A Tradener foi à Justiça questionar o uso do Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD) por distribuidoras de energia para devolver contratos de compra de energia existente por meio de leilões realizados entre 2017 e 2018. O problema não é o uso do mecanismo, mas uma mudança de regras realizada no ano passado que permitiu que as distribuidoras devolvam os contratos assinados anos antes. A comercializadora apresentou um pedido de liminar para impedir que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) operacionalize os pedidos de redução já feitos e não promova o registro de outras reduções solicitadas pelas concessionárias.
O pedido de liminar, assinado pelo escritório Deccache Advogados, foi feito à Justiça de São Paulo como parte de uma etapa preparatória do procedimento de arbitragem que será instaurado pela requerente perante a Câmara FGV de Mediação e Arbitragem, foro previsto para solução de conflitos do tipo pela convenção de comercialização de energia.
Antes de ir à Justiça, a Tradener pediu uma liminar com efeitos semelhantes no âmbito administrativo, mas não obteve resposta até o momento. A empresa faz parte do grupo de 12 comercializadoras que pediu uma cautelar à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para reverter o uso do MCSD para redução dos contratos de energia existente negociados entre 2017 e 2019.
O pleito apresentado pelas comercializadoras Capitale, Comerc, Delta, Tradener, Beta, Deal, Atmo, Matrix, Máxima, Minerva, Prime Energy e Stima Energia apontava que o prejuízo poderia ser de R$ 240 milhões a R$ 420 milhões, uma vez que as distribuidoras estão usando uma brecha na regra para devolver até 100% dos contratos usando números de migrações de consumidores para o mercado livre realizadas antes mesmo dos leilões na qual compraram essa energia.
Sozinha, a Tradener foi a mais afetada pela onda de redução desses contratos, pois tinha vendido a maior parte da energia negociada nos leilões do tipo A-2 de 2017 e 2018. No pedido de liminar apresentado à Justiça, a comercializadora disse que já teve perda financeira de R$ 2,6 milhões com a redução dos contratos de fevereiro e março. Sem a liminar pleiteada, alega que pode perder mais R$ 10,9 milhões devido ao uso do MSCD de abril.
Até o fim de 2021, a perda financeira pode ser ainda maior, segundo o pedido de liminar. A comercializadora calcula que o prejuízo pode alcançar R$ 65,9 milhões em 2020 e mais R$ 100 milhões no ano que vem, “o que inevitavelmente inviabilizará sua sobrevivência empresarial”.
A regra questionada
Os leilões de energia existente citados no processo, do tipo A-1 e A-2, são chamados de leilões de “ajuste”, nos quais as distribuidoras contratam para completar seus portfólios dos anos subsequentes e evitar exposições ao mercado de curto prazo. As distribuidoras podem reduzir os CCEARs de energia existente por meio do MCSD com a limitação de 4% para sobrecontratação e 100% para migrações ao mercado livre.
No ano passado, a regra foi rediscutida, e o prazo para redução de CCEARs por conta de migração foi alterado para até o último MCSD Mensal do ano de migração. No caso de migrações realizadas após o último MCSD Mensal do ano anterior, que sempre acontece em novembro, o prazo é o último MCSD Mensal do ano seguinte.
Um despacho da Aneel criou uma regra de transição para tal mudança, estabelecendo que o direito de redução de tais contratos vai se extinguir no último MCSD Mensal de 2020 para as migrações realizadas até 31 de dezembro do ano passado. Por exemplo, nos leilões A-1 e A-2 de dezembro do ano passado, as distribuidoras entregaram as declarações de necessidade em novembro, data do último MCSD Mensal de 2019, mas poderão usar migrações realizadas até o fim de 2019 como motivo para cancelar tais contratos.
No caso da Tradener, o problema é ainda mais evidente pois a comercializadora participou de dois leilões A-2 em 2017 e 2018, com outras regras vigentes.
A comercializadora apontou que quando participou do leilão A-2 de 2017, realizado em dezembro daquele ano, a regra vigente colocava como prazo para redução dos montantes contratados a data de início da vigência dos contratos: ou seja, janeiro de 2019. Quando a Aneel revisou a regra, em setembro, o prazo foi estendido para dezembro de 2020, tendo como base migrações de consumidores para o mercado livre realizadas até o fim do ano passado.
O cenário se repete no A-2 de 2018. Na época, dezembro de 2018, as distribuidoras podiam reduzir os CCEARs até o início da vigência do contrato, em janeiro deste ano. Com a mudança da regra, o prazo passou para dezembro de 2021.
Segundo a Tradener, dos 99,94 MW médios negociados no leilão A-2 de 2017, as distribuidoras reduziram em 51,7 MW médios. As distribuidoras devolveram também 55,4 MW médios dos 99,96 MW médios negociados em CCEARs no A-2 de 2018.
Nota: Reportagem atualizada às 18h do dia 25 de maio de 2020, para esclarecer que o MCSD não é objeto de questionamento pela comercializadora, mas sim a mudança nas regras de 2019 que permitiu o uso do mecanismo pelas distribuidoras para devolver contratos firmados anos antes.