FAQ: A MP da privatização da Eletrobras e as consequências para o setor

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Publicado

25/Jun/2021 14:16 BRT

(Com Natália Bezutti, Camila Maia e Rodrigo Polito)

O Congresso aprovou a Medida Provisória 1.031, que inicialmente tinha a função de possibilitar a capitalização da Eletrobras, mas acabou recebendo outras funções durante sua tramitação, os chamados “jabutis”.

O texto aprovado é polêmico e tem poucos espaços para vetos. Assim, congressistas indicaram que levarão o assunto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao longo da tramitação, assuntos não relacionados à privatização da Eletrobras foram inseridos por meio de emendas, alguns tendo prevalecido até a versão final aprovada pelo Congresso e enviada à Presidência da República.

A MP acabou dividindo o setor, e a MegaWhat procurou entender os assuntos introduzidos na nova lei e seus possíveis desdobramentos.

Confira:

Como será feita a privatização da Eletrobras? 

A desestatização da Eletrobras será executada na modalidade de aumento do capital social, por meio da oferta primária de ações ordinárias com renúncia do direito de subscrição pela União – ou seja, a União não poderá comprar essas novas ações que serão emitidas. Esse é mesmo plano de privatização anunciado em 2017 no governo de Michel Temer, mas foram feitas algumas alterações. 

Como a União não vai participar da operação, terá sua fatia na companhia, hoje de 51,82% das ações ordinárias, vai cair para menos de 50%, configurando a privatização. Considerando também a parcela detida pelo BNDES na companhia, a fatia atual chega a 58,7% do capital social total e 68,63% do capital votante.

Concomitantemente, será realizada a nova outorga das concessões de geração de energia elétrica detidas pela companhia, pelo prazo de 30 anos, contado da data de assinatura dos novos contratos. A Eletrobras vai usar parte dos recursos levantados na oferta secundária, que irão para seu caixa, no pagamento dessas novas outorgas.

Serão renovadas as concessões que estão no regime de cotas, criado pela MP 579, convertida na Lei 12.783/2013, mas desta vez em contratos de produção independente de energia (PIE). A Eletrobras poderá negociar essa energia descontratada em leilões regulados ou no mercado livre de energia. Para a companhia, a troca é vantajosa, já que no regime de cotas ela recebe apenas uma receita para operação e manutenção das usinas, sem registrar lucro.

Também serão renovadas as concessões das hidrelétricas Tucuruí, Mascarenhas de Moraes, Sobradinho e Itumbiara.

O aumento do capital social poderá ser acompanhado de oferta pública secundária de ações de propriedade da União ou de empresa por ela controlada, direta ou indiretamente, como BNDES e BNDESPar. Na oferta secundária, são vendidas ações existentes, o que poderá diminuir mais a participação da União na futura empresa privada.

O BNDES será responsável pela execução e pelo acompanhamento do processo de desestatização e poderá contratar os serviços técnicos especializados necessários ao processo.

O Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI) da Presidência da República poderá estabelecer atribuições ao BNDES e à Eletrobras, necessárias ao processo de desestatização.

Até 1% das ações remanescentes em poder da União, após o aumento de capital, poderá ser adquirido pelos empregados, tanto da empresa como daquelas por ela controladas, direta ou indiretamente, garantido que o valor recebido em razão de sua eventual rescisão de vínculo trabalhista poderá ser convertido em ações.

O que são “jabutis”? 

Os tão falados “jabutis” são os dispositivos adicionados ao texto que não têm relação com a capitalização da Eletrobras, mas sim a medidas estruturantes acrescidas por deputados e senadores e correspondem a melhorias de infraestrutura de energia em seus estados de votação.

Serão contratadas novas termelétricas a gás natural? 

Será realizada a contratação de geração termelétrica movida a gás natural pelo poder concedente, na modalidade de leilão de reserva de capacidade referida, no montante de 1.000 MW na região Nordeste nas regiões metropolitanas que não possuam na sua capital ponto de suprimento de gás; no montante de 2.500 MW na região Norte distribuídos nas capitais dos estados ou região metropolitana onde seja viável a utilização das reservas provadas de gás natural nacional existentes na região Amazônica, garantindo, pelo menos, o suprimento a duas capitais que não possuam ponto de suprimento de gás; no montante de 2.500 MW na região Centro-Oeste nas capitais dos ou região metropolitana que não possuam ponto de suprimento, , para entrega da geração térmica de 1.000 MW no ano de 2026, de 2.000 MW no ano de 2027, e de 3.000 MW no ano de 2028, com período de suprimento de 15 anos; no montante de 2.000 MW na região Sudeste, dos quais 1.250 MW para estados que possuam ponto de suprimento de gás natural e 750 MW para estados na área de influência da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) que não possuam ponto de suprimento de gás natural, para entrega da geração térmica a gás natural de 1.000 MW no ano de 2029, para estados que possuam ponto de suprimento de gás, e de 1.000 MW no ano de 2030, dos quais 250 MW para estados que possuam ponto de suprimento de gás natural e 750 MW para estados na região Sudeste na área de influência da Sudene que não possuam ponto de suprimento de gás natural, com período de suprimento de 15 anos.

