(Camila Maia, Natália Bezutti e Rodrigo Polito)
Em meio a um ano de pandemia e mudança de planos para diversos segmentos da economia, o setor elétrico se deparou, inicialmente, com uma queda brusca de 12,1% do consumo, logo no início do período de isolamento social, em abril. Com isso, o mercado livre de energia, que acabava de comemorar a aprovação do PLS 232 no Senado, sofreu seu primeiro impacto com pedidos para suspensão de contratos de fornecimento por conta de força maior.
No entanto, apesar da reação inicial, muitas empresas voltaram atrás e renegociaram seus contratos com as comercializadoras, as quais, por sua vez, estenderam prazos e buscaram o melhor caminho junto com os clientes.
“A pandemia mostrou não só que o mercado está preparado, como evidenciou que essa abertura (mercado livre) é necessária. As políticas de isolamento impactaram os consumidores de energia e as empresas de um modo geral, mas as comercializadoras conseguiram honrar seus contratos e em muitos casos renegociaram condições para não onerar seus consumidores, sem repassar prejuízos ao mercado”, contou Alexandre Lopes, vice-presidente de Estratégia e Comunicação da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel).
Em contrapartida, o ambiente regulado apresentou maior dificuldade, precisando de ajuda da Conta-Covid para ajustar o fluxo de caixa das distribuidoras, com a tomada de empréstimos que serão incorporados às tarifas dos consumidores nos próximos anos.
Gustavo Arfux, sócio-fundador da True Comercializadora, também destacou a superação do mercado nas negociações com os clientes, que antes, recorriam muito mais à Justiça do que ocorreu nesse período de pandemia.
“Conseguimos passar pelo que poderia ser um novo grande problema jurídico, que acabou sendo bem equacionado. As comercializadoras fizeram bem seu papel e foram habilidosas e conseguiram uma solução. Isso provou que o mercado livre está num caminho de maturidade que não tem mais volta”, disse Arfux.
A área da trading da Comerc viu nessa queda brusca do consumo um dos maiores desafios de 2020, principalmente porque a empresa tem sua estratégia de negócio com foco no consumidor, no longo prazo. Mas, desse momento a empresa tira uma conquista importante: de melhoria em sua análise de crédito.
“Foi um trabalho iniciado em 2019, mas que se solidificou em 2020 e que foi fundamental para que os resultados financeiros do ano também fossem positivos, especialmente quando consideramos o cenário geral”, disse Enrico Dal Sasso Begliomini, vice-presidente da Comerc Energia.
Com a retomada gradual da economia proporcionada pela flexibilização das medidas de isolamento social, a partir de julho o consumo de energia no país se aproximou da recuperação, com recuo de apenas 0,7% na comparação com julho de 2019 – na média entre mercado livre e mercado regulado. No entanto, considerando o resultado do mês apenas do ambiente livre, o consumo foi positivo, com elevação de 2% nesse período, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
“Em junho e julho, nós nos espantamos com a retomada de consumo, chegando na curva de 2019 numa velocidade maior do que a gente imaginava. E aí entramos numa das piores séries hidrológicas do histórico. Ao mesmo tempo em que tivemos recuperação do consumo, houve a degradação forte das afluências”, indicou Arfux da True Comercializadora.
Gráfico elaborado com dados do ONS
E se por um lado o baixo consumo trouxe pouca volatilidade para o Preço da Liquidação das Diferenças (PLD) no segundo trimestre, a partir do terceiro trimestre, o setor se deparou com a pior hidrologia da série histórica do Operador Nacional do Sistema (ONS), desde 1931.
Com a retomada da economia e o cenário hidrológico desfavorável, as comercializadoras tiveram como desafio a elevação dos preços. “Apesar dessas variações, consideramos que 2020 foi um ano bom e lucrativo para as comercializadoras, no qual as contrapartes investiram em redução de risco, de portifólio e risco de crédito”, apontou o vice-presidente da Comerc Energia.
E os preços para 2021?
Na opinião de David Barmak, sócio fundador e diretor da comercializadora Tempo Energia, o ano de 2021 será de volatilidade de preços. Segundo ele, o ano vai se iniciar com volume baixo dos reservatórios hidrelétricos, inclusive com nível médio de armazenamento inferior ao registrado no início de 2020. Já no segundo trimestre, é previsto um aumento de afluência de hidrelétricas da região Norte. “A dúvida é em que nível os reservatórios vão chegar no segundo semestre”, salientou ele.
Para Paulo Toledo, sócio da Ecom Energia, ainda é necessário aguardar essa transição do período seco para o período úmido para ter uma visão mais clara dos preços, mas com a expectativa de La Niña em janeiro, é esperado um verão com chuvas na média ou até um pouco acima.
“Pode acontecer atraso em janeiro (das chuvas), às vezes é normal, mas o preço não deve ficar muito alto. Dependemos da confirmação da realização das previsões. O período de transição é sempre meio crítico”, completou o sócio da Ecom.
Arfux prefere ser mais conservador com a previsão. “Qualquer coisa pode acontecer. Estamos hoje com sistema configurado como está, com capacidade de regularização pequena perante a carga, e ficamos mais dependentes da Energia Natural Afluente (ENA) no período úmido. Estamos estudando várias possibilidades, mapeando cenários e esperando as definições que devem vir na próxima quinzena”.
Nem só de preço horário viverá o mercado
Se o ano de 2020 começou positivo com a aprovação do PLS 232 no Senado Federal, a expectativa é que 2021 ocorra a conclusão dessa comemoração com a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados.
“Nós estamos com boas expectativas para a aprovação do projeto no próximo ano. Durante a votação da MP 998, alguns parlamentares discursaram favoráveis ao projeto e ressaltando a importância da rápida aprovação no Senado para que a Câmara também possa deliberar”, contou o vice-presidente de Estratégia e Comunicação da Abraceel.
Além disso, a aprovação de outros textos no Congresso Nacional, como a MP 998 e a Lei do Gás, também são aguardados pelo mercado livre, uma vez que incluem pontos importantes para a sua expansão e aperfeiçoamento, como o comercializador varejista e o mercado livre do gás.
“Acreditamos que outras oportunidades estão surgindo no mercado de gás natural, com a nova lei do gás que aguarda deliberação na Câmara. Avanços regulatórios também estão ocorrendo a nível estadual e acreditamos que o desenvolvimento do mercado de gás contribuirá para a retomada do crescimento do país”, completou Alexandre Lopes.
Fortalecido por 2020, para o próximo ano o mercado ainda espera o avanço de medidas para ampliar a segurança das negociações. O projeto da CCEE, que deveria ser aprovado em 2020, entrou em compasso de espera por causa da pandemia, mas é aguardado para o próximo ano.
O mercado livre também tem crescido com a expansão de projetos de geração. Os advogados Raphael Gomes e Pedro Dante, especialistas em assuntos relacionados ao setor elétrico do escritório Lefosse Advogados, estão otimistas com o cenário do mercado em 2021, sobretudo no ambiente livre. Eles destacam a tendência de continuidade do crescimento de negócios nas áreas de geração distribuída e autoprodução de energia, por meio de contratos de longo prazo firmados com consumidores livres.
“Hoje o consumidor é o grande viés da expansão do setor”, afirmou Gomes. Dante também ressaltou o avanço com relação às alternativas de financiamento para empreendimentos dedicados ao mercado livre. “Houve um avanço em relação à financiabilidade dos projetos. Os bancos estão aceitando assumir riscos”, explicou.