Veto em lei do RJ ameaça competitividade de térmicas a gás do pré-sal nos leilões de energia

Rodrigo Polito

Autor

Rodrigo Polito

Publicado

22/Mar/2021 13:01 BRT

Um detalhe na Lei 9.214/2021, sancionada na última semana pelo governador em exercício do Rio, Claudio Castro, e que prevê tratamento tributário especial para térmicas a gás natural no estado, coloca em risco a competitividade de usinas planejadas para operar com gás proveniente do pré-sal produzido no estado do Rio. Por uma questão técnica, foi vetado um artigo que contemplava um benefício para projetos que consumam gás extraído de campos fluminenses.

O governo do Rio, a Assembleia Legislativa do estado (Alerj) e os empreendedores correm agora contra o tempo para solucionar o impasse a tempo dos leilões A-4 e A-5, marcados para junho e voltados para a contratação de térmicas. Além desses certames, estão previstas outras duas oportunidades para negociação de projetos térmicos este ano: o leilão de energia nova A-5/A-6 e o leilão de contratação de capacidade, em estudo pelo governo.

Para o leilão A-4 de junho, estão inscritos 70 projetos termelétricos, dos quais 25 no Sudeste. Com relação ao leilão A-5, dos 79 empreendimentos inscritos, 37 estão situados no Sudeste. Responsável pelo cadastramento, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), não abre os números por estado. Da mesma forma, não é possível saber quantos projetos no Rio de Janeiros estão previstos para operar com gás natural produzido nos campos fluminenses.

Lei 9.214/2021

Na prática, a lei 9.214/2021, prevê dois benefícios: o diferimento de ICMS na importação e aquisição interna ou interestadual de máquinas e equipamentos para as usinas; e a isenção de imposto nas operações de importação de gás natural liquefeito (GNL) a ser utilizado pelas usinas, desde que importado e desembaraçado pelos portos fluminenses. Os dois benefícios são semelhantes a medidas de incentivo fiscal adotadas por outros estados da federação.

A intenção era a mesma para o artigo terceiro da lei, que previa o diferimento do imposto nas aquisições internas de gás natural a ser consumido pelas termelétricas. O problema, segundo o governo do Rio, é que a redação do artigo abrange um benefício superior ao previsto em lei semelhante do estado de São Paulo.

“Acreditamos que a redação oferecia um risco muito grande que poderia colocar uma fragilidade no projeto [de lei] como um todo e levar insegurança jurídica, ao contrário do que nós desejávamos”, afirmou o secretário de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações do governo do Rio de Janeiro, Leonardo Soares, à MegaWhat.

“Ele [o artigo] tinha por objetivo dar um diferimento, que não era um diferimento. Era uma isenção [...] E não era claro ao determinar o estorno dos créditos de ICMS consequentes. Aquilo ali poderia significar que o estado estaria financiando o ICMS, na medida em que não receberia o débito e ainda tinha que entregar o crédito. Era um risco real. Isso não ficaria de pé”, explicou ele.

Segurança Jurídica

Segundo Soares, o governo já está mantendo conversas com a Alerj para redigir uma nova norma que solucione esta questão. “Estamos em um grupo junto com Fazenda, Procuradoria e Casa Civil e também a assessoria da presidência da Assembleia Legislativa, conversando para chegar a um denominador de consenso que ofereça a segurança jurídica a todo o complexo”, afirmou.

Segundo Jayme Freitas, sócio da área de Tributário do escritório Lefosse Advogados, a importância de solucionar esse ponto a tempo do leilão é dar mais segurança jurídica para os participantes do certame. “A lei, estando em vigor, dá uma segurança para que a empresa possa participar do leilão e considerar isso na modelagem econômica”, afirmou.

O especialista destacou também que o caso é mais delicado pois o estado do Rio está sob o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). As medidas adotadas pelo estado, porém, são acompanhadas por um conselho de supervisão fiscal.

Soares destacou também que, apesar de o RRF não permitir a concessão de novos benefícios, ele abre exceção para casos em que outras unidades da federação tenham concedido benefícios que possam afetar a competitividade do estado. Nesse caso, é possível adotar a mesma medida fiscal. “Isso é o que trazia um pouco de insegurança jurídica para a questão do artigo vetado”, completou o secretário.

Na mesma linha, André Edelstein, sócio do Edelstein Advogados, escritório especializado em regulação e tributação de energia, destaca que o artigo 3º da lei 9.214/2021 deveria ser espelhado no benefício fiscal concedido pelo estado de São Paulo. Segundo ele, porém, a redação do artigo que acabou vetado extrapolava os limites da norma paulista adotada como paradigma.

Competitividade

Segundo Bruno Neurbarth, sócio-fundador da Mercurio Partners, consultoria de negócios no setor de energia, com a promulgação da lei, é esperada uma maior competitividade das térmicas do Rio de Janeiro nos leilões deste ano. Ele lembra que o custo de implantação da usina fica mais baixo, considerando que todo o investimento em ativo imobilizado está livre do ICMS, acarretando em um grande efeito caixa para o projeto.

O executivo, porém, lembra que outros estados possuem leis semelhantes. “Esse tipo de legislação é bastante comum. Estados como Bahia, Pernambuco e Pará têm legislações semelhantes, mas com alíquotas finais diferentes. Destaca-se que esse tipo de benefício outorgado sem a aprovação do Confaz tem prazo de validade até o ano de 2032, nos termos da Lei complementar 160 e desde que tenham sido objeto de reinstituição pelos estados”, completou.

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, concorda que as usinas instaladas no Rio de Janeiro ganharão competitividade nos leilões deste ano. Segundo ele, é comum estados adotarem medidas do tipo, inclusive em outros setores, com o intuito de atrair investimentos.

Demanda

Alexandre Americano, também sócio-fundador da Mercurio Partners, no entanto, chama atenção para outro ponto. A demanda dos leilões de energia deste ano pode não ser tão expressiva, devido à queda do mercado das distribuidoras, oriunda dos impactos da crise econômica provocada pela pandemia de covid-19, à migração de consumidores para o mercado livre e ao crescimento da geração distribuída. “Dificilmente vai se conseguir uma demanda alta [nos leilões]”, completou ele.