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'Tempestade perfeita' gera incerteza inédita no cenário de preços de energia

'Tempestade perfeita' gera incerteza inédita no cenário de preços de energia

A combinação da crise hídrica com as medidas de mitigação em estudo e as discussões de aprimoramento nos modelos de formação de preço levou o mercado de energia a uma grande incerteza em relação aos preços futuros.

“Nós talvez estejamos chegando na tempestade perfeita do setor”, disse Paulo Toledo, sócio fundador da Ecom Energia. “Juntou ser um ano de mudança de metodologia do preço, primeiro ano de PLD horário, pior cenário de hidrologia com uma seca muito maior que o normal”, comentou.

De acordo com especialistas ouvidos pela MegaWhat, é muito baixa previsibilidade dos preços de energia nos próximos meses, principalmente a partir de outubro, quando se espera que tenha início o período chuvoso do ano.

“A resolução 07 do CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] foi um ganho muito grande para a previsibilidade na formação de preço”, disse João Barreto, coordenador de preços e estudos de mercado da MegaWhat Consultoria. Essa resolução determina que mudanças na operação só terão reflexo na formação do PLD se forem aprovadas antes do Programa Mensal da Operação (PMO) do mês seguinte. Por exemplo, uma alteração aprovada hoje, 16 de julho, só será considerada no PMO de setembro, cuja reunião acontecerá nos últimos dias de agosto.

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Um fator que aumenta as incertezas, no momento, é que não se sabe ainda os efeitos futuros das medidas em implementação para mitigar a crise hídrica, como redução de vazão nas usinas do rio Paraná, e nem se o próximo período úmido virá com chuvas dentro da média.

Nos próximos meses, por exemplo, a vazão defluente do rio São Francisco será alterada para 1.500 m³/s em setembro e 2.500 m³/s em outubro e novembro. No entanto, se for atingido o gatilho de um volume útil inferior a 40% nos reservatórios de Sobradinho, essa mudança de vazão será suspensa. “Não se sabe se ou quando o gatilho vai ser acertado. Pode ser no começo de setembro, no fim”, disse Barreto. Como o gatilho foi definido antes, a alteração forma preço na semana em que ele for atingido, dificultando a previsibilidade.

“Não acredito que estejamos à beira de um racionamento, mas acredito que, a depender do trabalho que será feito no segundo semestre e de questões pontuais, como o comportamento das afluências no Sul, podemos ter problemas de atendimento de potência em outubro e novembro”, disse Gustavo Arfux, sócio fundador da True Comercializadora.

Mesmo com as medidas em implementação para frear o esvaziamento dos reservatórios, as termelétricas estão sendo mais que nunca necessárias para garantir o abastecimento do país, o que se reflete em preços mais caros.

Na segunda quinzena de agosto, outro agravante: a Petrobras vai fazer uma parada para manutenção programada na plataforma Mexilhão, que abastece muitas termelétricas, que irão aproveitar para fazer suas manutenções. “Por outro lado, entramos com outras térmicas que estavam desativadas na categoria merchant, à espera da entrada do período úmido”, disse Fabiano Mourão, gerente de preços e estudos de mercado na Delta Energia. A Delta, inclusive, comprou e está reativando neste momento a termelétrica de William Arjona, que tinha ficado parada nos últimos quatro anos.

O cenário acabou culminando num PLD teto de R$ 583,88/MWh, que vem persistindo desde o fim de junho.

“Nós acreditamos na permanência dessa onda de preços altos para agosto e setembro. Depois, em outubro e novembro, quando temos entrada do período úmido, se houver chuva razoável, haverá preços razoáveis”, disse Paulo Tarso, sócio da Vivaz Energia.

Uma eventual repetição do fenômeno meteorológico La Niña a partir de setembro, contudo, pode prejudicar as chuvas no Sudeste e Sul no fim deste ano. “Estamos vendo um aquecimento no Oceano Pacífico, e a perspectiva é de um repique de La Niña, que deixa o Sul e Sudeste mais prejudicados e beneficia estatisticamente Norte e Nordeste. Isso pode agravar um pouco a crise, e entraremos com risco agravado para 2022”, disse Mourão.

Na última semana, a probabilidade de ocorrência da La Niña cresceu. Segundo Olívia Nunes, analista setorial da MegaWhat, a probabilidade do fenômeno está em 66%, o que aumenta a chance de mais um verão seco no Sudeste e Sul. “Mas isso se acontecer uma La Niña clássica”, ressaltou a analista. Segundo ela, ainda não se sabe como o cenário vai evoluir.

“São muitas variáveis, principalmente as regulatórias, que não conseguimos gerenciar. Precisamos acompanhar, aguardar e ver como será conduzido o movimento”, disse Toledo.

