Por: Edlayan Passos*
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) realizou, no mês passado, o primeiro processo competitivo para contratação de Resposta da Demanda – produto Disponibilidade. As empresas vencedoras vão formalizar contratos com vigência de três meses, de novembro a janeiro, e receberão uma receita fixa mensal. Em troca, deverão estar disponíveis para reduzir sua demanda de energia quatro vezes por mês, por períodos de quatro horas, entre 18h e 22h, nos dias úteis.
Em paralelo, na mesma semana do leilão foi registrado um novo recorde de participação de consumidores no programa estrutural do tipo de curto prazo, que proporcionou uma redução de 320 MW no montante de energia usado no horário de ponta, conforme informações da Abrace Energia. Nesse modelo, grandes consumidores fazem ofertas voluntárias de redução do consumo a partir da demanda indicada pelo Operador numa data específica.
Esses números e iniciativas indicam a possibilidade de essa participação dos consumidores ganhar tração como alternativa de reserva de capacidade de potência no país, com porte mais robusto para o atendimento no horário de ponta. Afinal, pode agregar a flexibilidade necessária ao sistema para complementar as fontes renováveis variáveis com custo e impacto ambiental inferiores aos da geração térmica normalmente usada para essa função.
O mecanismo funciona por meio do estabelecimento de contratos com grandes consumidores semelhantes aos feitos com geradores. A diferença é que, ao invés de entregarem energia quando forem despachados, esses agentes deixam de consumi-la, com agilidade de entrada e saída semelhante à de uma usina despachável.
O custo associado ao mecanismo pode ser significativamente inferior ao da geração térmica. Estudo do Instituto E+ Transição Energética estima que o prejuízo do país com as crises do setor elétrico de 2001, 2013 e 2021 poderia ter sido cerca de 60% menor caso, ao invés da concentração na geração térmica, a gestão tivesse colocado em prática um programa robusto desse tipo somado a uma redução geral do consumo da ordem de 4% a 5%.
A alternativa é ainda mais relevante no contexto de mudanças climáticas. Na gestão dessas crises, as emissões de gases de efeito estufa tem sido relegadas a um segundo plano, dando-se prioridade à manutenção do suprimento independentemente do seu impacto ambiental. Esse padrão ameaça a ambição de o país se posicionar como um importante ator em favor da descarbonização global, por meio da fabricação de produtos de baixas emissões de carbono para uso próprio e para o mercado internacional.
Os movimentos recentes dos consumidores e do ONS mostram que há um interesse crescente da sociedade brasileira por essa alternativa. Ao mesmo tempo, a ambição brasileira de o país ser reconhecido internacionalmente como uma liderança ambiental na COP que acontece no Azerbaijão neste mês e, principalmente, na edição do evento programada para Belém, no ano que vem, reforçam a importância de o país se voltar a esse tipo de alternativa noenfrentamento e mitigação de crises hídricas, hoje enfrentadas majoritariamente por meio do despacho de térmicas a combustíveis fósseis.
O fato é que não podemos perder o embalo: precisamos nos aprofundar nessa dinâmica de participação do consumidor na gestão do setor, seguindo exemplos como o da Espanha, que está organizando, para o início do próximo ano, um leilão de capacidade “agnóstico”. A ideia é que a resposta da demanda concorra com baterias e usinas reversíveis para fornecimento em médio prazo, promovendo uma concorrência isonômica entre as fontes e beneficiando o consumidor. Por que não pensar em algo assim para o leilão de capacidade que devem ser realizados nos próximos meses?
* Edlayan Passos é especialista em Transição Energética do Instituto E+ Transição Energética.
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