Distribuição

Judicialização da Neoenergia coloca liberação da 'Conta-Covid' em risco

A decisão da Neoenergia de ir à Justiça pedindo a suspensão dos prazos de adesão das distribuidoras à “Conta-Covid” pode alongar o cronograma proposto para liberação do empréstimo e até mesmo colocar a operação em risco, segundo a avaliação de fontes ouvidas sob condição de anonimato pela MegaWhat.

Mesmo se a empresa, que é controlada pela espanhola Iberdrola, não conseguir uma liminar, a sua eventual não adesão ao empréstimo pode inviabilizar a operação. Há quem diga que o empréstimo só sai se todas aderirem, pela questão de diluição do risco. As quatro distribuidoras da Neoenergia (Coelba, Elektro, Celpe e Cosern) têm direito a até R$ 1,75 bilhão da Conta-Covid, o que representa 10,9% dos R$ 16,1 bilhões que o empréstimo pode ter.

Esse não é o único obstáculo ao fechamento do negócio. Se o cronograma previsto for mantido e as distribuidoras aderirem ao empréstimo até o fim dessa semana, os recursos serão disponibilizados entre o fim de julho e começo de agosto. A pressa do governo tem um motivo: a Medida Provisória (MP) 950, que criou as condições legais para a Conta-Covid, tem validade máxima até 5 de agosto. Se o processo continuar tumultuado, a operação pode nem mesmo ser concluída antes disso.

Ontem, a Neoenergia impetrou uma ação na 7ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal pedindo uma liminar que suspenda o prazo de 10 dias que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu às distribuidoras para aderirem ao financiamento, e que termina no dia 3 de julho, sexta-feira.

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O documento pede ainda que a Aneel defina, antes do fim do prazo de adesão, o custo efetivo total da operação financeira, providências para eventual insuficiência de recursos do empréstimo, e também os procedimentos de reequilíbrio econômico-financeiro a que as distribuidoras terão direito para lidar com os impactos econômicos da pandemia.

A iniciativa não foi bem recebida pelos agentes envolvidos, incluindo bancos, governo, Aneel e as próprias distribuidoras de energia. Uma das condições da adesão à Conta-Covid é justamente a renúncia do direito de ir à Justiça buscar a recomposição econômico-financeira, uma vez que esta é uma atribuição da Aneel, por meio do mecanismo da revisão tarifária extraordinária (RTE).

A inclusão da cláusula foi uma exigência dos bancos, que temem que o aumento do risco no setor elétrico possa prejudicar o pagamento do empréstimo, que será feito via tarifa.

As instituições financeiras envolvidas no empréstimo têm alta exposição ao setor elétrico por meio de garantias e financiamentos de empreendimentos, e um dos motivos da composição do pool de bancos que vai fornecer os recursos é a busca da redução dos riscos de calote generalizado no setor.

As distribuidoras são a grande porta de entrada de recursos no setor, mas o dinheiro recolhido pela tarifa é, em grande parte, repassado aos demais elos da cadeia. As concessionárias ficam com menos de 20% do total. O restante vai para pagar encargos, compra de energia, custo de transmissão, entre outras despesas.

Como a pandemia do covid-19 trouxe problemas financeiros para o caixa das distribuidoras, que viram o faturamento despencar pela redução de consumo e aumento da inadimplência, a Conta-Covid foi pensada para minimizar esses danos e evitar que as empresas repassem essa perda de arrecadação para os demais elos da cadeia, numa inadimplência em cascata.

“Se uma distribuidora não adere ao empréstimo e não abre mão de judicializar, aumenta a insegurança e pode inviabilizar a operação”, disse uma fonte próxima das negociações, que pediu para não se identificar.

Custos do financiamento

A judicialização por parte da Neoenergia também complica a situação para o governo em um momento delicado: estão fechando as taxas do financiamento com os bancos.

Segundo fontes, as propostas dos bancos vieram na faixa de CDI mais 4%, spread mais alto que o da contratação da Conta-ACR entre 2014 e 2015, de CDI mais 2,75%, em média. Na época, contudo, a Selic estava em 11%, sendo que agora caiu para o mínimo histórico de 2,25%.

Do lado dos financiadores, o argumento é que o cenário de crise enfrentado hoje é muito mais severo do que o de 2014, o que encarece os recursos. Na época, a crise era restrita ao setor elétrico. Hoje, o mundo todo enfrenta os problemas trazidos pela pandemia do covid-19, e o empréstimo terá um volume relativamente grande – de R$ 16,1 bilhões.

A expectativa é que as condições do empréstimo sejam apresentadas ao mercado ainda hoje, mas o governo ainda tenta, por meio do BNDES, negociar um ajuste fino nas condições para taxas mais atrativas.

Aneel

O juiz Rodrigo de Godoy Mendes intimou a Aneel e seu diretor-geral, André Pepitone, a se manifestarem sobre o pedido de liminar ainda hoje.

Procurada, a Aneel disse que está preparando a manifestação para apresentar em juízo e se disse surpreendida pela interpelação judicial da Neoenergia, uma vez que a Conta-Covid foi construída por meio de amplo diálogo com o setor.

“A agência vai tomar todas as providências a seu alcance para evitar que a ação judicial gere consequências para o mercado e, sobretudo, para os consumidores de energia elétrica, que se beneficiarão da operação com o amortecimento de tarifas”, diz a nota.

Atualizada às 11h30 do dia 02/07/2020

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