As negociações do Anexo C do tratado de Itaipu, documento que trata das condições de comercialização da energia gerada na hidrelétrica binacional, devem acontecer a partir de 2023, e não até 2023, disse o general João Francisco Ferreira, diretor-geral do lado brasileiro da usina. Enquanto isso, todos os cenários estão sendo mapeados, incluindo aquele no qual os países poderão comercializar livremente a energia gerada.
“Estamos construindo cenários para as várias possibilidades que podem ocorrer”, disse. “Existe preocupação de que o Brasil esteja atrasado, mas ele não está, está fazendo o certo. Não consideramos bom começar [a negociar] antes da hora, o ideal é conduzir a negociação a partir de 2023. Até lá, vamos construindo os cenários”, afirmou.
Durante entrevista coletiva concedida em visita de jornalistas à usina, Ferreira afirmou que o tratado assinado entre Brasil e Paraguai determinava que o Anexo C fosse renegociado 50 anos depois da sua assinatura, em 1973, e não até 50 anos depois. “A revisão pode ser feita a partir de 2023”, afirmou.
“Evidente que o negociador é o Ministério de Relações Exteriores, que vai ter uma orientação de acordo com o governo federal para a ocasião, mas ele precisa receber informações técnicas de todos que participam do processo”, disse o general.
Nesse contexto, Itaipu participa do grupo de trabalho criado pelo Ministério de Minas e Energia para dar suporte ao Itamaraty para conduzir as negociações.
A energia do tratado
Pelo tratado, o Brasil tem direito a 50% dos 14 mil MW de potência da usina, e compra mais cerca de 30% do Paraguai pelo mesmo preço, já que o país vizinho não tem demanda para toda a energia da hidrelétrica. Atualmente, não é possível vender a energia da usina no mercado livre, e nem para países vizinhos como a Argentina. No Brasil, toda a energia de Itaipu é alocada nas distribuidoras na forma de cotas. Para o Paraguai, a vantagem do acordo configurado atualmente é a garantia de que as distribuidoras brasileiras comprarão a energia – ou seja, um mercado garantido.
Com o vencimento do Anexo C em 2023, começou-se a discutir a possibilidade de que o Paraguai não queira mais ceder parte da sua energia ao Brasil, preferindo alternativas como a venda no mercado livre ou fomentar a instalação de indústrias eletrointensivas no país, por exemplo. O diretor-geral do lado brasileiro da hidrelétrica disse que não pode ter sua opinião pessoal expressa nesse caso, mas destacou que todos os cenários estão sendo discutidos.
“Sabemos, até pela mídia paraguaia, que há questões colocadas em relação à vender energia livremente no Brasil ou até na Argentina, o que o tratado hoje não permite. Entendo que não posso e não devo participar dessa negociação emitindo opinião, precisamos manter a harmonia dentro da empresa. Mas afirmo que nosso Ministério de Relações Exteriores está ciente de tudo isso, apoiado pelo MME e pelo grupo de trabalho organizado para dar suporte à negociação”, disse Ferreira.
O cenário em que o Paraguai possa vendar energia livremente será apresentado e debatido entre os ministérios de relações exteriores dos dois países. “Para nós, diretoria e empregados de Itaipu, isso não faz diferença. Vamos nos adaptar e certamente teremos até que criar uma nova diretoria ou superintendência dentro de nossa estrutura, voltada para comercialização de energia. Pensamos nisso também, temos que responder com rapidez”, disse.
Outra mudança que deve sair da negociação do Anexo C é a forma de alocação e remuneração da energia de Itaipu. Como desde sua construção os financiamentos foram contratados diretamente por Itaipu, foi decidido lá atrás que a usina seria remunerada pela potência, e não pela energia efetivamente gerada, o que acaba protegendo a hidrelétrica do problema do GSF.
Ao fim de 2022, contudo, a expectativa de Itaipu é de concluir o pagamento da dívida. “Acabando a dívida, a necessidade de recebermos pela potência contratada, que garante que paguemos a dívida, desaparecerá”, disse Ferreira. Segundo ele, isso deve estar na mesa de negociação, com a possibilidade de que Itaipu passe a vender a energia efetivamente gerada, e não a potência contratada.
Encerrado o pagamento da dívida, Itaipu ainda vai remunerar, além da operação e manutenção da usina, outras despesas como serviços e investimentos no entorno. A tarifa, que é hoje de US$ 22,60 por kW, deve ficar menor, já que não vai mais incluir o pagamento da dívida, explicou o general.
A negociação do Tratado de Itaipu também deve levantar a possibilidade de que a usina explore mais que o potencial hídrico do rio Paraná, podendo expandir a geração de energia com outras alternativas, como a instalação de painéis solares sobre o reservatório.
“No futuro, isso pode ser até implementado”, disse Ferreira, lembrando que essa pode ser uma alternativa para mitigar os efeitos da crise hídrica e das chuvas abaixo da média nos próximos anos.
*A repórter viajou a Foz do Iguaçu a convite de Itaipu