No total, serão 8.000 MW em termelétricas a gás natural que devem entrar em operação até 2030, com inflexibilidade de no mínimo 70%.

Qual o tratamento dado às pequenas centrais hidrelétricas (PCHs)? 

Contratação nos leilões A-5 e A-6 de, no mínimo, 50% da demanda declarada das distribuidoras, de centrais hidrelétricas até 50 MW, ao preço máximo equivalente ao teto estabelecido para geração de pequena central hidrelétrica no leilão de energia A-6 de 2019. Esse percentual será mantido até que os leilões negociem 2 GW em PCHs. Depois disso, 40% da demanda dos certames A-5 e A-6 deve ser destinada às PCHs, até 2026.

O que é a prorrogação dos contratos do Proinfa?

O Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) foi criado em 2002 com o objetivo de aumentar a participação das fontes eólica, PCHs/CGHs e biomassa na matriz elétrica brasileira. Inicialmente, o prazo limite para início da operação comercial das usinas habilitadas no programa era até 2006, mas foi prorrogado para 2011, em contratos de 20 anos.

A energia produzida pelas usinas contempladas no Proinfa é adquirida pela Eletrobras, por um preço subsidiado. O custo do programa é pago por todos os consumidores de energia, com exceção daqueles enquadrados como baixa renda. O objetivo, na época da criação do programa, era o de estimular o desenvolvimento dessas fontes de energia para que pudessem alcançar maturidade e competir comercialmente com outras tecnologias no futuro.

Com a MP da Eletrobras, os contratos poderão ser prorrogados por mais 20 anos, com a aquisição da energia assumida pela sociedade de economia mista ou a empresa pública constituída após a capitalização.

Quais os impactos nas contas de energia?

Não há consenso.

No caso das usinas que utilizam o gás natural para geração de energia, representantes da indústria e mercado indicam que o custo para a construção da infraestrutura necessária a essas térmicas, e subsidiada nas tarifas de energia, provocará aumento das contas de energia.

O texto aprovado da MP determina que o preço-teto da contratação desses empreendimentos deverá ser equivalente ao preço-teto para geração a gás natural do leilão A-6 de 2019, de R$ 292/MWh, com atualização desse valor até a data de publicação do edital específico do certame, pelo mesmo critério de correção aplicado em 2019.

Entre os custos adicionais apontados, está o necessário para a construção de gasodutos que levarão o gás natural até as térmicas, já que as regiões apontadas pela medida estão longe das reservas do pré-sal e não possuem a infraestrutura de escoamento necessária até as usinas previstas. Além disso, a MP determina que deve ser dada preferência ao gás produzido no pré-sal, mesmo havendo maior proximidade com o Gasoduto Brasil Bolívia (Gasbol) em regiões no Centro-Oeste, por exemplo.

Os representantes da indústria e mercado explicam que, mesmo com o preço-teto limitando o custo que será repassado aos consumidores por meio da tarifa, se o empreendedor precisar investir também na infraestrutura de escoamento do gás, isso inevitavelmente vai ser embutido no preço da energia, já que, se a termelétrica ficasse em região próxima do litoral, o investimento necessário em gasodutos seria consideravelmente menor, deixando a energia mais competitiva.

Outro ponto relevante é a necessidade de investimento em transmissão para escoar a energia que será gerada nessas termelétricas regionais.

Na região Amazônica, há outros desafios. Se as termelétricas forem construídas próximas das reservas de gás natural ou dos gasodutos existentes, será necessário construir linhas de transmissão para escoar a energia gerada. Se as usinas ficarem próximas das linhas de transmissão, serão necessários investimentos em gasodutos, com desafios adicionais no licenciamento ambiental em todos os cenários.

O governo, por sua vez, alega que a contratação das termelétricas vai reduzir as tarifas em cerca de 1,1%. O cálculo considera que essas usinas vão substituir as termelétricas caras e ineficientes – muitas delas a óleo e carvão - cujas concessões vencem até 2024, e que somam 6,9 GW de potência, com custo de R$ 9,22 bilhões ao ano.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, a adoção do preço teto do leilão A-6 de 2019 corrigido pelos parâmetros associados, tanto ao preço do combustível quanto ao índice de inflação, tem-se uma correção de aproximadamente 26% no preço máximo de contratação das usinas termelétricas, passando de R$ 292,00/MWh para algo próximo a R$ 368,00/MWh.

Assim, a contratação dos 6.000 MW de térmicas, inicialmente previstos, exigiria, no pior cenário de contratação a preço teto, algo como R$ 8,93 bilhões ao ano dos consumidores cativos. O pior cenário ocorre quando não há deságio no leilão, e levaria a um decréscimo de 0,1% nas tarifas dos consumidores residenciais.

Não foram divulgadas simulações com a potência atualizada de 8 GW, mudança que foi introduzida pelo Senado momentos antes do início da votação, em 17 de junho.

Ainda segundo o ministério, caso ocorram deságios o efeito tarifário da substituição seria até melhor para os consumidores cativos. Considerando um deságio de 20%, a redução tarifária seria de 1,1%, e no caso de 35,3%, a redução seria de 1,8%.

