Por Angela Gomes*
As mudanças climáticas estão trazendo um novo paradigma para os diversos setores de infraestrutura, como transporte, saneamento e energia, devido ao aumento na frequência e na severidade dos eventos extremos, como furacões, inundações, rajadas de ventos, incêndios florestais, dentre outros.
No sistema elétrico, a nova realidade demanda ações importantes de adequação nos critérios de planejamento e operação, com vistas a trazer maior resiliência ao fornecimento de energia, mitigando o impacto dos eventos extremos tanto em termos de abrangência, traduzida pelo número de consumidores atingidos pela interrupção no fornecimento, quanto em termos de duração.
De forma resumida, as ações de planejamento do setor elétrico podem ser classificadas em estruturais, cujo objetivo é atender a demanda por eletricidade na maior parte do tempo, por exemplo, através de equipamentos de geração, redes de transmissão e de distribuição; complementares, que envolvem equipamentos ou ações operativas aplicados em situações desfavoráveis, mas que ocorrem com alguma frequência, por exemplo, acionamento de recursos em momentos de pico de demanda; e de resiliência, relacionadas a eventos muito severos, porém muito pouco prováveis.
Nesta última categoria associada à resiliência, via de regra, seria menos interessante economicamente fazer investimentos estruturais, que ficariam ociosos na maior parte do tempo, e mais importante buscar a restauração do suprimento o mais rápido possível, com plano de contingência que, mesmo que trouxessem gastos excepcionalmente altos quando os eventos ocorressem, poderiam representar a melhor opção, dada a baixíssima frequência de seu acionamento. Ou seja, a ideia é que esta solução estivesse associada à baixa probabilidade de ocorrência dos eventos extremos.
O desafio é que a decisão sobre a melhor proporção entre as ações estruturais, complementares e de resiliência depende exatamente da frequência e da severidade dos eventos desfavoráveis, majorada pelos efeitos das mudanças climáticas. Neste cenário, o foco em planos de contingência com altos custos fica menos atrativo, pois seu acionamento com maior constância passa a ficar economicamente inviável. Adicionalmente, eventos mais severos em termos de abrangência requerem planos igualmente abrangentes, com maior complexidade, pois requerem interação muito mais intensa entre os agentes do setor elétrico e outros stakeholders, como prestadores de outros serviços públicos e governos estaduais e municipais.
Por exemplo, a seca de 2020-21 foi equivalente à pior seca observada nos últimos 90 anos, impactando significativamente nossa capacidade de geração hidrelétrica. Outro exemplo refere-se aos ventos, quando em novembro de 2023 a velocidade deles atingiu patamares altíssimos com abrangência geográfica jamais vista na região metropolitana de São Paulo. Se, devido às mudanças climáticas, eventos como esses passarem a ser mais frequentes, e tudo indica que serão, os critérios de planejamento e operação devem se ajustar à nova realidade.
Neste “novo normal”, é fundamental pensar em medidas mais perenes. Certamente, aquelas destinadas à robustez da infraestrutura das redes elétricas terão maior espaço, como a troca dos postes e torres nos pontos de maior vulnerabilidade. Inclusive o enterramento da fiação, que, mesmo sendo bastante custoso, pode passar a ter mais
espaço em casos específicos, com condições excepcionais de densidade de carga e vulnerabilidade a eventos climáticos. Além disso, outras medidas destinadas a elevar a flexibilidade da operação das redes passam a se tornar cada vez mais competitivas, por exemplo: FACTs1, para redes de transmissão, self-healling, para redes de distribuição, e armazenamento, com inúmeras aplicações.
Todas estas ações referentes à resiliência implicam em custos adicionais, e será importante criar uma “folga” tarifária para que os consumidores possam absorvê-los. Isso significa que o planejamento, através de análises de benefício-custo entre as opções tecnológicas, deve evitar que o consumidor pague por custos que não precisa e buscar que se pague o menos possível para aquilo que precisa. Além disso, para que estes investimentos sejam mais acessíveis aos consumidores, é fundamental buscar a redução dos subsídios carregados pelas tarifas2, bem como opções de financiamento externo às tarifas.
Também são relevantes as ações que transcendem o setor elétrico. Como exemplo, há a necessidade de ampliar as medições climáticas em todo o país (medições de vento e chuva são particularmente pobres por aqui) e de aprimorar os modelos de previsão climática com técnicas matemáticas avançadas, capazes de lidar melhor com as extremas incertezas que o aquecimento global traz.
Em suma, mesmo mantendo a esperança de que a mitigação das mudanças climáticas possa vir no longo prazo, no curto e médio prazo o clima mudará e seus efeitos sobre os eventos extremos parecem inevitáveis. Assim, é cada vez mais importante trazer resiliência e flexibilidade ao sistema elétrico, o que exigirá novas tecnologias e ainda mais eficiência e inteligência no planejamento. Ainda que haja pressão sobre investimentos e custos, é possível buscar a melhor equação benefício-custo neste processo.
* Angela Gomes é engenheira, com MBA em Finanças Corporativas, diretora técnica da PSR e atua no setor elétrico há mais de 20 anos.
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