Opinião da Comunidade

Isabela Natal escreve: A Indústria 4.0 no contexto do despacho e preço horários

Isabela Natal escreve: A Indústria 4.0 no contexto do despacho e preço horários

Por Isabela Natal

A modernização do setor elétrico brasileiro, regulamentada pela Portaria nº 403, de outubro de 2019, é composta por diversas frentes de atuação, que propõem discussões e decisões relacionadas a fatores-chave no cenário eletroenergético brasileiro, como a formação de preços, a abertura do mercado e a integração gás-energia elétrica. As vertentes diretamente relacionadas à transformação digital, incluindo a desburocratização e melhoria de processos e a governança (de sistemas, ativos e dados), são de grande relevância e urgência, neste contexto de modernização e num momento em que a Indústria 4.0 se mostra cada vez mais patente.

Historicamente, a combinação “nova forma de comunicação + nova fonte de energia” é responsável por desencadear as revoluções na indústria. A 4ª Revolução Industrial, pela qual estamos passando, é marcada pela mobilidade, rapidez e poder dos dados, aliado ao maior protagonismo dos usuários finais, atentos aos aspectos ambientais e regulatórios e ao consumo eficiente. Em termos energéticos, a busca por uma matriz mais limpa leva ao papel fundamental do gás natural como combustível de transição e à crescente penetração das fontes eólica e solar.

De acordo com o Relatório do Observatório Mundial dos Mercados de Energia, as tecnologias digitais somadas aos avanços na área de energia no mundo, resultarão na diminuição de barreiras entre os agentes, promovendo o ingresso de novos atores e mudanças nas instituições tradicionais, que precisarão se reinventar e propor novos modelos de negócio. Neste sentido, os desafios do setor elétrico brasileiro, tanto sob a ótica eletroenergética quanto sob o viés tecnológico, despontam igualmente.

Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), até 2024, a malha de transmissão do Sistema Interligado Nacional (SIN) será expandida de 142.000 km para 182.000 km. No mesmo horizonte, espera-se que as capacidades instaladas de geração eólica e solar, praticamente nulas nos anos 2000, sejam de 20 GW e 4 GW, respectivamente, correspondendo, juntas, a mais de 14% da matriz elétrica brasileira. Este panorama de maior penetração renovável e, consequentemente, de maior intermitência da geração, é um dos principais gatilhos para a adoção do preço horário.

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Convido o leitor à reflexão: ao passarmos do cenário de Custo Marginal da Operação (CMO) semanal, por patamar e subsistema para o CMO semi-horário, por barra, com rede elétrica, qual o incremento esperado no volume de dados, considerando a maior granularidade e o maior detalhamento do sistema?

Até dezembro de 2019, quando o CMO era dado pelo Decomp, tínhamos 12 possíveis valores por semana operativa (três patamares de carga e quatro subsistemas). No Dessem com rede elétrica, o SIN está representado por aproximadamente 7.400 barras, cada uma com um custo por estágio. Para o mesmo horizonte, passamos a ter cerca de 2.500.000 possíveis valores de CMO. Incluindo também a modelagem das usinas hidráulicas e térmicas por unidades equivalentes, a representação individual das mais de 740 usinas renováveis, o maior detalhamento da malha de transmissão e todas as demais grandezas e restrições, o planejamento eletroenergético do SIN tende à ordem de dezenas de milhões de dados por semana.

Neste contexto de diversidade e volume de variáveis de interesse e de complexidade e extensão do SIN, as características intrínsecas à Inteligência Artificial (IA) são estratégicas para a garantia da reprodutibilidade e da isonomia entre os agentes. Parafraseando Yuval Harari, em suas 21 Lições para o Século 21 [1], a IA, elemento fundamental da 4ª Revolução Industrial, carrega em si dois ganhos imensos: a conectividade e a capacidade de atualização, características cada vez mais imprescindíveis ao sucesso do nosso setor.

Em pouco tempo, termos associados à Indústria 4.0, como Datalake, Internet das Coisas, Machine e Deep Learning se tornarão aliados na coleta e tratamento de dados previstos e observados, na predição de grandezas e tendências e na obtenção de insights, que poderão ser valiosos nos processos de tomada de decisão. Na prática, a adequação à 4ª Revolução Industrial já foi iniciada por grande parte dos agentes e tende a se intensificar graças aos esforços de diversos órgãos, com destaque para o ONS, que vem adotando medidas de modernização e lançou recentemente o Datathons, focando na melhoria contínua para gestão de dados. Este movimento representa uma mudança necessária de paradigma, do modelo antigo, centrado em documentos, para o modo datacêntrico, num panorama de digitalização, descentralização e descarbonização.

As transformações que estão por vir não ocorrerão da noite para o dia, exigirão esforços conjuntos entre o Ministério de Minas e Energia (MME), Operador Nacional do Sistema (ONS), Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e os agentes, e precisarão se pautar em metodologias ágeis, aliando conhecimento e competência técnica à velocidade requerida. Com mudanças de práticas, de cultura e de tecnologias, a inércia do setor elétrico brasileiro, ainda compatível com uma matriz predominantemente hidrotérmica, poderá se aproximar da inércia das fontes eólica e solar, condizente com a rapidez, o dinamismo, a inteligência e a integração propostos pela Indústria 4.0.

Referências Bibliográficas

[1] HARARI, Y.N; GEIGER, P. 21 Lições para o Século 21. Companhia das Letras, 2018.

Isabela Natal é analista de Middle Office na área de Inteligência de Mercado de Gás e Energia, da Petrobras, tendo trabalhado anteriormente por seis anos na Coordenação e Planejamento de Projetos de FPSOs. Trabalhou também como pesquisadora em Smart Grid na General Electric. Formada em Engenharia Elétrica (2012- Magna Cum Laude) e mestre em Sistemas de Potência (2017), pela UFRJ, com pós-graduação em Engenharia de Equipamentos – Elétrica para a Indústria de Óleo e Gás, pela Universidade Petrobras (2013).

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação. 

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.

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