Essa questão também é incerta, pois os contratos que vencem nos próximos anos já foram substituídos pelas distribuidoras nos leilões A-5 e A-6 dos últimos anos. Como há crescimento expressivo do mercado livre, o governo aponta que a contratação das distribuidoras não é suficiente para cobrir as necessidades do sistema.

Em relação à contratação das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), as críticas apontam que a mudança configura uma “reserva de mercado”, fugindo de licitações que buscam o menor preço de contratação e privilegiando uma fonte de energia. A oposição alega que tal medida é inconstitucional, o que indica que esse ponto também poderá ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).

No caso da contratação de PCHs e CGHs, o governo estima, no pior cenário de deságio, um impacto tarifário adicional de 0,32% aos consumidores cativos. Por outro lado, se ocorresse deságio semelhante ao visto no Leilão A-6 de 2019, a contratação ocorreria a um preço aproximado de R$ 252,45/MWh, de modo que o impacto tarifário adicional em decorrência dessa medida seria da ordem de 0,085%.

O que o governo diz?

O governo calcula que a MP vai resultar em economia média de 6,34% nas tarifas, mas essa simulação ainda não foi atualizada com as mudanças introduzidas pelo Senado e pela segunda votação na Câmara.

Nessa conta, considera uma redução de 0,3% causada pela descotização da energia da Eletrobras, -1,1% das termelétricas a gás natural, -0,94% em impactos da prorrogação de contratos do Proinfa, -3,6% do fim da amortização da dívida de Itaipu, e -0,6% dos aportes do superávit de Itaipu na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). A contratação das PCHs teria impacto positivo de 0,2%.

A descotização vai ajudar a reduzir as tarifas pois vai encerrar o repasse integral aos consumidores dos efeitos do GSF. Com os novos contratos, caberá à Eletrobras fazer a gestão do risco hidrológico. Para evitar concentração de mercado nas mãos de uma empresa privada, a descotização será feita de forma gradual, com prazo de cinco a dez anos.

O governo vai perder dinheiro com a venda da Eletrobras no modelo aprovado? 

O governo estima que a capitalização proporcione mais de R$ 50 bilhões em recursos para a União e para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), e a destinação para projetos nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste.

O papel da Funai e do Ibama nos licenciamentos ambientais será reduzido?

Segundo o texto aprovado pelo Congresso Nacional caberá à União promover a interligação de sistemas isolados dos estados ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Quanto ao Linhão de Tucuruí o texto prevê que uma vez concluído o Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), traduzido na língua originária e apresentado aos indígenas, fica a União autorizada a iniciar imediatamente as obras do Linhão de Tucuruí para atendimento do interesse da defesa nacional, não sendo necessária a aprovação e licenciamento pelo Ibama ou Funai.

O que muda no papel do ONS?

Não haverá mudança no papel do Operador Nacional do Sistema (ONS), mas haverá alteração na forma com que a sua diretoria é formada, sendo necessária a indicação de três de seus membros pelo poder concedente, incluindo a do diretor-Geral, e dois pelos agentes, dependendo ainda de aprovação do Senado Federal.

Os mandatos desses diretores deverão ser de quatro anos não coincidentes, permitida uma única recondução.

Ao defender a mudança na lei, os senadores lembraram que as indicações de novos diretores para agências reguladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), passam por sabatinas no Senado. O ONS, porém, é uma empresa de direito privado, e deputados e senadores da oposição já indicaram que esse trecho também deve ser questionado no STF.

A Eletrobras é uma empresa lucrativa?

No primeiro trimestre deste ano, a Eletrobras registrou lucro líquido de R$ 1,6 bilhão, com crescimento de 31% em relação a igual período do ano passado. Na mesma comparação, a receita operacional líquida aumentou 8%, para R$ 8,2 bilhões, enquanto o Ebitda (sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) cresceu 11%, totalizando R$ 3,858 bilhões.

A empresa fechou o primeiro trimestre com caixa de R$ 14,7 bilhões. O nível de endividamento, medido pela relação dívida líquida/Ebitda recorrente, recuou de 1,6 para 1,4, alcançando o menor patamar dos últimos anos.

Grande parte do lucro obtido pela Eletrobras nos últimos anos, contudo, foi contábil, sem efeito caixa, devido ao recebimento das indenizações por ativos antigos de transmissão não amortizados e que tiveram as concessões renovadas nos termos da Lei 12.783/2013.

A Eletrobras tem capacidade de investimento?

Em 2020, a Eletrobras investiu R$ 3,122 bilhões. O Plano Diretor de Negócios e Gestão prevê investimentos totais de R$ 41,1 bilhões entre 2021 e 2025, sendo R$ 8,2 bilhões em 2021. A maior parte dos investimentos previstos para este ano, de R$ 2,8 bilhões, será na conclusão da usina nuclear de Angra 3. A companhia afirma que, para manter sua posição no mercado, precisaria investir cerca de R$ 10 bilhões ao ano, muito acima da capacidade da empresa.