*Por: Sofia Peres Barbosa, Bárbara Mendes Carnevalli e Larissa Sinopoli Piccolo,
O tema das restrições de geração e as compensações devidas às usinas renováveis não é novo no setor de energia. Apesar de possuírem previsão legal desde 2004, o tratamento para as restrições de transmissão apenas foi regulamentado pela Aneel em 2014, sendo sucessivamente alterado, em 2021, e consolidado, em 2023.
Em linhas gerais, a despeito das peculiaridades de cada ato normativo, mais recentemente foram criadas categorias de restrição de geração (o curtailment, no jargão setorial) às quais os geradores solares e eólicos estariam sujeitos, bem como situações específicas em que seriam pagas compensações aos agentes.
Embora a legislação não preveja detalhamento sobre o tema, a regulação inovou nos tipos de evento de restrição, são eles: indisponibilidade externa, atendimento a requisitos de confiabilidade técnica e por razão energética.
A fim de categorizar as restrições, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) definiu para limitar, ou seja, estabeleceu que apenas às restrições motivadas por indisponibilidade externa caberia compensação financeira aos geradores.
Mas não parou por aí: além das classificações de restrição, definiu-se que, mesmo em restrições motivadas por indisponibilidade externa, deveria ser observada a “franquia” de 78h, para usinas eólicas, e 30h e 30min, para usinas solares. Ou seja, se a somatória de indisponibilidades externas ocasionadas a determinado gerador (eólico ou solar) não atingisse o valor da franquia, não haveria compensação financeira devida ao referido agente.
Veja-se que as regras são aplicáveis para todos: novos empreendimentos e também para aqueles já em operação, o que já foi suficiente para se criar grandes discussões no setor sobre a previsibilidade das regras.
O problema se agrava, contudo, em agosto de 2023, após o então inexplicável apagão verificado no Sistema Integrado Nacional. A pretexto de salvaguardar a confiabilidade do setor elétrico, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) decidiu, unilateralmente, que deveria “(…) [operar o sistema] em condições mais conservadoras para garantir a segurança do atendimento conforme previsto nos Procedimentos de Rede”¹ . Segundo informado no site oficial do ONS, as medidas focaram na “(…) redução no carregamento das linhas (…)” e “(…) [n]a postergação de manutenções programadas”.
Em outras palavras, o ONS impôs, sem competência legal para fazê-lo e sem um período prévio de discussão das novas regras com a sociedade e agentes do setor, condições de escoamento de energia de forma mais restritivas (ainda!) que a própria regulamentação.
Isso porque o ONS criou um complexo paradoxo temporal: criou novas regras de operação do sistema que, em sua concepção, já deveriam ter sido assumidas pelos geradores como risco ordinário do negócio.
Apesar de haver argumentos legítimos sobre a aplicação dessa nova operação daqui em diante (como, por exemplo, a não observância de regras para a efetiva alteração de direitos dos agentes do setor elétrico), ao menos os novos players do setor teriam a oportunidade de se organizar e precificar adequadamente a operação conservadora, com maiores riscos de curtailment.
O mesmo, contudo, não é verdade para agentes que já têm usinas em construção e/ou em operação – de fato, esses agentes foram pegos de surpresa e alguns têm sofrido gravíssimos prejuízos que eram impossíveis de serem previstos anteriormente simplesmente porque não existiam. Há uma percepção de insegurança jurídica no setor de renováveis que pode afastar investidores e gerar ainda mais litígios em um ambiente que tem sofrido na última década com tanta judicialização.
O resultado não poderia ser outro, senão a mobilização dos agentes, por meio do ajuizamento de ações, tanto de associações setoriais como individuais em face da Aneel, como forma de minimizar os (já substanciais) impactos sofridos pelos geradores eólicos e solares. No judiciário, a liminar pleiteada pelas associações foi deferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em dezembro de 2023, mas foi posteriormente cassada, em julho de 2024, em decisão do tribunal em sede de agravo interno. Ao momento de conclusão deste artigo, a análise sobre o cabimento ou não de compensações aos agentes eólicos e solares está pendente de definição, mas, em se tratando do setor elétrico, muita água deve passar por debaixo da ponte (ou seria vento e luz solar?).
Seja qual for a solução, é necessário que se respeite a legalidade e, de quebra, as leis da física, para evitar (mais um) efeito borboleta no setor elétrico.
[1] Disponível em: https://www.ons.org.br/Paginas/Noticias/20230817-ONS-publica-documento-t%c3%a9cnico-que-consolida-informa%c3%a7%c3%b5es-iniciais-da-ocorr%c3%aancia-no-SIN-em-15-de-agosto-de-2023.aspx
*Sofia Peres Barbosa, sócia Prática de Infraestrutura e Energia Elétrica, e Bárbara Mendes Carnevalli e Larissa Sinopoli Piccolo, associadas Prática de Infraestrutura e Energia Elétrica.
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