default de mais de R$ 1 bilhão da própria Gold no mercado livre.

“Se o agente não está funcionando como uma comercializadora, mas quase como uma casa de bet, se ele não está atuando no mercado de energia, mas está fazendo o ‘jogo do tigrinho’, nós não podemos simplesmente aplicar a regra regulatória, revogar a outorga e encerrar dessa forma. Nós temos que dar um passo adiante e observar todo o universo jurídico que nós temos e dar uma resposta firme para que, em situações futuras, comportamento como esse não se repita”, afirmou.

Gold e a degradação da situação financeira

A situação da empresa nas operações no mercado livre vinha sendo tratada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que deliberou pela operação balanceada da comercializadora em novembro do ano passado, depois que seu fator de alavancagem subiu expressivamente pela posição descoberta da Gold em outubro de 2024 e ao longo de 2025.

A degradação da sua situação financeira levou a Gold a descumprir contratos no mercado livre já nos últimos meses de 2024. Em março deste ano, o problema chegou ao mercado regulado, com descumprimento de contratos com a Cooperativa Regional de Distribuição de Energia do Litoral Norte (Copernort) e com a Cooperativa de Eletrificação da Região do Alto Paraíba (Cedrap).

Em maio, a inadimplência se estendeu para os Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEARs), firmados em leilões de energia existente com distribuidoras.

Isso aconteceu porque a comercializadora de energia não realizou o aporte de garantias financeiras na contabilização de maio, o que resultou num custo de cerca de R$ 17 milhões repassados às suas contrapartes (cooperativas e distribuidoras).

Foram afetadas pelo descumprimento dos contratos as distribuidoras Enel São Paulo, Enel Ceará, Equatorial Pará, Equatorial Maranhão, Light, CPFL Jaguari, Enel Rio, Equatorial Piauí, Energia Paraíba, EDP São Paulo e Energisa Rondônia.

“A diferença de custo pela compra da energia poderá significar impactos tarifários para cooperados e consumidores cativos das concessionárias, respectivamente”, disse o diretor Fernando Mosna em seu voto.

Considerando o volume total dos contratos firmados pela Gold nos leilões de energia nova, com vigência até o fim de 2026 e preço muito mais baixo que o PLD, a Aneel estima que o impacto para as distribuidoras será de R$ 28 milhões apenas em agosto.

Até o fim de 2026, o prejuízo pode chegar a R$ 300 milhões apenas no mercado regulado, sem contar o impacto dos contratos abertos no mercado livre, estimados em mais de R$ 1 bilhão.

Abertura do mercado livre

Por isso, Mosna entendeu que a resposta institucional não deveria ficar restrita à esfera sancionatória-administrativa, exigindo tutela jurisdicional coletiva para buscar a recomposição do dano, a prevenção de reiteração e a restauração da confiança.

A diretoria da Aneel decidiu ainda abrir um processo punitivo adicional contra a Gold, para apurar especificamente o fato de que a comercializadora rescindiu unilateralmente contratos bilaterais regulados com as cooperativas sem pedir a anuência previa da agência reguladora, o que era uma obrigação expressa dos despachos que aprovaram esses contratos.

Durante a deliberação, o diretor Gentil Nogueira destacou também a importância do monitoramento da comercialização de energia elétrica e das ações que a Aneel deve ter com o mercado, especialmente considerando a previsão de abertura do mercado livre de energia, discussão que, segundo ele, está com “grau de maturidade bastante elevado para que se concretize ao longo dos próximos anos”.

Papel ativo da Aneel

“Esse papel de não somente revogar a outorga e aplicar penalidades cabíveis, acho que é um endereçamento que mostra o papel ativo que a Aneel tem que conduzir nesse tipo de processo”, afirmou Gentil, na sua primeira deliberação colegiada na Aneel.

Houve ainda um questionamento sobre os ritos a se cumprirem para o avanço da ação civil pública pela Aneel.

O procurador-geral junto à Aneel, Eduardo Ramalho, afirmou que a procuradoria precisará analisar todos os itens colocados no voto do diretor Mosna para saber se há elementos suficientes para a ação civil pública, mas a diretoria poderia dar a autorização antes, acelerando os tramites.

“Eu não tenho a menor dúvida que aqui há mais do que fartos elementos para nós ingressarmos com uma ação civil pública”, disse Mosna, explicando que seu voto foi cauteloso para não expor informações sigilosas e, ainda assim, contextualizar e esclarecer a conduta da Gold. Para ele, quando a procuradoria tiver oportunidade de analisar todas as informações, será evidente que a ação civil pública é cabível.