O debate a respeito da consulta pública que discutiu o efeito da lei 14.385/2022, sobre a devolução dos créditos de PIS/Pasep e Cofins cobrados a maior pois o ICMS foi usado na base de cálculo, terminou sem desfecho na reunião desta terça-feira da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O diretor Fernando Mosna, relator do processo, não conseguiu esclarecer ao colegiado sua proposta de individualização de valores do repasse dessa devolução, e a diretora Agnes da Costa pediu vista, postergando a conclusão do assunto.
O voto de Mosna tratou do resultado da consulta pública 5/2021, que discutiu a regulamentação da devolução dos impostos. A Aneel já vinha aplicando a devolução dos créditos a partir do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que é preciso excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, mas havia uma discussão sobre como seria a devolução dos recursos e se as distribuidoras poderiam assumir parte dos valores. A lei de 2022 definiu o ressarcimento, mas ainda é necessário que a Aneel regulamente o assunto.
A lei determinou a restituição integral, ao mesmo tempo em que delegou à agência estabelecer os critérios, observando o equilíbrio econômico-financeiro de cada concessão. O montante de recursos integrou um reforço no pacote de mitigação tarifária para amenizar os efeitos da crise hídrica e do período de isolamento social por conta da covid-19.
Os valores e discussão
A diretora Agnes da Costa Aragão pediu vistas do processo para estudar melhor o tema, mas o próprio diretor-geral, Sandoval Feitosa, já havia dado indícios que faria o mesmo, em explanação na qual se disse confuso a partir do que chamou de uma condução do voto extremamente “sofisticada” do diretor-relator.
De um valor inicial estimado de R$ 62,2 bilhões previstos em ações judiciais para a devolução do montante por distribuidoras e permissionárias de energia elétrica, em torno de R$ 24 bilhões ainda estariam disponíveis para serem devolvidos aos consumidores.
Em 2020, a partir de um entendimento da diretoria da Aneel junto às distribuidoras, foram devolvidos R$ 873,5 milhões aos consumidores, refletindo numa redução média de 4,95% nas tarifas de energia. A partir de 2021, o montante totalizou pouco mais de R$ 8,3 bilhões, repassados nos reajustes tarifários de 29 concessionárias.
A partir de 2022, com a lei 14.385/2022 e incluindo os processos de revisão tarifária extraordinária, a devolução foi de R$ 18,5 bilhões para 42 empresas, e em 2023, a devolução até o momento, considerando os processos com consulta pública aberta para revisão tarifária anual ou periódica, o montante soma R$ 11 bilhões.
O voto
Em seu voto, o diretor Fernando Mosna aponta uma segunda fase de consulta pública, com período de contribuições entre 6 de setembro e 20 de outubro, para emissão de ato normativo contemplando a devolução dos créditos aos usuários do serviço de energia elétrica resultando, exclusivamente, na fruição pela distribuidora da remuneração estabelecida na legislação para o indébito tributário quando da efetiva compensação do crédito tributário pela concessionária.
Além disso, determina que as áreas técnicas avaliem a elaboração de uma abordagem regulatória que minimize a possibilidade de discussões retroativas, criando um arcabouço regulatório que estabeleça com previsibilidade e segurança.
A principal dúvida do colegiado surgiu na apuração do valor integral individualizado do consumidor. Segundo o relator, a lei é clara e considera que, “ao identificar o montante habilitado perante a Receita [Federal] para compensar o tributo, e que vai entrar como componente financeiro negativo no processo tarifário, precisa descontar desse valor o total daquilo que, eventualmente, foi obtido em ação judicial e devolvido pela distribuidora diretamente ao consumidor”.
Em resumo, a distribuidora calcularia o que já foi pago diretamente a esse consumidor que contou com alguma ação judicial até um dia antes da publicação da lei 14.385/2022, seja de qual classe de consumo for, e faria a dedução do efeito tarifário aprovado pela devolução dos créditos dos tributos, conforme cálculo da Aneel. Dessa forma evitaria que o consumidor que já teve o benefício concedido antes da lei, esteja gozando novamente dele de forma global junto aos demais consumidores.
“O que estou tentando colocar é que não dá para colocar a ferro e fogo um princípio de isonomia e igualdade se, na prática, até a devolução difusa no processo tarifário pode acabar fazendo com que isso aconteça”, disse Fernando Mosna.
Os diretores ficaram em dúvida se isso seria exequível para as áreas técnicas da Aneel, uma vez que conta com um corpo técnico defasado, além das próprias informações das distribuidoras sobre pagamentos individualizados realizados.
“Confesso que foi muita informação aqui. Eu vinha num entendimento e tive que mudar, não consegui colocar o carro na estrada. Ainda está um pouco confuso no meu entendimento (…) e acho que é uma proposta que pode ter um impacto na própria complexidade de executar esse atendimento”, disse o diretor-geral, Sandoval Feitosa.
O diretor-geral ainda parabenizou a construção trazida para deliberação do colegiado “bastante sofisticada”, mas reiterou suas dúvidas sobre ser factível e possível de ser executada.
Mosna esclareceu que nada que seria operacional ficaria a cargo da agência e as deliberações de revisões tarifárias seguiriam da mesma forma, com a distribuidora fazendo a redução do montante global.
“A distribuidora faria esse ajuste no caso concreto com o consumidor que não faz jus de receber o benefício que é do outro contribuinte”, completou o diretor.