Ponto de Entrega em Cubatão. Foto: NTS
Ponto de Entrega em Cubatão. Foto: NTS

Novo mercado de gás

Transporte de gás no Sudeste: para onde vão as tarifas?

Mercado esperava uma redução nas tarifas da NTS, que faz o transporte de gás no Sudeste, maior mercado consumidor do país, mas foi surpreendido com uma alta na casa de 10%.

Ponto de Entrega em Cubatão. Foto: NTS
Ponto de Entrega em Cubatão. Foto: NTS | NTS

Desde junho, os carregadores de gás lidam com uma tarifa entre 10% e 12% mais alta na malha da Nova Transportadora do Sudeste (NTS). O aumento foi uma surpresa, já que inicialmente o mercado esperava por uma redução de cerca de 3% nas tarifas, considerando as premissas da consulta pública da NTS.

Apesar do reajuste acima do esperado, o cenário chegou a ser pior. No fim de maio, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) homologou aumento de quase 30%. O barulho no mercado foi grande e, após revisões sobre a carga da Petrobras em Caraguatatuba, o reajuste ficou entre 10% e 12%, alimentando reclamações dos agentes sobre a falta de transparência no processo.

Em julho, o Conselho dos Usuários do Sistema de Transporte de Gás Natural (CdU) e o Fórum do Gás enviaram correspondências à ANP solicitando informações sobre o cálculo da tarifa e questionando o valor determinado para o transporte. O CdU vai além e pede que os efeitos do aumento tarifário sejam suspensos até que haja conhecimento sobre as informações que embasaram o cálculo e debate sobre o tema.

A ANP ainda não respondeu aos questionamentos das instituições, mas, segundo documentos do processo, a agência pretende preparar uma nota técnica sobre o assunto.

Como é feito o cálculo da tarifa de transporte

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As transportadoras operam com base em uma receita máxima permitida (RMP), estipulada pela ANP. Esta RMP é dividida entre todos os agentes, com base na capacidade que cada um utiliza do “condomínio”, e cada trecho da malha tem seu cálculo.

As transportadoras podem absorver até 5% a menor da RMP, mas se as perdas superarem este montante, as tarifas devem subir. Por outro lado, penalidades e outras receitas extraordinárias acima da RMP não podem ser retidas pelas transportadoras, que devem realizar o desconto dos valores recebidos acima da RMP no ano seguinte.

Assim, a cada ciclo tarifário, as transportadoras de gás natural devem submeter à ANP sua proposta tarifária. Com a aprovação da agência, a tarifa vai para Consulta Pública com todos os agentes. A partir do resultado deste processo, abre-se um chamado ao mercado para manifestação de interesse, quando os agentes efetivamente apresentam suas demandas de transporte para contratação.

Estação de Compressão do Vale do Paraíba iluminada. Foto: NTS

No caso da tarifa da NTS para o ciclo 2024-2028, a transportadora utilizou como base para o cálculo de sua tarifa os volumes observados entre novembro de 2021 e outubro de 2023, considerando cerca de 90% da capacidade movimentada para evitar que eventos específicos impactassem no dimensionamento. Esta tarifa foi aprovada pela ANP e seguiu para Consulta Pública.

No momento da manifestação de interesse, em que as empresas efetivamente solicitam a reserva das capacidades, veio a surpresa de uma demanda de contratação menor do que o previsto. Como a remuneração para uso do “condomínio” deve ser repartida entre os agentes, a tarifa aumentou.

As possíveis razões para o aumento

Em suas correspondências, o CdU e o Fórum do Gás reclamam que não houve transparência no cálculo da tarifa final. “Os carregadores, principais afetados pelo aumento na tarifa da NTS, ainda não participaram ou tiveram acesso à totalidade das justificativas que embasaram tal decisão”, diz o CdU.

Os volumes da Petrobras são apontados como responsáveis pelo desequilíbrio no processo tarifário. No caso da estatal, a sinalização de capacidade ocorre “ao contrário”, já que a companhia é detentora dos contratos legados, aqueles assinados antes da abertura do mercado de gás, que aconteceu em 2021.

Por meio do Acordo de Redução de Flexibilidade (ARF) assinado pela Petrobras junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a estatal se comprometeu a indicar os volumes de injeção e retirada máxima para suas atividades e contratos, liberando o restante da capacidade aos demais carregadores.

A Petrobras continua responsável pelos valores a serem pagos à transportadora nos contratos legados, mas os montantes que as demais transportadoras pagam pelo uso do sistema é descontado do desembolso que a Petrobras deve fazer para honrar a remuneração dos contratos legados. Assim, em última análise, se a tarifa fica mais alta para os demais carregadores, a Petrobras abate um valor maior do que deve à transportadora.

Caraguatatuba

Ao apresentar sua demanda de capacidade, a Petrobras indicou volumes muito menores do que o que usa habitualmente no ponto de entrada de Caraguatatuba. Enquanto em 2022 e 2023 os volumes efetivamente injetados foram respectivamente de10,5 mil m³ e 12 mil m³ por dia de gás, o volume apresentado para o cálculo da tarifa de 2024 foi de 7,6 mil m³ por dia, segundo levantamentos do CdU. O montante é o mesmo que consta no ARF da Petrobras com o Cade para a rede da NTS.

Em Caraguatatuba, a Petrobras injeta um gás com características diferentes da norma para a molécula, mas desde 2020 a ANP autoriza o uso deste gás natural por meio de pareceres emitidos a cada quatro meses. Assim, ao apresentar sua demanda de capacidade, a Petrobras desconsiderou os volumes contemplados pela autorização especial.

