Opinião da Comunidade

Waste-to-Energy e os benefícios socioambientais em comparação com os aterros sanitários

Transformar resíduos não recicláveis em energia é a chave para uma gestão sustentável, segura e eficiente dos resíduos urbanos ao invés de ter como única opção a destinação para aterros sanitários

Prof. Dr. Fabio Rubens Soares escreve sobre Waste-to-Energy
Prof. Dr. Fabio Rubens Soares escreve sobre Waste-to-Energy

*Por: Prof. Dr. Fabio Rubens Soares 

A geração de resíduos sólidos urbanos (RSU) é um desafio ambiental crescente em escala global. Em um contexto marcado pelo avanço da urbanização, aumento do consumo e esgotamento de recursos naturais, as estratégias de gerenciamento de resíduos precisam evoluir além das soluções convencionais. Nesse cenário, a tecnologia de Waste-to-Energy (WtE), ou recuperação energética de resíduos, surge como uma solução essencial, capaz de reduzir o volume de resíduos destinados a aterros, recuperar materiais valiosos e produzir energia térmica e elétrica de forma ambientalmente segura. 

As modernas usinas de WtE transcendem o modelo linear de descarte e materializam o princípio da economia circular. Por meio da incineração controlada de resíduos não recicláveis, essas usinas são capazes de recuperar energia e extrair metais ferrosos e não ferrosos das cinzas. Na Dinamarca, 99% das cinzas remanescentes após a incineração são reaproveitadas para a construção civil, após a recuperação de metais recicláveis. Isso evita a extração intensiva de recursos naturais, com consequentes reduções indiretas nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). 

A eficiência do WtE é comprovada em diversos países europeus. Alemanha, Áustria, Suíça, Bélgica, Suécia e Dinamarca, que apresentam as maiores taxas de reciclagem do continente, também operam com elevado número de usinas de WtE. Isso refuta qualquer argumento de que a recuperação energética concorreria com a reciclagem. Pelo contrário, as instalações de WtE tratam exclusivamente os resíduos que já passaram por triagem e não têm viabilidade para reciclagem, atuando de forma complementar e essencial. 

Na União Europeia (UE-27), entre 2002 e 2022, a proporção de resíduos urbanos desviados de aterros sanitários aumentou de forma significativa, resultado da atuação combinada de políticas de reciclagem e implantação de usinas WtE. Dados do Eurostat ilustram essa tendência, revelando que ambas as estratégias caminham lado a lado e são fundamentais para reduzir a dependência de aterros. 

As emissões atmosféricas provenientes do processo de incineração são rigorosamente controladas. As usinas são equipadas com tecnologias de depuração de gases que removem poluentes como dioxinas, furanos, metais pesados e material particulado. Estudos europeus demonstram que a qualidade do ar em torno dessas instalações é mantida dentro dos padrões mais exigentes, com “impacto muito baixo” na saúde humana. Na França e em outros países desenvolvidos, testes sistemáticos confirmam as vantagens e benefícios ambientais do WtE em relação ao simples aterramento dos resíduos.  

Em termos de GEE, uma tonelada de resíduo desviada de aterro e processada em usina WtE resulta em uma redução líquida de 600 kg de CO2 equivalente em um horizonte de 100 anos. No entanto, é importante considerar o potencial de aquecimento global do metano emitido por aterros: ele é 86 vezes mais potente do que o CO2 no período de 20 anos (GWP20). Isso torna urgente a necessidade de implantação de tecnologias mais eficientes em termos ambientais como o WtE, pois a redução de emissões de metano dos aterros sanitários é a estratégia mais eficaz para frear o aquecimento global nas próximas décadas, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). 

As usinas de WtE também podem contribuir com o balanço global de carbono por meio da integração de tecnologias de Captura, Uso e Armazenamento de Carbono (CCUS). Em algumas usinas europeias, esse processo já permite capturar não apenas o carbono de origem fóssil, mas também o biogênico, transformando as instalações em potenciais sumidouros de carbono. O CEWEP Climate Roadmap 2022 estima que a implantação ampla de CCUS no setor permitirá zerar ou tornar negativo o balanço de emissões do WtE. 

