A estatal equatoriana Petroecuador terá que descomissionar as operações do bloco 43-ITT, localizado no Parque Nacional Yasuni, após cerca de 60% dos equatorianos terem votado contra a exploração de petróleo na região em consulta ocorrida no último domingo, 20 de agosto.
A consulta nacional sobre o Bloco 43-ITT foi promovida pelo coletivo ambiental Yasunidos, que reuniu 757 mil assinaturas e travou uma batalha jurídica de dez anos com os órgãos eleitorais do Equador. Com o resultado, a Petroecuador terá um ano para descomissionar suas atividades na região, iniciado a partir de 4 de outubro de 2023.
O Bloco 43-ITT produz 55 mil barris de petróleo bruto por dia, o equivalente a cerca de 11% da produção nacional de petróleo do Equador. Isso deu ao Estado, de acordo com o governo, lucros no valor de US$ 1,2 bilhão, embora os ambientalistas acreditem que a renda seja muito menor e possa ser compensada por um imposto sobre a riqueza.
O Parque Yasuní é uma área natural protegida com rica biodiversidade e já declarada reserva mundial da biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o movimento no Equador deve inspirar os debates brasileiros sobre exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
“Temos de comemorar o resultado da consulta pública no Equador. Os conflitos sobre a continuidade ou não da exploração de petróleo no Parque Yasuní são muito parecidos com os que ocorrem hoje no Brasil na Foz do Amazonas e em outras bacias sedimentares da Margem Equatorial. Em um mundo atingido pela crise climática e por eventos extremos sucessivos, tenta-se impor uma ideia equivocada e anacrônica de que a produção de petróleo resolve problemas sociais. Não resolve” diz Araújo.
Exploração de petróleo na Amazônia brasileira
De fato, os eventos no Equador têm relações com o impasse envolvendo a atividade petrolífera na Foz do Amazonas, no Brasil. Mas há algumas diferenças – a principal delas é que o bloco 43-ITT é onshore, dentro da reserva ambiental. No Brasil, o bloco FZA-M-59 está offshore, a 175 quilômetros da costa do Amapá e a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas, segundo a Petrobras, que é a atial operadora do ativo.
Como semelhanças, nem o 43-ITT nem o FZA-M-59 são pioneiros em produzir petróleo na Amazônia. No Equador, há outros sete blocos dentro do mesmo parque Yasuní. No Brasil, a própria Petrobras explora os campos de Urucu desde 1986. O polo é considerado a maior reserva provada terrestre de petróleo e gás natural do Brasil.
Nem mesmo na bacia brasileira da Foz do Amazonas o movimento de sondas seria novo. Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que 95 poços já foram perfurados na região – 89 deles nas décadas de 1970 e 1980, quatro em 2001, um em 2004 e um em 2011.
Atualmente, o impasse se dá em torno do bloco FZA-M-59. Ele foi ofertado na 11ª Rodada de Licitações da ANP, em 2013. Na época, foi arrematado pela BP, que detinha 70% da operação, em parceria com a Petrobras, que respondia pelos outros 30%. A BP saiu do negócio em 2020, já em meio a dificuldades para licenciamento ambiental, e a Petrobras assumiu a operação.
O licenciamento ambiental estava em andamento desde 2014 – inicialmente sob a gestão da BP e, a partir de 2020, pela Petrobras. Em 2022, novas exigências foram solicitadas pelo Ibama – todas foram atendidas pela Petrobras, segundo a companhia, e não constava a exigência da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS).
Por isso, a Petrobras caracteriza como surpresa o indeferimento do pedido de licenciamento pelo Ibama, em maio de 2023. O órgão ambiental apontou como causas para a negativa o impacto das aeronaves sobre as comunidades indígenas, a ausência da AAAS e o tempo de resposta a atendimento da fauna, em caso de acidentes.
A Petrobras alega que utilizará um aeroporto já existente e homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), com capacidade para até 200 mil passageiros por ano. A empresa também alterou a rota de helicópteros, que agora passam a 13 quilômetros das aldeias indígenas de Oiapoque – a empresa até levou um representante do Conselho de Caciques do Oiapoque a uma Audiência Pública para atestar que as questões com os ruídos foram resolvidas. O Ibama também emitiu despacho avaliando que não há impacto direto na atividade de perfuração do poço FZA-M-59 nas aldeias indígenas Oiapoque. O plano de atendimento à fauna da empresa foi considerado como “robusto” pelo Ibama, em fevereiro de 2023.
O maior impasse está na AAAS, que não era exigência na época da oferta do poço e passou a ser exigida pelo Ibama na última negativa, em maio de 2023. Fontes na Petrobras informam que uma AAAS é uma avaliação complexa, que pode levar anos até ser concluída e que não há no Brasil nenhuma avaliação deste tipo que tenha sido aprovada. Quando as áreas foram licitadas, havia um entendimento de que o parecer de outros órgãos competentes poderia substituir a AAAS.
Diante da negativa do Ibama em 17 de maio deste ano, a Petrobras fez um pedido de reconsideração no dia 25 de maio. Em julho, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, solicitou à Advocacia Geral da União (AGU) um parecer sobre a questão, e a resposta veio nesta terça-feira, 23 de agosto.
O órgão entendeu que a AAAS não é necessária nem pode ser obstáculo para a obtenção do licenciamento ambiental para atividades de exploração e produção de petróleo no Brasil. Na prática, o parecer da AGU se mostra favorável ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à Petrobras.
Apesar de aumentar a pressão sobre o Ibama, o parecer da AGU não tem força para liberar o licenciamento. Esta prerrogativa é exclusiva do órgão ambiental, que pode novamente negar o pedido. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, já declarou várias vezes que as decisões do Ibama são técnicas e não políticas. Ela voltou a defender o caráter técnico nesta quarta-feira, 24 de agosto, após divulgação do parecer da AGU.
Além da Petrobras e do ministro do MME Alexandre Silveira, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deu declarações favoráveis à exploração de petróleo na região. Nesta quarta-feira, 23 de agosto, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) também divulgou posicionamento reiterando o parecer da AGU.
Por outro lado, o Ibama conta com respaldo de organizações ambientais como o Greenpeace Brasil. Na última segunda-feira, o Ministério Público Federal do Amapá (MPF – AP) se posicionou alinhado ao Ibama ao apontar os riscos ambientais das atividades na região e mencionou a ausência da AAAS para avaliação dos impactos. Na decisão, o MPF – AP determinou prazo de dez dias úteis para que o Ibama se posicionasse sobre o pedido de reconsideração da Petrobras.
A exploração na Foz do Amazonas é considerada muito importante pela Petrobras e demais agentes da indústria porque as atuais reservas de petróleo brasileiras devem começar a entrar em declínio a partir da próxima década. Para manter a produtividade, é necessário buscar novas fronteiras exploratórias. E a região da Foz do Amazonas é entendida como um grande potencial por conta do sucesso das atividades na Guiana, em uma área muito próxima e com características geológicas bastante parecidas com as da Foz do Amazonas brasileira. Lá, foram encontradas grandes reservas de óleo e gás, com estimativa de 1 bilhão de barris. As características geológicas da Foz do Amazonas brasileira são muito parecidas também com as de Gana, na África, onde também foram encontradas grandes reservas de óleo e gás.