Transporte de gás natural

‘Análise da ANP é fraca e omissa’, diz Abegás sobre classificação de dutos; outras associações defendem ANP

Gasoduto Subida da Serra
Gasoduto Subida da Serra | Foto: Sima-SP

A Associação Brasileira de Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF), com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei do Gás, de 2021 (Lei nº 14.134/2021), em relação à competência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de estabelecer os critérios sobre definição das características de gasoduto de transporte.

A medida vem após a publicação da minuta de resolução sobre diretrizes, procedimentos e características técnicas de diâmetro, pressão e extensão para classificação de gasodutos de transporte.

Segundo a Abegás, os parâmetros adotados pela ANP possibilitariam a reclassificação de 935 quilômetros da rede de distribuição para a rede de transporte, causando transferência de ativos imediata de cerca de R$ 5 bilhões e de, aproximadamente, R$ 37 bilhões ao longo da concessão. “Só isso já seria suficiente para barrar esse processo”, diz o presidente executivo da Abegás, Marcelo Mendonça.

Em sua avaliação, não houve diálogo prévio da ANP com o setor na elaboração da minuta, contrariando preceitos da própria lei do gás. Além disso, Mendonça alega que a análise de impacto regulatório (AIR) que a ANP fez no processo desta minuta foi falha.

“Ela diz que não analisou os demais elos da cadeia e não reconheceu os impactos, porque demandaria muito tempo e demandaria muitos custos você avaliar os outros elos. A análise de impacto regulatório é feita para isso. Se você não analisou, você não tem uma análise de impacto regulatório. Existe um vício de formação”, indica.

Na mesma medida, Mendonça diz que não há uma avaliação sobre os ressarcimentos às distribuidoras em relação à eventual reclassificação de dutos, caso os critérios propostos pela ANP na minuta sejam adotados. “A análise é muito fraca e omissa”, diz.

Para ele, o apoio de outros entes do setor à atuação da ANP ocorre justamente pela ausência de uma análise de impacto adequada. “Se ela [ANP] coloca e evidencia quais as consequências para o mercado, o pessoal não se posicionaria dessa maneira, mas não foi feito conta. Nós fizemos, nós avaliamos quais são as consequências. Agora, ninguém avaliou. Se isso tivesse feito com mais critério, ninguém estaria se posicionando dessa forma”, acredita.

Invasão de competência estadual e de atribuições técnicas

A Abegás também avalia ter havido invasão de competência da esfera federal sobre a estadual, e defende que critérios técnicos dos gasodutos não podem ser estabelecidos por resoluções da ANP.

“Não existe separação técnica para separar o que é um gasoduto de transporte ou distribuição. O que dá característica técnica é a engenharia. A partir do momento que uma agência reguladora tenta estipular isso e separar, você acaba colocando em risco a segurança de abastecimento”, diz Mendonça.

Ele reconhece que a ANP tem competência para legislar sobre a rede de transporte, mas avalia haver invasão sobre a esfera estadual. “Numa resolução, você não pode, por diferença, classificar os de distribuição”, diz.

ADI para afastar ANP do processo de classificação

O presidente da Abegás também explicou o que levou a associação a entrar com uma ADI contra a lei de 2021, em vez de buscar modificar a minuta ou contestar uma eventual resolução da ANP. Segundo ele, a entidade discorda da conduta e da interpretação que a agência deu para a Lei do Gás e, por isso, busca evitar que a ANP tome outras decisões sobre o assunto.

“A interpretação que a ANP deu à lei é que causou todo esse problema. Justamente essa falta de diálogo e a falta de percepção, e até a falta de entendimento material da ANP sobre o que é o elo de distribuição, nos obrigou a entrar com uma ADI para separar realmente a esfera federal da esfera estadual”, disse. “A ADI justamente vai retirar o problema ocasionado por essa interpretação, porque ela vai tirar esse artigo da lei”, calcula.

‘Se não fizer nada, o mercado fica seguro, como está hoje’

Ao criticar a atuação da ANP sobre a classificação técnica dos gasodutos de transporte, Marcelo Mendonça diz não ser necessário entrar neste tema. “Se você não fizer nada, a gente vai ficar com o mercado seguro, da forma como está hoje. Você não ouve falar de desabastecimento de gás, é o mercado mais seguro que tem”, avalia. Para Mendonça, então, a definição dos critérios técnicos deve ser restrita às áreas de engenharia das empresas.

Em sua avaliação, a ausência de parâmetros não provoca insegurança jurídica no setor. “A insegurança jurídica foi criada em função da interpretação da ANP. O fato gerador é contrário”, diz.

Outras entidades apoiam a ANP

Em contraste com o posicionamento da Abegás, outras instituições do setor de gás natural apoiam a ação da ANP na classificação dos dutos. Em carta, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo (Abpip), a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace Energia) e a Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás) apoiam a iniciativa da ANP em avançar no estabelecimento de critérios para a definição de gasodutos de transporte.

“Um arcabouço regulatório federal robusto e consistente sobre o tema consolida um ambiente jurídico seguro para promover investimentos e desenvolver o mercado de gás natural no país”, diz a nota conjunta.

As associações também reforçam a “legalidade do processo em questão e o poder-dever da ANP para tratar do tema”.