
Por: André Clark*
O Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência (LRCap 2025), programado para 27 de junho, será com toda a certeza um dos mais importantes acontecimentos do ano para o setor energético. O certame, que tem como objetivo contratar potência elétrica de térmicas a gás, biocombustíveis e hidrelétricas novas e existentes em períodos de maior consumo ou instabilidade das fontes renováveis intermitentes, constitui um papel estratégico de resiliência.
Em decisão muito acertada, a ONS prepara o setor para uma conjuntura de adversidades que, infelizmente, só tendem a piorar frente ao atual cenário de mudanças climáticas e seus consequentes fenômenos, tais como secas prolongadas, chuvas intensas e variações na disponibilidade de vento.
Críticas à parte com relação aos prazos, o fato é que o leilão foi concebido com muita robustez e ineditismo, com destaque para o foco na questão ambiental e na economia circular de ativos descontratados, desde que estes realizem a substituição do uso de combustíveis fósseis por alternativas mais limpas. Do ponto de vista macroeconômico, uma de suas principais características é segurança e previsibilidade com o uso da base de ativos já existentes para as necessidades de curto-prazo, ou seja, já em 2025, até o longo-prazo, com lotes dedicados a novos projetos com entrada em operação até 2030. Essa extensão da esfera temporal do leilão possibilita que os agentes se organizem e garantam a disponibilidade dos recursos energéticos necessários para a implementação de seus projetos de forma estruturada.
Outro ponto relevante que o leilão traz à tona é a crescente consolidação do mercado de gás natural no Brasil, ao incluir gás natural liquefeito (LNG), gás onshore e até mesmo a importação do gás de países vizinhos, como a Argentina; uma virada de chave valiosa para estruturação deste segmento no país, que reforça a importância do gás como fonte estratégica para garantir a segurança energética nacional.
Dado o colapso que vivemos com o aquecimento global e com a necessidade de potência próxima à carga, também é interessante pensar que, pela primeira vez, em defesa da segurança energética, ocorrerá a intersecção de grande escala entre os setores de óleo e gás e o de combustíveis líquidos renováveis para a geração de energia elétrica no Brasil. Trata-se de um acontecimento, que evidencia a maturação da regulação do gás natural no País e sua crescente interação com o setor elétrico, após passar por um processo de transformação da sua participação na matriz energética. Além disso, o leilão também contempla o uso de biocombustíveis, como o etanol – setor em que o Brasil possui expertise comprovada – como alternativa viável para complementar a matriz elétrica. Vale frisar que essa transformação será efetivada totalmente com dinheiro privado, sem nenhuma dependência de verbas estatais.
E por que isso é tão importante? O mercado industrial de energia enfrentará muitas mudanças pela frente e essa interseção entre fontes e setores apresenta um potencial de negócios também para as grandes indústrias. Setores como petroquímico, mineração, entre outros grandes utilizadores de energia, precisarão investir em resiliência elétrica e energética, algo que já está se tornando praticamente uma questão de sobrevivência.
E, já que estamos falando de diversificação de fontes e tecnologias, é inevitável abordar a crescente relevância das baterias de armazenamento de eletricidade como elemento complementar para a segurança da matriz elétrica nacional. Essa tecnologia tem alto potencial de ganhar protagonismo dentre as soluções para o aumento da confiabilidade do sistema, por potencializar o uso das fontes renováveis de forma mais eficiente e por permitir deslocar picos de oferta e de demanda, além de trazer à mesa uma gama de novos softwares de controle que podem ser utilizados pelo próprio operador nacional, elevando o jogo para o próximo patamar do ponto de vista tecnológico.
O armazenamento em baterias traz oportunidades exponenciais ao permitir o trânsito e despacho de energia entre países, ainda mais considerando o excesso de energia renovável que o Brasil possui e as dificuldades energéticas das nações vizinhas. Portanto, esse nível avançado de tecnologia fortalece também as relações comerciais bilaterais.
O leilão de baterias deve acontecer no segundo semestre deste ano e será importante acompanhar o desenvolvimento da regulamentação desse segmento uma vez que a tecnologia avança rapidamente. Mesmo em estágios iniciais, é possível afirmar que, para além de uma decisão muito profícua em prol do planejamento, tanto o LRCap quanto o Leilão de Armazenamento são importantíssimos propulsores do desenvolvimento industrial e, portanto, da economia brasileira. Uma janela de oportunidade dupla como essa não se vê de forma tão frequente.
*André Clark é vice-presidente sênior da Siemens Energy para a América Latina
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