Os pequenos reatores nucleares, que podem ser produzidos em módulos e depois transferidos ao local de interesse, podem ser uma alternativa para minimizar o custo de investimentos em geração nuclear no Brasil, de acordo com Thiago Barral, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
“Olhamos com interesse os pequenos reatores modulares porque eles reduzem o risco dos projetos. Ao invés de ganhar escala no projeto, você ganha escala no mercado, que é maior e tem uma concepção mais padronizada e industrial”, disse Barral, ao participar de um debate promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) sobre o futuro da energia nuclear nesta terça-feira, 15 de março.
Segundo o presidente da empresa de planejamento do governo, como é de menor porte e pode ser alocado por módulos, esse tipo de reator pode atender os requisitos do sistema de maior flexibilidade na operação. No momento, a tecnologia ainda está sendo estudada, pois há diferentes conceitos em desenvolvimento pelo mundo, com reatores de 10 MW a até 300 MW. “Alguns pequenos reatores serão aplicados para sistemas isolados, outros estarão no centro de carga, há uma diversidade grande de aplicações”, disse Barral, completando que essa “versatilidade” incentiva mais modelos de negócio e mais dinamismo ao planejamento.
A discussão sobre uso da energia nuclear voltou a ganhar força em todo o mundo no contexto dos ataques da Rússia à Ucrânia, cujas consequências – sanções comerciais e financeiras de vários países ocidentais contra a economia russa – revelaram a grande dependência da Europa do gás e do petróleo russo. A Alemanha, que tomou na década passada a decisão de encerrar as unidades de geração nuclear, é a mais afetada pela situação, já que metade do gás utilizado no país vem da Rússia.
“A busca por independência energética dos países europeus tende a estimular projetos de rápida construção, para evitar o gás russo, principalmente”, afirmou Celso Dall’Orto, consultor da PSR. As fontes de geração renovável atendem esse objetivo no curto prazo, mas as nucleares devem ter seu espaço, na visão do especialista. “Até essa busca por pesquisa e desenvolvimento da tecnologia tende a ser retomada”, afirmou.
A transição energética também reforça o uso da nuclear no longo prazo, segundo os especialistas, por ser uma fonte limpa em termos de emissão de gases poluentes, o que já foi reconhecido recentemente inclusive pela União Europeia. “Toda a discussão da redução das emissões passa pela discussão da nuclear”, disse Dall’Orto.
No Brasil, o planejamento de longo prazo considera a energia nuclear como uma fonte interessante para ser combinada com as renováveis. “O país não pode abrir mão dessa tecnologia, e acho que há uma série de ações em curso para garantir que a viabilização da nuclear seja ao menor custo possível e integrada às demais fontes que compõem o eixo da nossa matriz energética”, disse Barral.
Custo elevado
Um problema para o desenvolvimento desses projetos, ao menos no curto prazo, é o custo elevado de implantação, apontou Leonam Guimarães, presidente da Eletronuclear. “O bicho nuclear tem dificuldade de sobreviver no ecossistema de juros elevados. Um dos problemas que a indústria nuclear enfrentou, no fim dos anos 70 e início dos 80, foi o aumento dos juros nos Estados Unidos”, lembrou.
Esse foi um dos motivos do insucesso do programa nuclear brasileiro naquela época, diante do aumento da dívida externa do Brasil e o ambiente internacional de juros muito elevados.
“Um ambiente de juros alto tira de forma expressiva a competitividade econômico-financeira do empreendimento. Não acredito que isso mude significativamente quando a gente fala em pequenos reatores. Melhora, mas continua perdendo no aspecto de competitividade para as renováveis como eólica e painéis solares, que têm custo inicial bem baixo, apesar de terem o inconveniente da insegurança que introduzem”, disse Guimarães. Segundo ele, o custo da segurança energética trazido pela nuclear deve ser considerado.
O programa nuclear brasileiro tem outro problema, segundo o presidente da Eletronuclear, que é ter regras pouco claras a respeito do monopólio do Estado, que dificultam a entrada de novos investidores. “É sempre bom lembrar a história. A Constituição de 1988, que trouxe os artigos sobre a nuclear, foi feita logo depois dos acidentes de Chernobyl e Goiânia, então os Constituintes foram muito influenciados por esses fatores, que geraram uma série de restrições na temática da energia nuclear”, disse Guimarães.
“Precisamos revisitar e deixar as regras claras para saber, tanto do ponto de vista regulatório quanto legal, se podemos aumentar a participação privada”, defendeu Dall’Orto.
Retomada de Angra 3
Segundo Barral, a energia nuclear representa cerca de 2,5% da geração de energia elétrica no Brasil atualmente, por meio das usinas Angra 1 e 2. Com a conclusão de Angra 3, o percentual pode ser alterado, mas o crescimento da matriz por outras fontes tem reduzido o peso da nuclear.
A despeito das críticas sobre o preço elevado da energia de Angra 3, Leonam Guimarães apontou que a retomada das obras da usina é uma realidade que não cabe mais ser discutida.
Para o executivo, a comparação do preço da energia da nuclear com outras fontes não é totalmente apropriada, já que no Brasil, por haver um sistema interligado, o que importa é o custo do sistema como um todo.
No caso de Angra 3, a Eletronuclear tem feito simulações do custo total de operação do sistema, considerando cenários em que a usina estivesse em operação. “Todos os anos, o efeito Angra 3 é positivo no custo do sistema, ou seja, reduz o custo total”, disse Guimarães. Isso porque a entrada da usina desloca usinas termelétricas mais caras ou mesmo a importação de energia, com efeito positivo para o consumidor.
“A alternativa, que seria abandonar o empreendimento, teria custo quase que igual que a conclusão da usina, e o custo de forma alguma recairia sobre o contribuinte ou o consumidor sem trazer perda. Por outro lado, o custo da conclusão vai retornar ao consumidor e ao contribuinte ao longo dos 60 anos de vida da usina”, disse.