A demanda da Petrobras de 700 mil m³ de biometano por dia para atender ao mandato do Combustível do Futuro (lei nº 14.993/2024) deve corresponder a 70% da produção total brasileira, de acordo com dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A agência aponta que, até o momento, há autorização para dez plantas de biometano, com produção total de 653,9 mil m³ por dia. Entre projetos já construídos que aguardam aval para início de operação comercial e outros com previsão de conclusão para 2025, a produção esperada é de mais 421,3 mil m³ por dia.
Portanto, deve ser de pouco mais de 1 milhão de m³ por dia a oferta disponível para atender ao Combustível do Futuro, que determina, a partir de 1º de janeiro de 2026, a compensação das emissões de gás natural na ordem de 1% por meio de biometano.
Novos projetos
Para a presidente da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), Renata Isfer, a chamada pública da Petrobras é um “divisor de águas” no mercado de biometano. Entre as virtudes do processo, Isfer destaca o prazo dos contratos, de 11 anos.
“Facilita o financiamento e traz para o investidor mais segurança de que aquele investimento vai ter tempo para apresentar o retorno. [O prazo de contrato da chamada] foi realmente um sinal muito positivo”, explica.
Atualmente, a ANP tem 32 plantas de biometano com solicitação para operação. Segundo Isfer, além destas usinas com processo já em andamento, há investidores para outros projetos, que aguardavam a sinalização de demanda do mercado. Um mapeamento da Abiogás junto a seus associados indica que há apetite para que o país chegue a 2032 com 138 plantas e produção de quase 6 milhões de m³ de biometano por dia.
Autoprodução
Além das plantas em operação comercial, há aquelas voltadas para autoprodução, que utilizam o biometano exclusivamente em suas próprias instalações. Informações do Cibiogás apresentadas pela Abiogás indicam que atualmente há 23 plantas de autoprodução no país.
“É difícil precisar quanto biometano está sendo produzido em plantas de autoprodução, já que estas não necessitam da autorização da ANP para operar e não costumam divulgar seu consumo. Entretanto, existem 653,9 mil m³/d de produção de biometano autorizado pela ANP para comercialização e nosso mapeamento aponta para mais de 325 mil m³/d divididos entre contratos assinados por diversas partes”, diz a especialista de mercado de biometano na consultoria Argus, Rebecca Gompertz.
Apesar de o consumo das moléculas ser realizado internamente, as plantas de autoprodução podem vir a participar do mercado por meio dos certificados de garantia de origem do biometano (CGOBs). Previstos na lei do Combustível do Futuro, estes certificados ainda precisam de regulamentação específica, mas devem separar o caráter renovável da molécula, que deve então ser utilizada como se fosse gás fóssil.
Certificados podem viabilizar produção capilarizada
A contratação de CGOBs foi contemplada na chamada pública da Petrobras – a estatal poderá comprar biometano com certificado ou apenas os certificados, caso as plantas estejam longe dos pontos de entrega estabelecidos na chamada.
Para as especialistas, a comercialização destes títulos pode representar uma nova fonte de renda para autoprodutores e plantas que estejam longe dos gasodutos ou dos pontos de consumo.
“Há projetos que estão longe da infraestrutura e que têm uma demanda local de gás que não precisa ser renovável. A partir do momento em que a Petrobras está disposta a comprar só o certificado, estes projetos poderão vender o certificado para a Petrobras e viabilizar a planta, porque vai ter outra demanda para um gás que pode ser vendido como se fosse fóssil”, explica Renata Isfer.
Para Rebecca Gompertz, os certificados podem tornar a produção de biometano menos regionalizada. “Com a criação dos certificados, não será mais necessário vender a molécula acoplada ao atributo verde. Hoje, um grande empecilho para o crescimento do mercado é a necessidade de vencer os custos de frete para fazer com que o biometano chegue ao comprador de forma economicamente viável”, avalia.
Um dos pontos sensíveis para o sucesso dos certificados é a rastreabilidade dos títulos, para garantir que os certificados tenham lastros em moléculas efetivamente geradas e afastar o risco de dupla contagem. A questão é mais desafiadora para autoprodutores, já que nestes casos não costuma haver lastros como notas fiscais das moléculas geradas.
Usos e preços
Além da Petrobras, a Shell é outra empresa que já declarou estar avaliando fornecedores para o cumprimento do mandato do Combustível do Futuro. Com produção limitada e expectativa de aumento na demanda, o mercado de biometano tende a se modificar. “É possível que exista menos biometano disponível para a substituição do diesel e do GLP, com grande parte da produção direcionada ao mandato do biometano”, avalia Rebecca Gompertz.
Segundo a especialista, a chamada pública da Petrobras foi recebida com “animação” pelo mercado, mas ainda é cedo para avaliar os reflexos práticos da iniciativa. “A primeira fase da chamada pública é não-vinculante e deve servir apenas como um mapeamento das diferentes oportunidades de suprimento que a Petrobras pode explorar para cumprir seu mandato de biometano a partir de 2026”, explica.
Atualmente, os preços do biometano são negociados entre as partes, com correção por índices inflacionários. “Não fica refém dos preços do dólar, do Brent. Tem uma previsibilidade maior de preços quando você compara com o gás natural”, diz Renata Isfer.
Na conta, costumam entrar fatores como logística, localização da usina e insumo utilizado na produção do gás. Como forma de nortear o mercado, a Argus lançou um indicador de preço para três regiões do país (todas no Sudeste), considerando o valor do gás natural praticado pelas distribuidoras locais, acrescido de um caráter de sustentabilidade calculado com base no que as usinas podem lucrar com a venda de Crédito de Descarbonização (Cbios) dentro do programa RenovaBio, que as usinas de biometano podem gerar.
“Neste preço calculado, há influência do Brent, uma vez que o mercado de gás natural brasileiro indexa a maior parte de seus contratos a este índice”, reconhece. “Olhando à frente, entendemos que o melhor caminho para o mercado seria um preço baseado em oferta e demanda do biometano”, diz Rebecca Gompertz.