Além do recente aumento dos preços nos contratos de fornecimento de gás natural da Petrobras para as distribuidoras, a lentidão do programa de venda de ativos da estatal no setor e a ausência de um tratamento tributário na Nova Lei do Gás podem fazer com que o “choque de energia barata” almejado pelo governo demore mais tempo que o esperado para ser alcançado e retardar investimentos de R$ 74 bilhões em dez anos previstos pelo Planalto.
Em agosto, a Petrobras aplicará reajuste de 7% sobre os preços do gás natural fornecido para as distribuidoras. O aumento decorre da aplicação das fórmulas negociadas nos contratos de suprimento, que vinculam o preço da molécula à cotação do petróleo e à taxa de câmbio.
De acordo com levantamento feito pela Comerc Gás, empresa especializada na gestão de consumo de gás natural, com o novo reajuste do contrato, o preço médio do produto fornecido pela Petrobras às distribuidoras (considerando a molécula e o transporte) será de R$ 1,97 por m³. O valor supera em quase 40% o preço médio de R$ 1,41 por m³ de gás, em fevereiro do ano passado – antes da declaração da pandemia de covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Este será o segundo reajuste trimestral da Petrobras após o presidente Jair Bolsonaro ter sancionado em abril a Nova Lei do Gás, cujo principal objetivo é o de reduzir o custo do energético e aumentar a competitividade da indústria brasileira. Apesar de a elevação do preço do gás hoje não ter relação com a legislação, o efeito final para o consumidor está longe de ser o desejado pelo governo.
Novo Mercado do Gás
A Nova Lei do Gás é um dos pilares do “Novo Mercado do Gás”, iniciativa do governo federal que busca reduzir o custo do energético tornando a indústria brasileira mais competitiva globalmente. O programa foi originalmente proposto pelo governo Temer, com o nome de “Gás para Crescer”, e encampado posteriormente por Bolsonaro.
Apesar do apoio da indústria à aprovação do novo marco legal, um dos problemas da nova legislação foi o de não dar um tratamento tributário adequado para a comercialização do gás natural, segundo Tiago Severini, sócio da área Tributária do escritório Vieira Rezende Advogados.
O problema fiscal do mercado do gás é que, em cada etapa de movimentação do produto, incide o ICMS, um imposto estadual. Por mais que seja gerado um crédito do ICMS, na grande maioria dos casos, as empresas realizam operações interestaduais, inclusive com alíquotas de ICMS diferentes em cada estado.
Com isso, na prática, as empresas perdem o crédito do ICMS. E esse efeito acaba se transformando em um custo, incluído no preço final do gás natural fornecido ao consumidor. Segundo Severini, o impacto do custo varia conforme a origem do gás (importado ou nacional) e depende do estado onde o produto ingressa no país (no caso de importação) ou é processado (no caso do gás nacional) e o estado em que está o consumidor. O impacto, no melhor cenário, é de cerca de 10%, mas pode superar 30%.
Severini lembra que esse problema foi discutido na época do programa Gás para Crescer. Mas o projeto da Nova Lei do Gás encaminhado ao Congresso foi o de uma lei ordinária, e não complementar. Dessa forma, não foi possível eliminar o gargalo tributário.
Uma nova oportunidade para solucionar o impasse seria na tramitação da reforma tributária, em discussão no Congresso. Até o momento, porém, não há indicação de que o tema será incluído na reforma.
Desinvestimentos
Outro pilar do Novo Mercado do Gás é o plano de desinvestimentos da Petrobras na área de gás natural. A expectativa é que, com a venda de ativos da estatal, outras empresas aumentem a respectiva participação no mercado de gás, ampliando a concorrência e, consequentemente, resultando em preços mais baixos para os consumidores.
Pela segunda vez, porém, a estatal não realizou a alienação da sua participação indireta em distribuidoras de gás natural dentro do prazo estabelecido em acordo assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Pelo último aditivo ao termo de compromisso de cessação (TCC) firmado com o órgão antitruste, a Petrobras havia se comprometido a assinar até 30 de junho os acordos de venda de sua participação indireta nas distribuidoras de gás, por meio da alienação de suas ações na Gaspetro ou se desfazendo da participação da subsidiária nessas companhias.
Outro projeto de desinvestimento da Petrobras na área de gás corre o risco de não se viabilizar. Após o encerramento da licitação de arrendamento do terminal de regaseificação de gás natural liquefeito da Bahia no ano passado, sem um negócio fechado, a estatal reabriu a concorrência este ano. O processo, no entanto, caminha para um novo desfecho sem contrato.
Após ter tido sua proposta desclassificada, a Excelerate Energy, única empresa a ter feito oferta na licitação, recorreu da decisão da Petrobras. Uma reunião havia sido marcada para esta semana com o objetivo de esclarecer a proposta da empresa e complementar a integração do processo licitatório.
(foto: Agência Petrobras)