Opinião da Comunidade

É hora de consolidar a Resposta da Demanda no Brasil

Cm a crise hídrica vivenciada em 2021, o poder concedente buscou entender o que precisava ser aprimorado.

Jéssica Guimarães, artigo, Abrace
Jéssica Guimarães, artigo, Abrace

Por: Jéssica Guimarães*

A Resposta da Demanda (RD) é um mecanismo que vem sendo utilizado em diversos mercados maduros pelo mundo e, no Brasil, está trilhando um caminho a passos lentos, mas com resultados promissores para o sistema elétrico. Com a oportunidade de se consolidar como mais uma ferramenta para o fechamento do balanço energético diário, o programa iniciou em 2017 como um projeto-piloto. Porém, devido a processos burocráticos e complexos, não incentivava a participação dos consumidores.

No entanto, com a crise hídrica vivenciada em 2021, o poder concedente buscou entender o que precisava ser aprimorado para que o programa se tornasse funcional. Com isso, foi publicada a Portaria MME nº 22/21, que estabeleceu as diretrizes para a oferta de Redução Voluntária da Demanda (RVD) como mais uma ferramenta para o Operador Nacional do Sistema (ONS) lidar com a falta de recursos para suprir a carga.

A partir do aprendizado do projeto-piloto de RD e com RVD, foi possível estabelecer o Programa Estrutural de Resposta da Demanda no âmbito da Aneel, com a publicação da Resolução Normativa nº 1.040/22, com vigência a partir de outubro de 2022. O primeiro despacho realizado nos moldes dessa nova regulação ocorreu no final de novembro de 2023, devido às ondas de calor que aumentaram o consumo do sistema, fazendo com que o Operador precisasse acionar a redução da demanda do consumidor.

Desde então, temos convivido com despachos para redução da demanda de consumidores, com resultados satisfatórios e evidenciando cada vez mais que o consumidor pode ser um agente ativo para garantir a segurança e confiabilidade do sistema. Agora, a bola da vez é a busca pelo melhor desenho de um novo produto, o Produto de Disponibilidade, que foi instituído por meio da Resolução Autorizativa nº 12.600/22 e será testado em um ambiente regulatório experimental, o Sandbox Regulatório da Aneel.

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Esse produto nada mais é do que a contratação da disponibilidade do consumidor por meio de um Mecanismo Concorrencial a ser realizado pelo ONS conforme necessidade do Sistema Interligado Nacional (SIN). Com o intuito de utilizar essa ferramenta ainda em 2024, o ONS e a CCEE iniciaram as discussões com os agentes por meio de workshops e consulta pública acerca do edital, contrato, rotina operacional e regras de comercialização.

A proposta vem sendo bem recebida pelos consumidores, porém, um ponto acende um alerta: as penalidades propostas por indisponibilidade e pelo não atendimento ao despacho do Operador. É importante deixar claro que as penalidades são essenciais para o bom funcionamento da contratação de disponibilidade, visto que o consumidor receberá uma Receita Fixa para ficar disponível ao sistema, assim como já é realizado para os geradores.

No entanto, se essas penalidades forem muito agressivas, não teremos incentivo para os consumidores participarem e não teremos assim a chance de testar um produto inovador e necessário para o Sistema Elétrico Brasileiro (SEB). A proposta inicial é para que o Produto Disponibilidade já se inicie com a possibilidade de o resultado do consumidor ser um valor positivo, ou seja, com valores a pagar pelo participante, inicialmente limitado a 10% da Receita Fixa.

Para a Penalidade por Indisponibilidade, esse cenário de pagamento por parte do consumidor já se iniciaria caso o agente fique mais de 70% das horas indisponíveis, onde haveria a redução de 100% da RF nesse patamar. Caso o consumidor fique acima, ele começaria a pagar um valor proporcional da Receita Fixa, determinado pela fórmula proposta pela CCEE. Na mesma lógica, temos também a Penalidade por Não Atendimento do despacho requisitado pelo Operador, em que, caso o consumidor não atenda 70% dos despachos, ele não receberia Receita Fixa no mês e, tornando-se indisponível acima desse limite, haveria a necessidade de pagamento.

Contando ainda com a possibilidade de se definir um Fator Multiplicador visando dar um peso maior nesta penalidade. Sendo que as duas penalidades, no pior cenário, teriam juntas o limite de ensejar pagamento do consumidor limitado a 20% da Receita Fixa Original. Da mesma maneira que é importante deixar claro que as penalidades são essenciais, é importante também enfatizar que esse é um ambiente de testes, e que o melhor caminho seria não impor aos consumidores nenhum valor financeiro positivo a pagar neste primeiro momento.

Este movimento traria uma maior participação dos agentes, promovendo um ambiente de testes dinâmico para o mecanismo de contratação e para a operacionalização da disponibilidade contratada. Para isso, é preciso que haja a trava de redução de 100% da Receita Fixa ao consumidor caso se torne indisponível 70% do tempo ou não atenda 70% das horas do produto contratado, no entanto, sem a cobrança de um percentual sobre a RF, caso o consumidor fique acima desse patamar.

E é simples fazer essa alteração, apenas mudando a calibração da fórmula proposta pela CCEE. Neste momento de aprendizado e experimentação, regras mais razoáveis poderão fazer com que diversos ofertantes participem neste momento, contribuindo para que o programa de RD com o produto disponibilidade possa trilhar os caminhos necessários para ser uma importante ferramenta para os próximos anos, ainda mais com o aumento da necessidade de potência para atender a ponta do sistema.

Comparando ainda com as diretrizes propostas para o segundo Leilão de Reserva da Capacidade – LRCAP 2024, que também visa contratar a disponibilidade dos agentes geradores, as regras de penalidade definidas foram bem mais brandas do que as propostas para a contratação da disponibilidade do consumidor. Onde, mesmo que o agente contratado no LRCAP 2024 fique 100% indisponível, ele receberá mensalmente 50% de sua Receita Fixa, o que difere das regras propostas para o Produto Disponibilidade de Resposta da Demanda, em que o consumidor já teria uma parcela a pagar caso ele fique mais do que 70% do tempo indisponível ou não atenda 70% dos despachos requeridos pelo ONS.

Desta maneira, as regras para as penalidades precisam ser mais bem balizadas, tanto por ser um período de testes, como por ser um produto com o mesmo objetivo do que será contratado no LRCAP, o atendimento a necessidade de potência do sistema. Senão, poderemos encarar mais um projeto-piloto que tem regras tão duras que não incentivam o consumidor a querer participar de um mecanismo que se mostra uma ótima ferramenta para os próximos anos.

*Jéssica Guimarães é Analista de Energia na Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia elétrica e gás natural

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