O Reino Unido representa um caso exemplar de política pública para desincentivar aterros como única opção: desde 1996 aplica um imposto específico sobre a disposição de resíduos em aterros, e a partir deste ano não é mais permitido o descarte de resíduos biodegradáveis. Além disso, o valor da taxa está no patamar de 126 euros por tonelada, tornando esta prática economicamente inviável. 

Hoje, existem mais de 3.000 linhas de tratamento WtE operacionais no mundo. A China é responsável por dois terços dos 300 milhões de toneladas de RSU tratados por WtE no mundo, tendo investido cerca de US$ 70 bilhões nas últimas duas décadas. A Turquia, por sua vez, implantou uma usina de um milhão de toneladas em Istambul para atender 16 milhões de habitantes.  

A planta ZMS Schwandorf, na Alemanha, é um ótimo exemplo de transição energética: uma antiga usina de lignito foi convertida com sucesso em uma instalação de WtE de alta eficiência. Tais projetos demonstram a viabilidade de adaptação da infraestrutura energética convencional para soluções sustentáveis. 

Os plásticos, cuja reciclagem é tecnologicamente limitada, exemplificam a necessidade do WtE. Em 2022, na União Europeia, apenas 5% dos plásticos coletados de forma mista foram reciclados, enquanto 38% foram enviados a aterros. Globalmente, em 2019, a taxa de reciclagem de plástico foi de apenas 6,5%. Na Itália, em 2023, 66% dos plásticos coletados foram reciclados, e o restante (Plasmix) foi usado para recuperação energética devido ao seu alto poder calorífico. 

O potencial energético do WtE é significativo: na Europa, essas usinas fornecem eletricidade para 20 milhões de pessoas, com aquecimento urbano para 17 milhões anualmente. Comparando com a captura de metano em aterros sanitários, cuja eficiência é estimada em média 48% do metano produzido, e gera cerca de 0,268 MWh/tonelada de RSU, as usinas de WtE alcançam exportação líquida de calor de 0,889 MWh/tonelada de RSU, uma eficiência mais de três vezes superior. 

A disposição de resíduos em aterros acarreta em perda irreversível de recursos e ocupação de terras valiosas. Em Malta, estima-se que uma usina WtE que trate 32.500 kg/h de resíduos poupe entre 13.500 e 17.000 m² de uso de solo. Além disso, os custos pós-fechamento de aterros, como o caso do Am Brenten (Alemanha), persistem por décadas, com riscos à saúde pública. No Reino Unido, estudo aponta que 80% da população vive a menos de 2 km de um aterro ativo ou fechado, estando exposta a riscos de malformações congênitas e baixo peso ao nascer. 

Os lixiviados dos aterros, contaminados por substâncias tóxicas como PFAS, causam contaminação de solos e águas subterrâneas. Um estudo no Reino Unido detectou níveis de PFAS 260 vezes acima do seguro para consumo humano. Em contraste, o WtE elimina esse passivo ambiental ao tratar os resíduos imediatamente, sob condições controladas. 

Por fim, segundo o IPCC, os benefícios ambientais e econômicos do WtE justificam seus altos custos de implantação. A recuperação energética não apenas reduz a dependência de aterros, mas também gera energia, recupera materiais valiosos e evita externalidades negativas como metano, chorume e ocupação de terras. A ISWA também afirma que o WtE é a solução preferencial para tratar resíduos não recicláveis em grandes centros urbanos, onde os desafios ambientais e de saúde são mais críticos. 

O uso de aterros sanitários como tecnologia para a destinação de resíduos orgânicos biodegradáveis não é uma solução sustentável. Ter essa tecnologia como única opção é um equívoco, pois os resíduos orgânicos contidos no lixo causam impacto ambiental significativo, tanto no solo como na água e na atmosfera.  Adicionalmente, o tratamento inteligente do lixo, passando por reciclagem e reaproveitamento energético, além de reduzir o impacto ambiental, gera receitas e vantagens pela produção de energia elétrica e biocombustíveis, em linha com as premissas da sustentabilidade. 

Desta forma, é imprescindível que políticas públicas fortaleçam a implantação do WtE no Brasil, desestimulando a prática única de disposição em aterros e priorizando soluções que alinhem sustentabilidade, eficiência e responsabilidade ambiental. 

* Prof. Dr. Fabio Rubens Soares é engenheiro químico pela Oswaldo Cruz, doutorado em energia pela UFABC e pós-doutorado em bioenergia pela USP. 

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e e data da publicação.

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat