Mercado Livre

Atraso na regulamentação de varejista preocupa, mas não impede onda de migrações

A abertura do mercado livre a todos os consumidores conectados em alta tensão, independente da demanda de energia, será uma realidade a partir de janeiro de 2024. Faltando apenas cinco meses para a virada de chave, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda não regulamentou o comercializador varejista, que será importante neste novo desenho de mercado, o que tem levantado preocupações de agentes sobre as migrações em negociação. Consumidores cativos (conectados às distribuidoras) que desejam migrar para o mercado livre têm um prazo mínimo de 180 dias para rescisão dos contratos com as distribuidoras - ou seja, quem espera migrar em janeiro de 2024 precisa ter feito a comunicação em julho de 2023.

Atraso na regulamentação de varejista preocupa, mas não impede onda de migrações

A abertura do mercado livre a todos os consumidores conectados em alta tensão, independente da demanda de energia, será uma realidade a partir de janeiro de 2024. Faltando apenas cinco meses para a virada de chave, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda não regulamentou o comercializador varejista, que será importante neste novo desenho de mercado, o que tem levantado preocupações de agentes sobre as migrações em negociação. Consumidores cativos (conectados às distribuidoras) que desejam migrar para o mercado livre têm um prazo mínimo de 180 dias para rescisão dos contratos com as distribuidoras – ou seja, quem espera migrar em janeiro de 2024 precisa ter feito a comunicação em julho de 2023.

O varejista é importante porque todos os consumidores com carga inferior a 0,5 MW precisarão, obrigatoriamente, estar debaixo desse agente, de acordo com a portaria do Ministério de Minas e Energia MME 50/2022, publicada em setembro de 2022, e que definiu a abertura do mercado para alta tensão. Sem sua regulamentação, os agentes estão conduzindo as migrações “no escuro”, na expectativa de que as regras irão atender as demandas do mercado. Além do varejista, estão pendentes definições de questões importantes como quem será responsável pela medição, como será a adequação desses consumidores e a adesão na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Na Aneel, o processo está sob relatoria do diretor Ricardo Tili, mas ainda não registrou movimentação formal. Em posicionamento, a Aneel informou que espera abrir consulta pública sobre o tema no final de agosto e finalizar a análise na última Reunião Pública Ordinária (RPO) de 2023.

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Segundo fontes ligadas à Aneel ouvidas pela MegaWhat, o atraso reflete as mudanças da estrutura organizacional da agência, mas as interações entre os agentes, os técnicos e o diretor Ricardo Tili estão intensas e a agência está comprometida em abrir a consulta pública em agosto. A discussão está sendo conduzida pela Superintendência de Regulação dos Serviços de Geração e do Mercado de Energia Elétrica (SGM).

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Regulamentação do varejista e corte por inadimplência

Um dos pontos mais importantes a serem definidos é a regulamentação do comercializador varejista e os procedimentos para corte por inadimplência. Segundo a Lei 14.120/2021, cabe à Aneel decidir como seria a suspensão de fornecimento nesses casos.

Numa consulta pública feita em 2022 para discutir a abertura do mercado, a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) chamou a atenção para esse fato, e propôs que o consumidor inadimplente permaneça sob o varejista por no máximo 15 dias. A entidade sugeriu que a notificação do encerramento contratual seja enviada pelo varejista de forma simultânea à CCEE, à distribuidora e ao consumidor, de forma a acelerar o processo e evitar que o varejista seja prejudicado sem poder cortar o inadimplente.

Assim, depois de 15 dias o contrato seria encerrado e caberia ao consumidor buscar a continuidade da sua operação comercial antes do término do contrato pela comercializadora. Ele poderia fazer isso aderindo à CCEE em nome próprio (caso tenha demanda superior a 0,5 MW, já que todos os consumidores abaixo desta demanda precisam ser representados por varejista, segundo a Portaria MME 50/2022), celebrando contrato com a distribuidora local ou celebrando contrato com outro comercializador varejista.

As incertezas, entretanto, não têm impedido movimentações intensas no mercado. “As comercializadoras estão assumindo o risco”, disse o CEO da Nova Energia, André Bonaldo, em entrevista à MegaWhat. Segundo Bonaldo, o risco vale porque o atual Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) baixo possibilita boas margens para a comercializadora mesmo com descontos expressivos aos consumidores. Além dos fatores associados à inadimplência, as comercializadoras estariam ainda assumindo algum risco técnico, já que muitos consumidores estão rescindindo seus contratos com as distribuidoras e, como a regulação ainda não está definida, pode haver alguma questão técnica que inviabilize a migração.

Bonaldo diz que o mercado está “apostando no bom senso da Aneel e da CCEE” para fazer uma regulamentação simplificada e eficiente para que a abertura de fato ocorra. “Não adianta uma portaria ministerial abrir o mercado e a Aneel e a CCEE deixarem a coisa tão travada que o mercado não vai pra frente”, diz.

A confiança do mercado é alta, pois Bonaldo conta que as investidas da sua empresa sobre os novos consumidores sempre têm concorrência e o público está interessado em reduzir seu custo de energia. “Com taxa de juros alta e falta de investimento, a briga é por quem é mais eficiente”, avalia.

A boa perspectiva é compartilhada pela Abraceel, que espera grande volume de migração. A associação está estruturando propostas para levar à Aneel e órgãos competentes para facilitar o processo, segundo o vice-presidente de Estratégias e Comunicações da Abraceel, Bernardo Sicsu.

Em entrevista por e-mail à MegaWhat, a Ecom Energia considera que as mesmas regras válidas atualmente para o mercado livre serão aplicadas aos novos consumidores de alta tensão: “A Aneel publicou em janeiro deste ano a REN 1.059/2023, que alterou a REN 1.000/2021, atualizando seu art.160. A regulamentação está alinhada à portaria que abriu o mercado de alta tensão”, informou a companhia.

Medição simplificada

Outros assuntos ainda sem definição, e que causam “apreensão” são a falta de definição pelos responsáveis pela medição, responsabilidades sobre adequações em subestações, processo de adesão e representação na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e a identificação do supridor de última instância. Esses problemas foram apontados pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) numa carta enviada ao diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, no início de julho, pedindo celeridade da agência na regulamentação, a fim de garantir a segurança jurídica e o pleno funcionamento do novo mercado livre de energia.

Agentes ouvidos pela MegaWhat acreditam que a medição pode continuar a cargo das distribuidoras, embora haja alguma discussão por mais competidores nesta atividade. “As distribuidoras têm a expertise, já fazem a medição”, disse o presidente executivo da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira.

André Bonaldo, da Nova Energia, também entende que a medição “não é papel da comercializadora” e deve ficar a cargo da distribuidora, até por questões técnicas. Mas ele avalia que a medição precisará ser simplificada. “Não precisa ser um medidor tão sofisticado, mas precisa ser uma leitura que guarde memória de massa e que tem uma comunicação com a internet para que consiga enviar os dados para CCEE”, disse.

Segundo ele, a disputa pelos novos consumidores está tão acirrada que há varejistas oferecendo a adequação da cabine – risco que a Nova não corre por entender que pode ameaçar a sustentabilidade do negócio. “As margens são boas, mas o volume contratado é pequeno. Se o investimento for muito caro, inviabiliza o projeto de migração. Mesmo assim, algumas comercializadoras estão investindo nisso”, revelou.

Outra fonte ligada a comercializadora ouvida pela reportagem, sob condição de anonimato, concorda que é importante haver simplificação do processo sem imposição de medidores inteligentes, mas vê espaço para mais competição nesta atividade. “Não necessariamente precisa ser a distribuidora [a fazer a medição], poderia ser um agregador, uma comercializadora. Tenho dúvida se a distribuidora hoje já não recebe pelo serviço de medição, ela é remunerada de alguma forma”, disse.

CCEE: representação simplificada e apreensão sobre o sistema

Onde parece haver consenso entre os agentes é na importância de haver simplificação na representação dos consumidores na CCEE. Para a Abraceel, é possível simplificar o processo de adesão na CCEE e de migração ao mercado livre.

A simplificação pode evitar problemas de sistema, que é outra apreensão do mercado diante da expectativa de aumento no número de consumidores livres – o MME estima que 106 mil novos consumidores estariam aptos a migrar para o ACL. Segundo boletim de julho da Abraceel, hoje há 33,8 mil unidades consumidoras no ACL, pertencentes a 11,7 mil consumidores.

Em nota, a CCEE disse estar “empenhando os esforços necessários para aprimorar seus processos, robustecer seus sistemas e garantir que a abertura do mercado livre para toda a alta tensão a partir de janeiro de 2024 ocorra com previsibilidade, de forma organizada e sustentável”.

Otimismo e próximos passos

Mesmo com todas as indefinições, o mercado tem expectativas positivas em relação à abertura. “O mercado, a Aneel e a CCEE já estão maduros o suficiente para regular isso de uma forma muito simples, porque não tem novidade, é só um consumidor menor. O mais difícil, que era criar figura do varejo na CCEE, já foi feito”, avalia André Bonaldo.

A Ecom Energia avalia que o momento é de informar o mercado: “Acreditamos que é preciso promover a educação do mercado varejista sobre o que é o Mercado Livre de Energia, como aderir, benefícios etc. Como estamos no início dessa curva de aprendizado, o engajamento deverá crescer”, disse a empresa por e-mail à MegaWhat.

Para a Abradee, a movimentação poderá abrir caminho para uma abertura ainda mais profunda, como para baixa tensão. “Precisamos evoluir na discussão da tarifa binômia. O projeto de sandbox tarifário da Aneel é importante para que a gente possa testar outras modalidades tarifarias e evoluir. Quanto mais rápido trouxermos tarifas modernas ao setor elétrico, principalmente para baixa tensão, vamos conseguir ter uma divisão adequada de custos e benefícios entre os diversos agentes do setor”.

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