A crise no mercado livre causada pela explosão dos preços de energia entrou na mira da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), assim como as comercializadoras envolvidas. Na reunião ordinária dessa terça-feira, 16 de março, foi autorizada a abertura de uma consulta pública que vai discutir o aprimoramento das regras de entrada no mercado livre, no período de 18 de agosto e 17 de setembro.
A abertura da discussão vinha sido defendida há tempos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Desde julho, começaram a circular relatos de comercializadoras com problemas em honrar os contratos vendidos a descoberto, e o aprimoramento das regras do mercado livre voltou a ser uma pauta urgente.
“Dado que as posições tomadas pelos agentes, compradores e vendedores, podem sofrer estresses não suportáveis em face da acentuada alta dos custos de geração e da necessidade de atendimento dos contratos firmados entre as partes, os comercializadores que não conseguiram prever a crise hídrica, sua extensão e seus impactos e não se protegeram com mecanismos de hedge poderão entrar em situação de insolvência”, disse o diretor Sandoval Feitosa, relator do processo.
O diretor lembrou que, além dessa discussão, a CCEE também pleiteia a apuração de chamada de margem semanal no mercado livre, em linha com as práticas do mercado financeiro. “O fato de nosso mercado ainda não possuir mecanismos de chamada de margem semanal potencializa risco de operações a descoberto”, disse Feitosa.
Assim, a “rigorosa seleção” dos participantes do mercado vai contribuir para suprir essa “limitação” do mercado livre de energia, segundo o diretor, e vai abrir caminho para outras regulamentações propostas pela CCEE.
Os diretores da Aneel criticaram ainda a postura de algumas comercializadoras avessas à abertura das condições de seus contratos. Segundo o diretor Efrain Cruz, diferentemente do mercado financeiro, o mercado livre de energia trata de contratos físicos, e defaults de comercializadoras podem ter efeitos sistêmicos em todo o setor.
“A CCEE é um mercado físico. Temos que separar esse modelo de quase derivativos do setor elétrico. Não podemos deixar que esse tipo de movimento aconteça sem regras robustas, claras e bem transparentes, porque se não isso vai desaguar dentro do setor elétrico brasileiro”, disse Efrain.
Segundo Efrain, é “inadmissível” que a CCEE continue registrando contratos sem ter um ponto de medição de qualquer uma das partes, uma vez que esse mundo é físico, e não apenas financeiro. “Então vamos para as regras do mercado financeiro. A liquidez no mercado financeiro tem que ser imediata. Aquilo que não se liquida em 24 horas não tem liquidez no mercado financeiro”, criticou o diretor.
Recentemente, em meio às notícias sobre dificuldades financeiras de muitas comercializadoras, o diretor Efrain Cruz enviou uma correspondência ao presidente do conselho da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) pedindo informações a respeito das empresas Argon, Brasil, Compass, Delta, Electra, WX e Zeta. Desde então, a Argon pediu recuperação judicial contra cerca de R$ 110 milhões em dívidas, e vieram à tona pedidos de liminar da Brasil pedindo para não registrar contratos na CCEE.
O movimento foi mal recebido pelas próprias comercializadoras, que viram grande risco de reputação no mercado ao serem citadas na carta da Aneel.
“O que mais me assusta é o regulado se assustar com o regulador pedindo informações do regulado, num mercado que é extremamente físico”, rebateu Efrain Cruz, se referindo à uma carta enviada por uma das comercializadoras citadas pedindo retratação. Ele não informou qual foi a comercializadora em questão, mas a MegaWhat apurou que foi a Delta.
O diretor disse que a Aneel vai conhecer toda a exposição comprada e vendida e vai conhecer todas as contrapartes que lastreiam essas operações. “E vamos querer enxergar o patrimônio líquido dessas comercializadoras que operam e ver se ele garante as operações em caso de default”, disse.
Na semana passada, a MegaWhat procurou a Delta para falar sobre a inclusão da empresa na lista solicitada pela Aneel. “O Grupo Delta Energia é a favor de todas as medidas que visem aprimorar o mercado de energia elétrica. A companhia reforça seu empenho para apoiar os órgãos competentes com sugestões de mudanças nas atuais regras, resguardando as empresas e também os consumidores, tornando assim, o setor mais robusto e atraindo mais investimentos para o mercado”, diz a nota enviada pela empresa.