Mercado energético

Comercializadoras dizem que pior já passou, mas é cedo para prever recuperação da carga

O pior momento da crise provocada pela pandemia do covid-19 já passou em relação ao consumo de energia, segundo especialistas ouvidos pela MegaWhat. Ainda há dúvidas, contudo, quanto ao ritmo da retomada da carga e, sobretudo, sobre quando o mercado voltará aos níveis “normais” de liquidez.

Em julho, o consumo de energia no mercado livre avançou 1,7% na comparação com o mesmo período de 2019, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que atribui o movimento à retomada gradual da atividade econômica após o período de maior isolamento social. Para os especialistas ouvidos pela MegaWhat, o desempenho da carga em julho não significa, necessariamente, que a demanda seguirá esse ritmo de retomada no restante do ano.

“É evidente que a redução de flexibilidade tem impacto no consumo. Mas, na nossa visão, há fatores, principalmente de temperatura, que influenciaram muito a carga”, disse Henrique Casotti, sócio da Focus Energia. Segundo ele, a comparação precisa ser vista com cautela pois julho de 2019 foi um mês atípico em que a carga realizada ficou aquém do projetado, e a base de comparação mais baixa favorece o aumento registrado neste ano.

O Programa Mensal da Operação (PMO) de agosto do ano passado, elaborado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mostra que a carga realizada em julho de 2019 ficou 2,4% menor que o previsto no início do mês. Os dados da CCEE mostram que o consumo de energia no mercado livre naquele mês ficou estável, enquanto o consumo no mercado regulado caiu 1,6%.

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Para Paulo Toledo, sócio-diretor da Ecom Energia, o fator temperatura certamente influenciou no aumento do consumo em julho, “mas efetivamente percebemos que sim, talvez estejamos no início de uma pequena retomada. O fundo do poço já passou.”

Daqui para a frente, é difícil prever a velocidade dessa recuperação. “Acreditamos que será uma retomada mais lenta”, disse Toledo.

A retomada incide diferente para cada grupo de clientes. O ramo de hotelaria, por exemplo, não esboça recuperação no consumo de energia, aponta Rafael Mathias, sócio-diretor da Capitale. “Numa carteira global de clientes, percebemos recuperação entre 85% e 90% do consumo”, disse ele. Apesar de ainda não chegar perto de 100%, o índice é muito melhor que o visto em abril, quando os efeitos das medidas de isolamento social eram mais fortes, e o consumo chegou a cair para 65% do contratado.

Tudo vai depender de como a atividade econômica se recupera e se haverá ou não uma segunda onda de contaminações. “Ainda há muita incerteza pra falar qual é a tendência. A pandemia não está resolvida, não há plano claro para depois das medidas emergenciais”, disse Casotti.

Para Leonardo Salvi, diretor de operações da Electra Energy, mesmo que seja necessário dar um passo para trás em relação à pandemia, com novas medidas de isolamento social, dificilmente voltaremos ao cenário de abril, já que as medidas deverão ser mais pontuais e de menor intensidade. “Isso porque o próprio impacto da pandemia tende a ser menor, uma vez que medidas de prevenção estão sendo adotadas por boa parte da população, ao mesmo tempo em que haveria grande pressão contra fechamentos em larga escala”, disse.

Preços em queda

Enquanto a carga ensaia uma recuperação, o mercado livre de energia segue com baixa liquidez e perspectiva de manutenção de preços baixos no futuro previsível. “Muitas das usinas com sobras de energia têm pressa para fechar contratos de venda, com medo de não conseguir negociar depois”, disse Josiane Palomino, diretora de geração da Comerc. “Apesar de termos a perspectiva de que o consumo está voltando, não dá pra saber se é algo que veio para ficar”, completou.

No médio a longo prazo, há questões estruturais que indicam comportamento de preços e sobras de energia. “Começaremos a observar grandes montantes de energia dos primeiros leilões sendo descontratados. Essa energia vai para algum lugar, e não temos perspectiva de que vá para o regulado, pois há uma pauta de abertura para o mercado livre”, disse Palomino.

Em 2020, os preços devem continuar abaixo de R$ 100/MWh, refletindo a redução de carga e as chuvas melhores no início do ano. “Pode ser muito mais baixo que R$ 100/MWh ou um pouco menor”, disse Toledo, da Ecom. Para 2021, os modelos também indicam a manutenção de preços mais baixos, chegando no máximo até a faixa de R$ 200/MWh a R$ 300/MWh em cenários mais extremos. “A menos que tenhamos um problema hidrológico muito ruim no verão que começa esse ano”, disse.

Se a carga não estivesse em queda, os preços seriam mais altos do que os vistos hoje, aponta Mathias. Considerando o cenário atual, contudo, mesmo com uma hidrologia muito “estressada” os preços não superariam a faixa de R$ 300/MWh como aconteceu em anos anteriores.

Os preços menores podem ter ainda outro efeito: migrações de consumidores cativos para o mercado livre. Segundo Salvi, da Electra, a tendência no mercado livre é de melhores condições de recuperação de carga. “Além de contar com energia mais barata do que no ACR, as empresas que atuam no mercado livre puderam negociar condições de fornecimento de energia para buscar um equilíbrio dos problemas causados pela pandemia, o que favorece a superação do momento difícil”, disse.

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