Por Rafael Feldmann
A preocupação com a preservação do meio ambiente ganha maior projeção a cada dia. Para superarmos os impactos da crise que nos assola, parece ser consenso entre autoridades públicas e entidades privadas que as medidas de recuperação econômica devem também respeitar os paradigmas da conservação ambiental.
Mesmo o Brasil possuindo a maior biodiversidade do mundo, nossa imagem internacional tem se desgastado e potenciais e efetivos investidores em ativos locais se afugentaram. Neste tema, declarações polêmicas proferidas por lideranças públicas, constantes trocas de cargos relevantes em órgãos estratégicos e o aumento nos índices anuais de desmatamento contribuem substancialmente para o cenário adverso em que estamos envolvidos.
Por conta disso, uma parcela do setor financeiro já resolveu se posicionar. Temos como exemplo a carta assinada em junho por 29 diferentes fundos internacionais – responsáveis pela administração de aproximadamente R$20 trilhões – expondo preocupação com os rumos atualmente tomados pela agenda brasileira. No último dia 22 de outubro, o Parlamento Europeu aprovou resolução que pode impactar a aquisição de produtos brasileiros caso o cenário atual se mantenha.
Em contraponto, o mundo corporativo se organiza. Alianças e pactos de diversos setores são criados e fortalecidos, inúmeros e importantes eventos são realizados e, aos poucos, lideranças sérias privadas e públicas demonstram que não há outro caminho que não seja pela efetiva observância de aspectos ambientais e mitigação de riscos de degradação em todos os setores da economia.
Ainda, como pano de fundo, os critérios de financiamento denominados ESG (Environmental, Social and Governance) ganham enorme destaque. Estes parâmetros visam refletir que operações financeiras garantam que os três eixos da sustentabilidade – o Meio Ambiente, o Social e a Governança – sejam efetivamente avaliados e contemplados como fatores de risco em todo e qualquer projeto.
Apesar de tudo, incomoda bastante que, neste contexto, muito se fala sobre engajamento corporativo e o próprio ESG (o que é louvável e indispensável), mas pouco se comenta sobre a atual estrutura pública nesta mesma agenda.
Vale lembrar que, ao mesmo tempo que a Constituição Federal demanda uma atuação sinérgica e estratégica entre União, Estados e Municípios na fiscalização de aspectos e impactos ambientais, esta atribuição requer coordenação, alinhamento e, mais importante, designação de verbas públicas – as quais estão aquém do necessário.
Afinal, a realidade dos órgãos de controle ambiental, salvo poucas exceções, é de sucateamento e brutal ausência de contingente humano para cumprimento de suas atribuições. Basta uma rápida pesquisa para identificarmos que esta pauta recebe pouquíssima importância no âmbito dos orçamentos públicos nas três esferas do Poder Executivo. Para aqueles que estão envolvidos no dia-a-dia e no contato com tais órgãos, as evidências de paralisia e os relatos de estagnação são gritantes.
É um fato que vivemos uma realidade austera quanto às contas públicas e os efeitos da atual recessão econômica ainda se agravarão por algum tempo. Por outro lado, está mais do que evidente que a ausência de capacitação dos órgãos, além dos próprios prejuízos da degradação em si, produz estrago imensurável quando calculado à luz dos danos à reputação do Brasil.
Se estamos efetivamente preocupados em reverter o cenário adverso atual, ou seja, se queremos que a aplicação dos princípios ESG sejam uma realidade efetiva no Brasil, comecemos então por exigir a verdadeira capacitação humana e financeira dos nossos órgãos ambientais. O discurso de austeridade, embora verdadeiro, não pode ser utilizado como desculpa dentro da pauta que busca garantir a continuidade da espécie humana e do equilíbrio ambiental para futuras gerações.
Rafael Feldmann é advogado na área ambiental, mestre em direito (LL.M) pelo Instituto de Empresa de Madrid e sócio do Themudo Lessa Advogados.
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