Os diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) teceram duras críticas aos empreendedores que buscam outorga de projetos de geração renovável, mas que não terão condições de colocar as usinas em operação. Na reunião ordinária desta terça-feira, 8 de fevereiro, o diretor-geral da Aneel, André Pepitone, estimou que, dos 3.000 projetos renováveis com outorga, apenas cerca de 100 terão condições de gerar energia.
Segundo os diretores da Aneel, esses 3 mil projetos estão em 180 GW em outorgas concedidas à geração eólica e solar fotovoltaica, em meio à “corrida do ouro” dos empreendedores que buscam garantir o desconto pelo uso da rede para fontes incentivadas.
“Temos que atuar para evitar a reserva de uso da rede, que impede que outros projetos com outorga possam entrar”, criticou Pepitone. Isso porque, segundo ele, a grande maioria desses empreendimentos outorgados não vai conseguir entrar em operação comercial, e há outros que seriam viabilizados se houvesse espaço para escoamento da energia na rede de transmissão.
O diretor Efrain Cruz classificou os 180 GW em outorgas como “loucura” no contexto do “afã do desconto do fio”, principalmente porque não se tem garantia de que haverá demanda para essa energia, nem mesmo escoamento na rede.
Cruz lembrou ainda que, a despeito da corrida dos projetos renováveis, a Lei 14.182/2021, que trata da privatização da Eletrobras, trouxe a obrigação legal de contratação de 8 GW em termelétricas e mais 2 GW em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) nos próximos anos, energia que também vai exigir investimentos em transmissão.
Alteração de cronograma
A discussão veio à tona durante a votação de um pedido de alteração de cronograma de implantação de dois projetos solares fotovoltaicos de titularidade da empresa Quinturaré Energia, localizados em Pernambuco. Inicialmente, os parques Dourado 1 a 10, com 400 MW de potência, e Surubim 1 a 15, com 600 MW, entrariam em operação em 1º de janeiro deste ano.
A Quinturaré Energia propôs que o prazo de início da operação comercial fosse transferido para 31 de dezembro deste ano, e as áreas técnicas da Aneel recomendaram o indeferimento da mudança, por não estar caracterizada a excludente de responsabilidade. Em novembro, contudo, a companhia informou ter vendido o projeto para a empresa italiana Ludoil.
Diante da mudança de controlador, o diretor Helvio Guerra, relator do processo, pediu que as empresas apresentassem elementos que comprovassem o compromisso firme da Ludoil na implantação das usinas, assim como o aporte de cerca de R$ 200 milhões em garantia de fiel cumprimento. A Ludoil terá 120 dias a partir de hoje para aportar os recursos, que representam 5% do investimento estimado nos projetos, para que o novo cronograma seja válido.
Além disso, a nova dona dos projetos terá que pagar os encargos de uso dos sistemas de transmissão (Eust) da sua vigência até a data de início de operação comercial do novo cronograma, prevista para 1º de outubro de 2024. Esses encargos são somar R$ 150 milhões.
Segundo o diretor Hélvio Guerra, a aprovação da alteração do cronograma foi possível por causa da mudança de controlador dos ativos, e também porque os empreendimentos já tinham assinado o Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (Cust) e obtido as licenças ambientais necessárias.
Os diretores discutiram ainda dar uma orientação procedimental às áreas técnicas para que só considerem pedidos de alteração de cronograma de projetos que tenham Cust assinada e licenças ambientais. “Em função do cenário que vivemos, só assim conseguiremos trazer razoabilidade”, disse Pepitone.
“Estamos passando por um momento atípico, o mercado está criando isso de forma desnecessária. O regulador tem que reagir com uma regulação forte”, disse Efrain, que completou que, com uma regulação “flexível”, o mercado não reagiu bem à “liberdade” dada.
A fiscalização da Aneel é outro ponto importante para ajudar a resolver a situação. Segundo Pepitone, a área está em uma campanha , e é necessário reforçar a mensagem. “Se não começou a obra, revoga a outorga. Não podemos é ficar convivendo com esse tipo de situação sem tomar providências, precisamos ordenar o mercado”, disse o diretor-geral.