A nova proposta em elaboração pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para ampliar segurança do mercado livre deverá incluir um mecanismo de incentivo aos agentes para registrarem seus contratos em dois momentos (no início e no fim do mês), um período de carência de um mês para a insuficiência de lastro e a realização de um teste de estresse sobre a capacidade de pagamento das empresas. A proposta faz parte de nota técnica em fase de conclusão pela entidade, que será debatida em seguida com os agentes e enviada para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) até meados de novembro.
Segundo Roseane Santos, conselheira da CCEE, a nova proposta busca aumentar a previsibilidade com relação às condições de mercado e evitar riscos sistêmicos no ambiente livre, justamente em um momento de sofisticação e aumento da complexidade do mercado, com a introdução do preço de liquidação das diferenças (PLD) horário, em janeiro de 2021, e a criação de produtos financeiros atrelados a contratos de energia.
“Quando você tem incremento de diversidade de perfis de agentes, complexidade maior de produtos e serviços e o PLD horário, a importância da análise de risco aumenta”, afirmou Roseane, durante apresentação no Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), nesta quinta-feira, 1º de outubro.
A nova nota técnica terá como principal ponto a análise de riscos para o mercado livre. De acordo com a apresentação feita no Enase, a proposta é dividida basicamente em três partes. Na prática, a primeira trata da evolução do monitoramento do mercado. A segunda envolve o registro voluntário do portfólio, enquanto a última tratará da avaliação dos riscos. “Precisamos saber o risco do mercado e ter a previsibilidade do risco”, disse Roseane.
Com relação ao registro dos contratos, a ideia da CCEE é adotar um modelo de “duplo flag”, em que o agente registra o contrato em dois momentos, sendo uma vez no início do mês e outra no fim deste período. Na prática, ele não necessitará aportar as garantias relativas aos contratos registrados no início do mês, mas apenas com relação aos contratos que de fato foram efetivados no fim do mês.
A intenção da CCEE, explicou a conselheira, é que a entidade tenha a informação toda do sistema. Hoje, com o registro “ex-post”, o agente não registra o contrato que porventura um cliente não tenha feito o pagamento. “Nós nunca vamos saber que esse contrato existiu, porque o agente não registrou e o contrato não foi validado”, explicou Roseane, em entrevista coletiva por meio eletrônico.
A ideia da câmara é que o contrato seja registrado justamente no início e no fim do mês. Hoje, porém, caso o contrato seja registrado no início do mês, o agente é chamado a aportar garantias. A ideia da CCEE é abrir mão da cobrança dessa garantia e que, no fim do mês, o agente possa corrigir o registro. Assim, explicou ela, o que valerá de fato será a dupla validação, ou seja, quando o agente acessar o sistema novamente e ajustar o montante contratado.
“Quando se pensou na primeira proposta, de chamada de margem semanal [proposta abortada pela CCEE], era que fossem aportadas garantias de acordo com os registros semanais. Esta nova proposta agora desvincula a entrega do produto do registro. Queremos que o registro seja prévio para que possamos já começar, nessa nova segurança de mercado, de uma maneira bem educativa, a entender o portfólio e os perfis dos agentes”, disse Roseane.
“O ‘duplo flag’ quer dizer que o agente faz o registro prévio. É um registro informativo. Mas o registro que vale comercialmente é o segundo. Por isso é que é chamado de ‘duplo’”, completou a conselheira.
Para incentivar o agente a fazer o registro prévio dos contratos, a CCEE pensou em três mecanismos. O primeiro é permitir uma carência de um mês para a penalidade de insuficiência de lastro. Ou seja, o agente poderá fazer a “cura” desse lastro no mês seguinte.
A segunda ferramenta seria a criação de uma espécie de selo de boas práticas para indicar que determinada contraparte fez o registro voluntário do contrato, demonstrando “boa-fé”. E a terceira medida é o aprimoramento do sistema da CCEE, que permitirá a flexibilização operacional do contrato do agente em função do resultado medido posteriormente. “Isso vai diminuir custos operacionais dos players que fizerem os registros voluntários”, explicou Roseane Santos, em entrevista coletiva por meio eletrônico, após a participação no Enase.
Segundo ela, para aprimorar a calculadora de risco CVaR (Conditional Value-at-Risk), a CCEE precisará receber as informações sobre os contratos de energia praticados pelos agentes. Ela explicou, porém, que a câmara não terá acesso aos dados individuais dos agentes, mas apenas a visão do todo.
“Estamos aprimorando a nossa calculadora CVaR. Hoje ela funciona com o input do PLD e só permite ver o risco um mês à frente”, disse a conselheira.
“Para aprimorar a calculadora CVaR, temos que aprimorar a informação. Mas os preços individuais não vão ser entregues à CCEE. Vamos desenvolver tecnologias de informação, para fornecer soluções em que os próprios agentes ‘inputem’ os números. A CCEE não terá acesso aos preços individuais, mas ao comportamento desses preços”, explicou ela. “Não podemos mais ter informações ex-post, depois do leite derramado”.
A conselheira acrescentou que a CCEE só pode garantir um mercado seguro se tiver informação das exposições. “Isso não significa que eu queira invadir a liberdade contratual das partes, nem a escolha dessas partes, nem as garantias que as partes vão eleger. Elas são bilaterais. Mas queremos saber o CvaR e ter informações para termos condições de mapear o que acontece no setor. O setor elétrico ganha com isso. Ele fica mais robusto para qualquer investidor”.
Roseane, no entanto, assegurou que a proteção dos dados que serão entregues será uma condição essencial para o mercado.
A ideia da CCEE é concluir a proposta nos próximos dias para, em seguida, realizar “road shows” e colher sugestões dos agentes. A ideia é enviar a nota técnica sobre o tema para a Aneel até 10 de novembro. Em seguida, a autarquia deverá analisar o assunto e colocar o tema em consulta pública.
A conselheira afirmou que o prazo de tramitação do assunto na Aneel dependerá do ritmo da agência. Ela disse, contudo, que a autarquia está alinhada com a câmara com relação à importância do tema. A expectativa dela é que uma resolução sobre o assunto seja aprovada ainda no primeiro semestre de 2021. Roseane, no entanto, disse que deverá haver um período de transição para os agentes se adequarem às novas regras.
Para o presidente da consultoria PSR, Luiz Augusto Barroso, a proposta da CCEE representa um avanço para a governança do mercado livre e um canal de diálogo com o setor.