Opinião da Comunidade

Esforços e desafios na formação de preço de energia elétrica

Rafael Vernini Padovani
Rafael Vernini Padovani - Divulgação

Por: Rafael Vernini Padovani*

A formação de preços de energia elétrica no Brasil é sustentada por uma cadeia de modelos matemáticos que buscam representar a operação do Sistema Interligado Nacional (SIN). Esses modelos permitem ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) calcularem o Custo Marginal da Operação (CMO) e o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), respectivamente. Este último é o custo de referência para o Mercado de Curto Prazo (MCP), comumente utilizado para valorar as diferenças entre a energia contratada ou gerada e a consumida ou vendida.

Cada um dos modelos possui horizontes de planejamento distintos, objetivos e níveis de detalhamento. O primeiro deles é o NEWAVE, que visa planejar a operação do sistema no médio prazo, isto é, até cinco anos à frente, com discretização mensal. O segundo é o DECOMP, que tem como função a programação da operação no curto prazo, ou seja, os próximos dois meses, com detalhamento semanal para o primeiro mês. E, por fim, o modelo que subsidia a Programação Diária de Operação, o DESSEM, com horizonte de curtíssimo prazo, mais especificamente sete dias, e a discretização diária. Neste caso, o despacho hidrotérmico do modelo possui resolução semi-horária no primeiro dia e por patamar de carga nos demais. Para o cálculo do PLD, a CCEE utiliza o resultado do DESSEM a cada uma hora.

À medida em que saímos do horizonte de médio para o curtíssimo prazo, observamos maior detalhamento da complexidade operativa do SIN e redução gradual das aproximações que, inclusive, estão sempre presentes. Um exemplo claro é que atualmente o modelo NEWAVE representa as usinas hidrelétricas de forma agregada em reservatórios equivalentes de energia (REE) como forma de simplificar a resolução do problema matemático, diminuindo assim o custo e o tempo computacional.

Ao longo dos últimos anos, esforços têm sido empregados pelas instituições e pelos agentes do setor elétrico, com o intuito de aprimorar a metodologia dos modelos, assim como os dados de entrada, que visam aproximar o despacho hidrotérmico realizado pelo modelo com o despacho de geração na operação em tempo real. É possível acompanhar esses processos no Comitê Técnico PMO/PLD, por meio das Forças Tarefas (FTs) e Grupos de Trabalho (GTs).

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No último ciclo (2023/2024), após uma série de workshops realizados e diversas contribuições dos agentes no âmbito da Consulta Pública (CP) do Ministério de Minas e Energia (MME) nº 162/2024, a então Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP) deliberou pela aprovação e representação individualizada de usinas hidrelétricas no modelo de médio prazo NEWAVE nos primeiros doze meses de planejamento da operação e cálculo do PLD a partir de janeiro de 2025, vislumbrando aproximar o resultado da operação em tempo real.

Dentre as outras deliberações, o parâmetro de aversão ao risco (CVaR) para fins de planejamento e formação de preço, foi atualizado (α = 15% e λ = 40%). Isto otimizará os custos da operação térmica, antecipando o despacho dessas usinas em situações hidrológicas mais secas, além de alocar a água dos reservatórios de modo mais eficiente.

Diversos questionamentos surgiram quanto ao aumento do custo e tempo computacional para que os agentes do setor pudessem reproduzir os resultados oficiais e projetar simulações de CMO e PLD, utilizando a mesma cadeia de modelos que o ONS e CCEE.

Entretanto, se essas alterações irão, de fato, aproximar o resultado da cadeia de modelos da operação real, ainda é uma dúvida pertinente entre os agentes que empregam esforços e inteligência com esse objetivo. 

A formação do preço se dá a partir de uma projeção, isto é, tanto o CMO como o PLD são dados a partir de uma previsão (ex-ante). Logo, isso se dá pelo que foi mencionado anteriormente, de que o planejamento da operação e formação de preço são resultados de modelos matemáticos, considerando expectativas futuras de afluência, carga, geração térmica e hidráulica inflexíveis e, sobretudo, de geração de usinas não simuladas individualmente, como eólicas e fotovoltaicas.

Sendo assim, como o agente é remunerado, caso as condições verificadas sejam diferentes do esperado? As usinas térmicas que são despacháveis pelo ONS, ou seja, que estão programadas para gerar, são remuneradas pelo seu próprio custo quando este for menor ou igual ao PLD. No caso dos agentes geradores descontratados, estes são remunerados via PLD quando chamados a gerar. No entanto, quando a operação difere do resultado do modelo, os custos adicionais de geração são pagos via Encargos de Serviço de Sistema (ESS), arcado por todos os consumidores do SIN.

Outro ponto associado ao modelo DESSEM é o acionamento do processo de contingência, aspecto que não foi objeto da CP nº 162/2024, afinal essa tratava apenas do NEWAVE híbrido. De acordo com os Procedimentos de Rede do ONS e das Regras de Comercialização da CCEE, caso o modelo de curtíssimo prazo não obtenha resultado em tempo hábil, dois níveis de contingência podem ser empregados. O primeiro deles é a flexibilização do algoritmo e o segundo é a não representação das restrições de Unit Commitment Térmico (UCT). Esta última trata das restrições de acionamento/desligamento, rampa de tomada/alívio de carga e tempo mínimo ligada/desligada das unidades geradoras de uma usina térmica, ou seja, um detalhamento maior para a representação da operação real dessa usina. A não representação destas restrições desalinha o objetivo original do modelo DESSEM, afastando o resultado do modelo da operação em tempo real. No entanto, por vezes o mecanismo de contingência tem de ser acionado para que o ONS obtenha o CMO e/ou a CCEE obtenha o PLD em tempo hábil.

Sendo assim, caso os esforços para ampliar a representação do sistema na cadeia de modelos, tornando o problema cada vez mais complexo, implicarem na possibilidade de aumento da frequência de acionamento da contingência, não faria sentido o emprego de maior atenção para minimizar a sua ocorrência? 

Naturalmente, esse e outros questionamentos poderão surgir com o seguimento dos trabalhos no próximo ciclo, desta vez sob responsabilidade do novo comitê de governança que substitui a CPAMP, conforme Resolução nº 01/2024 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Um dos prováveis pontos de avanço no modelo DESSEM que pode ser trabalhado no próximo ano é o da representação das restrições de Unit Commiment Hidráulico (UCH), trazendo ainda mais detalhamento do sistema e, possivelmente, tornando mais complexa a resolução do problema. 

Portanto, a preocupação levantada aqui, entre vários desafios futuros no processo de formação de preço, é a de equilíbrio entre a atenção e o foco em melhorar a representação do sistema na cadeia de modelos e a redução do acionamento da contingência, além da reprodutibilidade a partir dos agentes, diminuindo a formação de encargos e, consequentemente, reduzindo o ônus ao consumidor. Como agentes do setor elétrico, devemos sempre ampliar a participação e atuação nos fóruns setoriais, exigindo fortalecimento da governança nas questões que tangem a formação de preço.

*Rafael Vernini Padovani, meteorologista pela UNESP e mestre em meteorologia pelo INPE, é coordenador de Middle Office e Inteligência de Mercado da Safira Energia.

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