Entretanto, diante do grande aumento nas tarifas, e considerando que não houve interrupção na emissão de autorizações, a estatal e a ANP chegaram a uma nova definição. Partindo da premissa de que a autorização continuará a ser emitida, a Petrobras incluiu tais volumes em sua capacidade, aumentando assim o denominador do “condomínio” aos agentes.

Assim, a capacidade máxima diária acordada em Caraguatatuba para a estatal ficou em 13 milhões de m³ por dia. “Com essa medida, o aumento tarifário caiu de 26% para 12%”, diz a ANP à MegaWhat.

Mesmo assim, agentes questionam se ainda haveria espaço para mais redução. Segundo o Fórum do Gás, “não se encontram públicas todas as informações que a subsidiaram, inclusive se houve análise, por parte da ANP, de alternativas para atingir ao mesmo objetivo”.

Cabiúnas

Outro ponto de questionamentos está no Terminal de Cabiúnas (Tecab), no Rio de Janeiro. Neste ponto, a estatal solicitou capacidade de 7,2 mil m³ de gás por dia, enquanto injetou 10,9 mil m³ por dia em 2023 e 13,2 mil m³ por dia em 2022, segundo cálculos do CdU. O volume para 2024 está acima do ARF da Petrobras, que previa carga de 6 mil m³ por dia. Mesmo assim, CdU e o Fórum do Gás questionam por que a ANP não fez um novo cálculo deste ponto, assim como fez em Caraguatatuba.

À MegaWhat, a Petrobras destacou que suas premissas respeitam o ARF e explicou que a movimentação superior à reserva de capacidade em Cabiúnas ocorre porque a interconexão entre a Transportadora Associada de Gás (TAG) e a NTS ainda não está em operação naquela localidade, o que levaria a uma distorção dos volumes injetados nos sistemas da TAG e NTS. “Sem a operação da interconexão entre a NTS e a TAG, o volume que entraria no sistema da TAG e poderia fluir para a NTS via interconexão, acaba entrando diretamente no sistema da NTS, distorcendo os volumes injetados entre os dois sistemas”, explica a estatal.

Gasig

Há, ainda, outro complicador na equação: o Gasoduto Itaboraí-Guapimirim (Gasig), que é novo e foi incluído na base regulatória de ativos da NTS. Assim, a remuneração do Gasig é rateada entre os usuários.

Apesar de significar um ativo novo, com uma nova remuneração a ser alcançada, o Gasig não está no centro dos questionamentos dos agentes. “Não deveria ter esse efeito todo”, avalia a presidente do CdU, Sylvie d’Apote, em relação aos aumentos na tarifa.

Mesmo assim, CdU e Fórum do Gás questionam a ANP sobre quais impactos o novo duto teve sobre o cálculo das tarifas.

Impactos para o mercado

Apesar de estar no centro da discussão, a receita da NTS não é impactada pela variação das tarifas já que, como transportadora, está limitada à receita máxima permitida (RMP). Mesmo assim, agentes ouvidos pela MegaWhat avaliam que a disputa também respinga na transportadora.

“Para a NTS não fica nada no bolso, mas é ruim. Eles tinham falado que a tarifa iria diminuir 3%, 4%. As outras distribuidoras também estão diminuindo e de repente tem um aumento de 26%”, avalia a presidente do CdU, Sylvie d’Apote.

Segundo Adrianno Lorenzon, que é diretor de gás da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e faz parte do CdU e do Fórum do Gás, o aumento é ruim também por afetar a visão de longo prazo do transportador. “Gera insegurança, falta de previsibilidade, aumento de custo para os carregadores que no final do dia repassam para alguns consumidores. E isso tudo dificulta a abertura do mercado”, afirma.

Com o preço mais alto, o consumidor final pode buscar outro combustível. “Isso já está acontecendo. Qualquer coisa que encarece o preço final do gás é muito preocupante, porque o consumidor vai sair, o produtor está perdendo o mercado, e o transportador vai perder cliente também”, diz Sylvie d’Apote.

Bom para a Petrobras, ruim para o restante do mercado

A Petrobras deve honrar os contratos legados, mas os valores pagos pelos demais carregadores são descontados do montante que a estatal desembolsa. Assim, quanto mais cara for a conta dos seus concorrentes, menor é o desembolso da Petrobras.

Já para os demais agentes, o aumento na tarifa representa menor competitividade, já que o preço final ao consumidor fica menos interessante. “A tarifa não aumenta para a Petrobras, aumenta para os concorrentes dela, que utilizam o mesmo sistema de transporte”, diz Lorenzon.

“Os carregadores, que na verdade são os concorrentes da Petrobras, repassam para os consumidores. Então quem arca, no final da conta, é o consumidor. E acaba reduzindo o ímpeto de abertura do mercado, porque os concorrentes da Petrobras foram prejudicados, logo, a concorrência foi prejudicada”, conclui.

Próximos passos

Apesar de a tarifa da NTS ter sido calculada para o ciclo 2024-2028, em 2025 os valores precisarão ser revisados porque em dezembro do próximo ano se encerra o primeiro contrato legado da transportadora com a Petrobras, no volume original de 43,8 milhões de m³ por dia.

Assim, no fim de 2025, outra consulta pública sobre as tarifas da transportadora já precisaria ser realizada. Até lá, entretanto, a tarifa de referência deve ser mantida – a menos que a ANP faça outra mudança no cálculo, como ocorreu em relação ao terminal de Caraguatatuba.

Anualmente, há ainda ajustes tarifários para compensar questões como penalidades, conta regulatória e outras receitas que as transportadoras recebem acima da RPM, ou receitas que eventualmente não tenham sido recebidas, o que abre possibilidade de que, já para 2025, os preços para transporte no Sudeste sejam reduzidos.

A ANP também deve elaborar nota técnica esclarecendo os questionamentos do mercado sobre o cálculo das tarifas, como consta em documentação nos processos.

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