Opinião da Comunidade

Lubrificante adulterado: ameaça à competitividade da economia brasileira

Carlo Faccio fala sobre lubrificantes adulterados
Carlo Faccio fala sobre lubrificantes adulterados

Por:Carlo Faccio*

A adulteração de lubrificantes é uma prática criminosa que representa uma ameaça crescente à saúde da economia brasileira e à integridade do setor de downstream. Seus efeitos são profundos: comprometem a qualidade dos produtos disponíveis no mercado, afetam o desempenho de motores e equipamentos, impõem prejuízos relevantes a cadeias produtivas estratégicas e prejudicam empresas sérias que atuam dentro das normas.

No Instituto Combustível Legal (ICL), estimamos que o mercado ilegal de lubrificantes gere perdas anuais de aproximadamente R$ 1,4 bilhão para o país — valor que inclui evasão fiscal, danos ambientais, aumento dos custos operacionais e queda de produtividade em setores inteiros que dependem de insumos de qualidade.

Lubrificantes adulterados não cumprem funções essenciais, como lubrificação eficiente, controle térmico, proteção contra corrosão e redução de atrito. O resultado são falhas prematuras em motores automotivos, equipamentos industriais, máquinas agrícolas e frotas de transporte.

Na prática, isso significa mais gastos com manutenção, maior consumo de energia e redução do desempenho — o que impacta diretamente a competitividade das empresas. No agronegócio e nos setores de transporte e logística, por exemplo, essas falhas se traduzem em mais paradas não programadas e maior indisponibilidade operacional. Não se trata apenas de um problema técnico ou comercial: é uma questão que afeta a confiabilidade da infraestrutura nacional.

Empresas que atuam de forma responsável enfrentam grandes desafios para competir com operadores ilegais. Seguir os padrões exigidos pela ANP e pelo Inmetro, investir em controle de qualidade, adotar tecnologias avançadas e cumprir a logística reversa encarece a operação — mas garante desempenho e segurança. Já os fraudadores, muitas vezes ligados ao crime organizado, operam com custos muito mais baixos, oferecendo produtos até 50% mais baratos, à base de óleo reciclado e sem aditivos adequados. É uma concorrência desleal que enfraquece o mercado, afasta investimentos e estimula a informalidade.

Esse cenário é agravado por fragilidades na fiscalização. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem enfrentado limitações orçamentárias, especialmente após a suspensão do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) em julho de 2024 — o que reduziu a presença do Estado em postos, distribuidoras e revendas. Além disso, a ausência de um sistema nacional de rastreabilidade dificulta o controle de origem e destino dos produtos. As sanções previstas em lei também são brandas, o que reduz o risco percebido por quem frauda. Pequenas operações clandestinas de reenvase e distribuição continuam a crescer, muitas vezes com apoio local e conexões com esquemas maiores de sonegação e corrupção.

Os impactos vão muito além do setor de lubrificantes. Frotistas, operadores logísticos, produtores rurais e consumidores em geral sofrem com motores travados, redução da vida útil de equipamentos, aumento na emissão de poluentes e queda na produtividade. Além disso, as agências reguladoras, como a própria ANP, seguem com equipes e estruturas insuficientes para enfrentar o problema com a firmeza necessária.

Reverter esse quadro exige um esforço coordenado e estruturante. Entre as medidas urgentes estão a recomposição da capacidade de fiscalização da ANP — com orçamento e pessoal adequados —, a criação de um sistema nacional de rastreamento de lubrificantes, a aplicação de punições mais severas a fraudadores e o fortalecimento da articulação entre Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público e agências reguladoras. Também é fundamental ampliar campanhas de conscientização para os setores consumidores, como transporte, indústria e agronegócio.

O mercado brasileiro de lubrificantes movimentou cerca de US$ 3,8 bilhões em 2024, segundo o IMARC Group, e deve crescer 3,5% ao ano até alcançar US$ 5,2 bilhões em 2033. Já a consultoria Grand View Research estima um volume ainda maior: US$ 5,945 bilhões em 2023, com projeção de US$ 7,642 bilhões até 2030, a uma taxa de 3,7% ao ano. Esse avanço é impulsionado pela expansão da frota, pela retomada da indústria e pela maior demanda por lubrificantes sintéticos e sustentáveis. As perspectivas para 2025 são positivas, com maior valorização de produtos de alto desempenho, especialmente nos setores automotivo, agrícola e de transporte pesado.

No entanto, todo esse potencial está sob ameaça. A informalidade e o crime organizado colocam em risco não apenas a competitividade do setor, mas a sustentabilidade econômica e ambiental do país. A adulteração de lubrificantes é mais do que um problema pontual — é um desafio estrutural que mina a confiança na cadeia produtiva e compromete o futuro da mobilidade, da energia e da indústria nacional.

É urgente a construção de um compromisso amplo entre setor privado, Congresso Nacional, Poder Executivo e órgãos de fiscalização. Somente por meio de uma resposta firme, articulada e contínua será possível proteger o consumidor, fortalecer o mercado formal e garantir um ambiente de negócios íntegro, seguro e competitivo no Brasil.

*Carlo Faccio é diretor executivo do Instituto Combustível Legal (ICL)