Alterações no modelo

Se o cenário climático não contribui para a previsibilidade de preços, alterações no modelo de formação de preço aumentam ainda mais as incertezas a partir de 2022. Os aprimoramentos em discussão, que devem ser aprovados até 31 de julho, foram propostos pela Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (Cpamp).

O objetivo das melhorias em discussão é ajustar os parâmetros de risco dos modelos para que os preços fiquem mais próximos da realidade. Caso sejam aprovadas, as mudanças entram em vigor em janeiro de 2022. “Entendemos que há clara determinação no governo para que os parâmetros de aversão ao risco sejam apertados, e estamos nos adequando”, disse Arfux.

O momento da discussão, contudo, causa insegurança nos agentes. “Podemos ter um cenário no qual, com um certo volume de chuvas no período úmido, o preço esteja em R$ 200/MWh em dezembro e em janeiro mudem pra R$ 400/MWh porque entrou o novo parâmetro”, disse Paulo Tarso.

Uma das alterações em discussão é no Vminop, sigla para volume mínimo operativo. Hoje, esse volume mínimo é considerado no Newave para todos os meses do ano. A Cpamp avalia aplicar o volume mínimo também no Decomp, que trata do planejamento no horizonte de curto prazo, nas próximas semanas.

Além disso, foram elevados os volumes mínimos operativos nas regiões Sudeste/Centro-Oeste, Norte e Nordeste, o que também implica em alta nos preços.

Uma das alterações discutidas na primeira fase da consulta pública, no PAR(p), foi desconsiderada neste momento, mas continuará em estudo no ciclo 2021/2022. O PAR(p) é uma metodologia que considera melhor a memória hidrológica histórica do sistema dentro do modelo Newave, que trata do planejamento no horizonte de até cinco anos. Ele olha as afluências do passado para projetar as do futuro. A Cpamp analisava usar o histórico de 12 meses nas projeções de futuro, mudando o nome da metodologia para PAR-p-a, mas isso não vai mais acontecer neste ano.

Para compensar a não implementação do PAR-p-a neste ano, a Cpamp propôs, então, aumentar o peso das piores séries históricas no modelo, por meio de um ajuste no Cvar.

“Nosso receio é que estamos calibrando o mecanismo de aversão ao risco num momento outlier, que é o momento em que o operador tem que ter liberdade para fazer os ajustes necessários”, disse Mourão. Segundo ele, o risco é que isso resulte em um “ruído” na formação de preço, no lugar de um sinal econômico adequado.

Segundo João Barreto, a mudança dos parâmetros do Cvar surgiu como uma última alternativa para deixar o modelo mais restritivo para 2022. “Nos preocupa como ele vai reagir num momento de hidrologia mais favorável, já que ficará mais ‘estressado'”, afirmou.

Mitigação de riscos no mercado

Além de todas essas incertezas na virada de 2021 para 2022, os agentes podem ter ainda mais desafios, como a questão do hidrograma da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). No início deste ano, o Ibama determinou o aumento da vazão para o trecho de Volta Grande do Xingu, com redução na vazão destinada à Belo Monte. Com isso, houve a redução da água turbinada e, consequentemente, da energia gerada.

Eventualmente, a usina entrou num acordo com o Ibama, permitindo a manutenção da sua vazão, mas a Justiça Federal atendeu um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e concedeu uma liminar cancelando esse acordo em junho.

“Nós não conseguimos nem atribuir probabilidade a isso, porque é uma questão jurídica delicada”, disse Arfux.

Para limitar a exposição ao risco de uma volatilidade nos preços, as casas ouvidas se esforçaram para minimizar ou zerar a exposição neste ano. “Nós adequamos nosso portfólio para essa realidade imposta. Obviamente que em momentos como esse, a gente tende a ser conservador, bem cauteloso na tomada de posição”, disse Arfux.

“Nós estamos buscando hedge de todas as formas que encontramos, para diminuir bastante nossa exposição”, disse Tarso. Para 2022, a Vivaz busca um risco “muito controlado”, com posições reduzidas e próximas de zero. “O jogo de 2022 é de risco elevado. Para a fase inicial da empresa, é um risco que não vemos como algo bom tomar”, explicou.

A Delta, por sua vez, está aproveitando o início de operação da termelétrica William Arjona como um hedge para eventuais exposições. “Antes de qualquer problema, conseguimos realocar os riscos e a térmica é nosso hedge. Ela veio gerar e mitigar qualquer tipo de perda”, disse Mourão.

Com toda essa precaução pelos agentes, a liquidez do mercado está muito baixa, já que as casas estão restritivas. “Todos preferem ser mais cautelosos e cuidadosos. É o momento de acompanhar e ver quais serão as medidas na formação de preço, e torcer para termos uma La Niña mais fraca que possa dar uma regularizada nos reservatórios”, disse Toledo.

(Atualizado em 16/07/2021, às 13h14)

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