(Com Rodrigo Polito)
A versão final da Medida Provisória (MP) 1.031, que trata da privatização da Eletrobras, apresentada ontem pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), agradou investidores e analistas que apostam que, se mantidas as condições, a operação será bem sucedida. Especialistas do setor de energia, contudo, enxergam com ressalvas certas emendas acatadas pelo relator, principalmente o condicionamento do negócio à contratação de termelétricas regionais e o estabelecimento de uma “reserva de mercado” para pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
A MP deve ser apreciada nessa quarta-feira, 19 de maio, pelo plenário da Câmara. Assim, o Senado terá mais de 30 dias para deliberar sobre o tema, já que a MP perde a eficácia depois de 22 de junho.
“A MP atribui ao legislativo a atividade de planejamento, que tem instituição específica para isso”, disse Luiz Barroso, presidente da PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal responsável pelo planejamento do setor de energia.
O texto aponta a obrigação de contratação na forma de energia de reserva de 1.000 MW em termelétricas em um estado no Nordeste sem ponto de suprimento de gás natural, e outros 5.000 MW repartidos igualmente entre o Norte e o Centro-Oeste, com fator de capacidade de no mínimo 70%, com entrega de 1.000 MW em 2026, 2.000 MW em 2027 e 2.000 MW em 2028.
Os contratos devem ter 15 anos de duração, ao preço máximo equivalente ao preço teto para geração a gás natural do leilão A-6 de 2019, valor que será atualizado pelo mesmo critério de correção do certame. Segundo o relator, a ideia de fazer a contratação de reserva é aproveitar o leilão de reserva de capacidade que está previsto para o fim deste ano, mas que contrataria usinas flexíveis para despacho em horários de déficit de potência.
A MP também determina que os próximos leilões do tipo A-5 e A-6 deverão destinar no mínimo 50% da demanda declarada pelas distribuidoras à contratação de PCHs, até o atingimento dos 2.000 MW. Após a contratação desse volume, o percentual dos leilões A-5 e A-6 seguintes será reduzido a 40%.
Segundo Ana Carla Petti, presidente da MegaWhat Consultoria, a contratação das termelétricas regionais pode ser interessante no movimento de interiorizar o gás natural no país, além de trazer flexibilidade operativa. “A contrapartida é: a que custo? Isso viraria mais encargo para o consumidor?”, questionou a especialista. Outra dúvida é como será, de fato, feita a contratação dessas térmicas, considerando os esforços do governo para aprovação do Projeto de Lei 414, que trata da modernização do setor e traz a separação de lastro e energia.
Para Barroso, os movimentos são contrários à modernização em curso nos setores de energia e gás. A nova lei do gás, por exemplo, definia incentivos para que as transportadoras de gás buscassem investimentos em novos gasodutos por valor econômico e crescimento de mercado. Agora, com a MP, esse investimento será feito em função da localização das termelétricas, embutindo o custo da infraestrutura na tarifa de energia.
Além disso, ao definir a compra compulsória de tecnologias determinadas, a MP “impede o consumidor de ter acesso a fontes mais baratas, podendo resultar em ineficiências e pressionando ainda mais uma tarifa já pressionada”, disse Barroso.
Outro pronto polêmico é a alocação dos recursos da outorga a ser paga pela Eletrobras na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) mas apenas para os consumidores cativos. Segundo o relator da MP, isso foi feito visando a modicidade tarifária e para corrigir um desequilíbrio histórico, no qual o mercado cativo sustentou a contratação da segurança energética enquanto o mercado livre se beneficiou dela.
Isso é visto como um “desincentivo” ao movimento de abertura do mercado livre definido pelo PL 414, da modernização do setor, segundo Ana Carla Petti.
Para Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), a proposta de MP aumenta os custos de energia para os consumidores regulados em 10% “e mais ainda para os consumidores livres, que serão tratados de forma não isonômica na CDE”. O especialista diz que a proposta aponta para o passado do setor elétrico, na contramão das iniciativas que visam incentivo à competição e poder de escolha dos consumidores.
O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), organização que reúne 26 entidades do mercado de energia, criticou a inclusão na MP 1.031 de dispositivos que afetem a livre competição entre agentes e que estabeleçam ações mandatórias sem o necessário respaldo técnico.
“Tais dispositivos distorcem o mercado e trazem efeitos de curto, médio e longo prazo que aumentarão o custo da energia elétrica no Brasil”, afirma o Fase em nota encaminhada aos parlamentares representando as visões de Abdan, Abemi, Abiape, Abrace, Abraceel, Abradee, Abrage, Absolar, Anace e Apine.
A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel) também encaminhou aos deputados ofício enviado ao relator da MP sobre a destinação exclusiva aos consumidores cativos da parcela do bônus de outorga a ser pago pela Eletrobras destinada à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Na visão da entidade, o atendimento à modicidade tarifária deve atender aos dois mercados: cativo e livre.
Nesse sentido, a associação está articulando com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) a inclusão de um destaque para a votação em separado para excluir a destinação exclusiva do bônus da CDE para o ambiente cativo.
A Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), por sua vez, elogiou a inclusão, no texto, de mecanismo que prevê a contratação de 2 GW de hidrelétricas com até 50 megawatts (MW) de capacidade instalada.
“O substitutivo apresenta um importante resgate da dívida histórica que o setor elétrico tem com os pequenos aproveitamentos hidrelétricos, responsáveis pelo início da geração de energia elétrica em nosso país e que foram, de certa forma, abandonados como alternativa de suprimento. Inicialmente substituídos pelas grandes centrais hidrelétricas e, mais recentemente, pelas centrais eólicas e solares”, destacou a Abragel, em nota.
A entidade acrescentou que a medida proporciona maior confiabilidade energética para o país. “Essa medida é fundamental para o setor elétrico brasileiro, tendo em vista os atributos particulares dessa fonte de geração de energia elétrica, que tem enorme potencial a ser explorado, especialmente neste momento em que o país não apenas tem energia cara – gerada por térmicas a combustível líquido – com se avizinha no final do ano a possiblidade real de problemas de suprimento”, completou a associação.
A Abragel destacou ainda que a contratação deverá acontecer por meio de leilões, o que contribuirá para a modicidade tarifária.
Mercado aposta em aprovação
As emendas acatadas pelo relator indicam que o texto tem mais chances de ser aprovado, na opinião de analistas de mercado ouvidos pela MegaWhat. Na manhã desta quarta-feira, as ações preferenciais classe B da companhia sobem 2,66%, a R$ 42,07, enquanto as ordinárias operam com alta de 1,84%, a R$ 41,55.
Para o Itaú BBA, ao deixar de lado itens polêmicos como a interferência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no mercado livre e a transferência de recebíveis bilionários da Eletrobras para uma nova empresa estatal, o texto tornou a privatização mais possível. Os analistas Marcelo Sá, Matheus Saliba e Luiza Candiota reiteraram a recomendação de compra para as ações da estatal, com visão otimista em relação a aprovação da MP e sucesso na operação.
“A versão final da MP exclui itens controversos que poderiam colocar em risco a privatização e limitar os potenciais de ganho. Portanto, a vemos como positiva, já que aumenta as chances de aprovação no Congresso, em nossa visão”, escreveram os analistas Carolina Carneiro e Rafael Nagano, do Credit Suisse.
Os analistas do banco suíço, contudo, enxergam como negativa a contratação de novas termelétricas, o que deve aumentar o GSF e aumentar os preços de energia no mercado regulado.
(Reportagem atualizada às 15h28 em 19/05/2021)