A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou nesta terça-feira, 22 de agosto, a homologação e adjudicação do leilão de transmissão realizado em 30 de junho, ao mesmo tempo em que confirmou a não habilitação do Consórcio Gênesis, que tinha vencido os lotes 1 e 8, e recomendou que a Procuradoria-Geral e a Corregedoria-Geral junto à Aneel analisem os documentos entregues pela empresa em busca de eventuais ilícitos, que serão encaminhados às autoridades, se encontrados.
Foi ainda determinado que a Comissão Especial de Licitação (CEL) proceda com a convocação dos segundos colocados dos lotes em questão (ISA Cteep no 1 e Rialma no 8), para que sua habilitação seja realizada a tempo da assinatura dos contratos de concessão, prevista pelo calendário do edital para acontecer no fim de setembro.
Todos os diretores concordaram com o voto do diretor Fernando Mosna, relator do processo, recomendando que o recurso apresentado pelo Gênesis para manter sua vitória no leilão fosse rejeitado.
Houve um debate sobre qual caminho seguir para que os possíveis atos ilícitos nas esferas criminal, civil e administrativa pudessem ser apurados, já que os documentos apresentados pela empresa tinham muitas inconsistências.
O diretor Hélvio Guerra destacou que, ao recomendar a apuração dos eventuais ilícitos, a decisão da diretoria teria também um “caráter pedagógico”, a fim de evitar que outros proponentes procedam da mesma forma nos futuros leilões de transmissão.
Depois dessa discussão, os diretores concordaram em incluir um quarto item no voto de Mosna, determinando a avaliação dos possíveis atos ilícitos pelos órgãos competentes.
Os diretores também foram enfáticos na defesa do sistema de leilões com habilitação técnica dos vencedores feita depois dos certames. “Neste leilão, tivemos 91 empresas inscritas. Teríamos que avaliar a documentação de 91 empresas, quando só tivemos que analisar nove”, disse Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel, se referindo aos vencedores de cada um dos nove lotes ofertados.
Gênesis e a luz
O Consórcio Gênesis foi a grande surpresa do leilão de transmissão de 30 de junho, ao arrematar dois lotes, envolvendo investimentos da ordem de R$ 3,4 bilhões, com os deságios mais expressivos do dia. Na mesma data, o consórcio levantou dúvidas no mercado, já que seu representante no dia do certame, Denis Rildon, não conseguiu explicar como a empresa teria capacidade de fazer frente aos investimentos, e se recusou a dar mais informações sobre sua organização.
No dia do leilão, Rildon disse que não iria revelar de onde viria o capital a ser investido, mas afirmou que isso foi resolvido antes da participação no leilão. “Temos representantes em alguns países e inclusive fechamos o acordo na última feira que aconteceu há pouco tempo, onde decidimos pelo valor financeiro, em Indianápolis, nos Estados Unidos”, contou.
Rildon não disse onde é a sede da empresa, mas afirmou que há escritórios em São Paulo e nas regiões Nordeste e Norte do país.
Sobre a origem da empresa, Rildon citou passagens bíblicas, mas deu poucos detalhes sobre a sua composição acionária e a atividade do grupo. “Gênesis vem da passagem bíblica, de Deus que criou todas as coisas. No princípio, não existia nada, então Deus criou a luz e achou boa a luz”, disse.
Habilitação negada
Em 4 de agosto, a Comissão Especial de Licitação (CEL) da Aneel comunicou a não habilitação da proponente, por diversos problemas na sua documentação, incluindo a falta de comprovação de capacidade financeira e o uso do logotipo de outra empresa, chamada The Best Transportes, localizada em Itaqui, no Rio Grande do Sul.
A Gênesis recorreu no âmbito administrativo da decisão da CEL, alegando que “houve excesso de formalismo na análise dos documentos de habilitação”.
O consórcio entrou com o recurso no último dia disponível do prazo recursal, em 9 de agosto, e foi analisado rapidamente pela CEL e pela Procuradoria-Geral junto à Aneel, que emitiram nota técnica e parecer mantendo a decisão anterior. Essas recomendações foram acatadas pelo diretor Fernando Mosna em seu voto.
Segundo a nota técnica, “permanecem insuficientes as informações apresentadas para inabilitação jurídica; as inconsistências para a sua habilitação técnica foram superadas; permanecem não atendidas as exigências de esclarecimento das informações apresentadas para sua habilitação econômica e financeira, e restam pendentes de comprovação parte das inconsistências questionadas relativas aos documentos apresentados sobre a sua regularidade fiscal”.
Para o consórcio, o desenquadramento de microempresa, após o prazo previsto no edital para apresentação dos documentos de habilitação, não configuraria alteração substancial, fato que foi rechaçado pela comissão de licitação: “A alegação de não ter em momento algum auferido vantagem em decorrência de seu enquadramento como microempresa não contribui para minimizar a relevância da irregularidade apontada, especialmente quanto à documentação jurídica da empresa frente aos compromissos advindos do certame”.
O entendimento foi que não estão em jogo os contratos anteriormente firmados e sim a celebração futura de um contrato de concessão de serviço público de longo prazo, para o qual se faz necessária a criteriosa qualificação dos licitantes que se tornarão futuros concessionários.
A empresa ainda alegou que caberia à Comissão “apenas observar os números” dos documentos apresentados, que comprovariam “de forma inequívoca a plena e legítima liquidez financeira e econômica das empresas The Best e Entec”, que fazem parte do consórcio.
Reputação da Aneel
A vitória do Consórcio Gênesis foi apontada pelos diretores da Aneel como um assunto usado, de forma equivocada, para questionar a eficiência do sistema de leilões. “O sucesso do leilão tinha sido questionado pelo fato de a empresa ter participado, indicando que a Aneel de alguma forma precisaria rever os processos de trabalho”, disse Feitosa. Segundo ele, isso não é verdade, já que as regras do edital permitiram a não habilitação do proponente e os contratos de concessão devem ser assinados dentro do prazo.
“Situações como essa atentam como uma crise de imagem do setor, parece que qualquer um pode participar de leilões. Não é assim, o setor de transmissão é complexo e precisa de participantes com capacidade técnica”, disse Feitosa.
O diretor Ricardo Tili sugeriu, então, que os próximos editais de leilões de transmissão acrescentem alguns mecanismos de segurança, como a exigência de balanços auditados pelas proponentes. O secretário-adjunto da CEL, Renato Guedes, informou que isso está sendo discutido com a diretora Agnes da Costa para o edital do leilão de março. O assunto deve ser objeto de uma consulta pública a ser aberta na próxima semana, para que a sugestão seja discutida com a sociedade.
“Estamos discutindo isso com a relatora e a procuradoria, assim como a melhora da qualificação técnica da empresa ou da empreiteira, aumentando a exigência de experiência na construção de empreendimentos de porte similar”, disse Guedes.