Diagnóstico sobre a abertura do mercado de gás natural no Brasil aponta que a diversificação do mercado acontece de forma desigual entre as regiões do país, com o Nordeste menos concentrado do que o Sudeste – e que, na região com maior concorrência, a diferença de preços com a Petrobras pode chegar a 30%. O estudo também aponta gargalos nas regulações estaduais e indica caminhos para que a abertura do mercado se intensifique nos próximos anos.
O relatório é do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC), Fundação Getúlio Vargas (FGV) e apoio do Ministério de Minas e Energia (MME), e foi lançado nesta segunda-feira, 22 de abril, em Brasília.
Durante o evento de lançamento, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou que é preciso passar um “pente fino” no preço do gás e reconheceu que não há “bala de prata” para resolver a questão no país: “É uma cesta de questões”.
O estudo aponta a necessidade de reestruturar a indústria de rede no gás natural no Brasil, promovendo acesso às infraestruturas essenciais (escoamento, tratamento, regaseificação, estocagem) e à malha de transporte para favorecer a movimentação da molécula e sua comercialização. Estes são pontos centrais da Nova Lei do Gás (lei nº 14.134/2021), cuja aplicação ainda enfrenta desafios, de acordo com o relatório.
O levantamento também mostra que a concentração de mercado da Petrobras na produção de gás natural reduziu de 90% em 2010 para 70% em 2022 e, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), deve cair para 62,7% até 2026. Por outro lado, a comercialização continua altamente concentrada com a estatal, que detinha 80% do mercado em 2022 – na região Sudeste, 100% dos contratos estariam firmados com a Petrobras.
Mesmo assim, a maior concorrência já apresentava valores mais vantajosos ao consumidor, com preços médios cerca de 15% menores dos que os praticados pela Petrobras em 2022. No Nordeste, onde há maior diversificação de agentes, os descontos chegaram a 30% em 2023.
Entre as medidas sugeridas para ampliar a abertura do mercado de gás natural, o estudo inclui a desburocratização e a redução dos custos de migração para o mercado livre, para que as vantagens da migração “superem custos da inércia da contratação no mercado cativo”. Com um mercado livre complexo e custoso, com regras por vezes desencontradas nas esferas estadual e federal, ainda são poucos os clientes neste ambiente. Assim, as contratações de gás ocorrem, sobretudo, com as distribuidoras.
Segundo o estudo, a estratégia da Petrobras de firmar acordos de longo prazo com as distribuidoras, inclusive com possibilidade de reduzir o volume contratado para acomodar eventuais migrações de grandes consumidores, tende a restringir o espaço para novas entrantes, mas também pode tornar o mercado livre mais vantajoso caso este apresente melhores condições aos consumidores.
“Em todo caso, a contratação de longo prazo acende um alerta para a evolução da comercialização nos próximos anos, demandando maior atenção do regulador federal e do órgão de defesa da concorrência”, diz o relatório.
Oferta e demanda
O relatório conclui que, apesar de favorecer o acesso ao mercado e maior competição, a regulação não alterou as condições estruturais de oferta e demanda por gás no país. E indica que, com ativos como o Projeto Raia e o Rota 3, a oferta de gás no Brasil deve aumentar sem que a demanda não-térmica acompanhe o crescimento.
“O consumo industrial – principal segmento não-termelétrico – não cresce há mais de dez anos, sofrendo retração com a importação de produtos intensivos em gás natural; e o consumo termelétrico apoia-se principalmente sobre a importação de GNL como fonte de flexibilidade frente à variabilidade da disponibilidade hidrelétrica”, diz o estudo, que aponta que a maior competitividade do gás poderá aumentar sua participação na matriz energética no contexto de descarbonização da economia.
Sugestões
No geral, as sugestões do relatório passam por acompanhamento do mercado, para garantir que a regulação de abertura esteja sendo aplicada, transparência entre os agentes e desburocratização. Considerando que o mercado de gás segue legislações das esferas estadual e federal, o relatório também aponta para a necessidade de simplificação e harmonização regulatória.
Entre as sugestões do levantamento, também está a realização de chamadas públicas para a contratação por distribuidoras, evitando negociações bilaterais e “conferindo oportunidade de acesso isonômica e transparente”.
O relatório ainda recomenda a implementação do processo de gas release – quando o “incumbente é forçado a colocar à venda determinadas quantidades de gás do seu portfólio”.