A área de óleo e gás continua atrativa mesmo diante das discussões sobre descarbonização e do crescimento das energias renováveis, mas profissionais e academia já buscam uma formação híbrida que garanta a empregabilidade quando a demanda por petróleo diminuir.
O coordenador do curso de Engenharia de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rafael Charin, conta que a área está se modernizando. “Os alunos querem estar aptos a trabalhar nas duas frentes, se preocupam muito com empregabilidade. Seguindo essa linha, o nosso curso vem oferecendo ainda mais disciplinas ligadas à transição energética e sustentabilidade”, diz.
No mercado, a percepção é parecida. A recrutadora da Shell para as Américas, Natália Martins, observa que os candidatos a estagiário demonstram um crescente interesse nas áreas de energia renovável. Entretanto, isso não significa que a área de óleo e gás está descartada: “Nossos jovens profissionais da área técnica demonstram disposição para atuar em ambos os segmentos e buscam oportunidades de crescimento na área de sua escolha”, complementa a recrutadora.
Segundo ela, o interesse por áreas relacionadas à transição energética não se limita ao público jovem. E é, inclusive, incentivado pela empresa. “Promovemos uma série de discussões sobre o futuro da energia. Muitos desses debates são coordenados pelo Future Energy Leaders, uma rede interna liderada por jovens colaboradores que estão dedicados à causa da transição energética”, conta Natália Martins.
Em pesquisa realizada no primeiro semestre de 2023, a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro) não confirmou a hipótese de que a transição energética teria prejudicado o setor. Pelo contrário: entre 2020 e 2022 triplicou a “rotatividade voluntária” (quando o funcionário pede demissão), com a migração ocorrendo entre empresas do próprio setor em 82% dos casos.
Segundo o secretário executivo da instituição, Telmo Ghiorzi, o setor é atrativo pelos bons salários e benefícios. A gerente da consultoria de recursos humanos Michael Page Priscila Monteiro tem avaliação parecida: “A contrapartida salarial é ainda o grande destaque do setor. É muito difícil, para uma mesma posição e nível hierárquico, encontrar salários, bônus e benefícios equiparados em outros mercados fora do óleo e gás”. Ela também menciona outras características deste mercado, como possibilidade de exposição em projetos internacionais.
O bom momento do mercado é outra vantagem. A pesquisa da Abespetro mostrou que, entre 2021 e 2022, houve aumento de 15% no número de empregados entre as empresas respondentes. A alta demanda é percebida pelo professor Rafael Charin, que conta que a maioria dos alunos sai da universidade empregada.
Ele explica que a redução na demanda por petróleo só deve ocorrer daqui a “vários anos” e que, por enquanto, há muitas contratações, tanto pela expansão do pré-sal quanto pela revitalização do pós-sal feita por empresas independentes após desinvestimentos da Petrobras. “Essa revitalização necessita de muito conhecimento técnico e muitas pessoas de qualidade trabalhando. O mercado mais técnico está aquecido também por conta disso”, diz ele.
Uma das empresas que atua na revitalização do pós-sal é a Prio que, para atrair jovens talentos, vem patrocinando eventos universitários e participando de feiras de carreira, segundo a gerente de Pessoas e Performance da companhia, Élida Gurgel.
“Todo mundo tem consciência ambiental, mas quando o assunto é trabalho, todo mundo quer estar empregado”
Além da esperada redução na demanda por petróleo, o setor de óleo e gás tem outra sensibilidade: a questão ambiental, já que a maior parte do efeito estufa é provocado pela queima de combustíveis fósseis. Entretanto, isto não reduz o interesse de jovens profissionais na área.
“Essa geração está de olho na transição energética, sim, mas ela não quer fechar as portas para o petróleo. Todo mundo tem consciência ambiental, mas quando o assunto é trabalho, todo mundo quer estar empregado”, diz Rafael Charin, da UFRJ. Visão parecida tem a especialista em ESG e fundadora da Trilhas de Impacto Juliana Kaizer: “A maioria das pessoas está querendo entender como vai pagar as contas”, avalia.
Além disso, segundo Telmo Ghiorzi, da Abespetro, quem conhece o setor sabe das rígidas regulações que são seguidas. “Nunca fizemos pesquisa para fora do setor, mas sabemos que quem já está nele o percebe como bastante sério na questão ambiental”, diz.
Dessa forma, os programas de recrutamento são bem-sucedidos, mesmo entre os jovens. A Shell diz receber um “expressivo número de inscrições, tanto nos programas de estágio quanto no programa de trainee”, segundo Natália Martins.
Outro diferencial das empresas do setor é a possibilidade de desenvolvimento de carreira. Priscila Monteiro, da Michael Page, analisa que a área de óleo e gás demanda habilidades específicas e, por isso, há dificuldade em preencher vagas mais seniores buscando profissionais do mercado. “Enxergando esta lacuna da disponibilidade de profissionais qualificados no setor, algumas empresas já estão investindo em contratar e formar sua equipe de base, para assim obter uma estratégia mais acertada para o futuro”, avalia.
De fato, as empresas ouvidas pela MegaWhat investem na formação dentro de casa – Natália Martins lembra que o atual presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa, entrou na empresa como estagiário. A Prio também tem um programa específico para desenvolver e avaliar os jovens profissionais.
Além do plano de carreira e boa remuneração, outras estratégias são importantes para atrair e reter os talentos. Natália Martins, da Shell, acredita que questões como flexibilidade no ambiente de trabalho, apoio a causas sociais e promoção da diversidade, equidade e inclusão são práticas da Shell valorizadas pelos novos profissionais.
Na Prio, a aposta está no incentivo a um estilo de vida saudável. “O bem-estar é um valor forte para a empresa e acreditamos que isso tende a atrair não apenas os talentos mais jovens como também os que buscam uma melhor qualidade de vida e equilíbrio”, avalia Élida Gurgel.
O alinhamento de valores faz sentido, de acordo com a Michael Page. “Pela alta qualificação exigida pelo setor e pela preocupação das novas gerações com os princípios ESG, a tendência para os profissionais mais juniores é a busca por empresas e culturas com as quais se identificam”, diz Priscila Monteiro.