A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, por unanimidade dos votantes, a emissão de uma resolução normativa com as regras do “mecanismo de tratamento excepcional” na gestão de outorgas de geração e dos contratos de uso do sistema de transmissão (Cust) das renováveis.
A regra aprovada hoje, que ficou conhecida no mercado como anistia ou dia do perdão, prevê a rescisão amigável de outorgas de projetos que não serão viabilizados, além da postergação de prazo, em até 36 meses, de projetos que busquem a regularização.
Os agentes terão até 28 de juho para entregar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) o termo de declaração de interesse em postergação/rescisão dos contratos. As garantias financeiras deverão ser apresentadas ao operador até 1º de setembro, e os prazos para implantação de todas as unidades geradoras dos projetos “regularizados” serão estendidos em 36 meses.
Polêmicas
Mesmo com a postergação de início da vigência da entrada em operação dos projetos, esses agentes precisarão pagar o encargo de uso do sistema de transmissão a partir da data em que o contrato entraria em execução originalmente.
A grande vantagem está para aqueles que já têm Cust em execução, mas protegidos por liminares, uma vez que, em caso de adesão, os valores devidos poderão ser pagos apenas no futuro, quando os projetos entrarem em operação e a geradora estiver gerando caixa.
Outro ponto importante é que a regra valerá para aqueles com Cust “em execução”, ou seja, contratos que entrarão em vigor dentro do ciclo tarifário vigente, que começou em 1º de julho e vai até o fim de junho do ano que vem.
A diferença é que os projetos com Cust em execução futura, ou seja, a partir do ciclo 2024/2025, poderão pedir a postergação do pagamento do encargo de transmissão, caso se enquadrem nos critérios previstos nas Regras de Transmissão de Energia Elétrica.
Se a Aneel tivesse decidido a regra até o fim de junho, isso valeria também para os empreendedores com projetos que entrarão em operação ao longo deste ciclo. Da forma aprovada, contudo, mesmo um empreendimento que só vá entrar em operação em junho de 2024 não poderá postergar o Cust.
Regularização
O processo estava parado desde que o diretor Fernando Mosna pediu vista, em 20 de junho, por discordar do voto do relator, o direto Hélvio Guerra, que só previa a rescisão de contratos, e deixaria a regularização para acontecer depois de uma segunda fase de consulta pública.
Em seu voto vista, que foi acompanhado pelos demais diretores, Mosna ampliou o escopo do mecanismo, que passou a prever a regularização dos cronogramas de projetos, com Cust em execução ou de execução futura.
Segundo Mosna, atualmente, os 6,12 GW em montantes de uso do sistema de transmissão (Must) judicializados para não pagar o encargo implicam em R$ 180 milhões em valores não pagos, com aumentos mensais da ordem de R$ 29,9 milhões. Desse total, apenas a metade, 3,34 GW, declararam intenção de aderir ao mecanismo em discussão pela Aneel num primeiro momento, quando tratava apenas da rescisão de contratos.
O diretor entendeu, a partir disso, que a regularização com postergação de outorga seria essencial para equacionar os 2,77 GW restantes em contratos judicializados, além de mais 7,66 GW em projetos com Cust em execução, com pagamentos feitos mensalmente, mas que poderiam ir à Justiça, “aumentando o risco percebido pelos demais usuários do sistema de transmissão”.
A proposta de Mosna, acatada pela diretoria, previa a adoção do limite de 36 meses para postergação dos contratos, mantendo a cobrança do encargo de transmissão por esses agentes.
Garantias e parcelamento
Para aumentar a probabilidade dos agentes com Cust em execução que tenham decisão liminar para não efetuar os pagamentos, ele propôs que a cobrança dos valores até então suspensos possa ser diferida para uma data posterior à entrada em operação comercial dos projetos, uma vez que esses valores não foram considerados no cálculo tarifário do ciclo de 2023/2024, e não trariam impactos adicionais no ciclo vigente.
Além disso, ele propôs que os valores diferidos possam ser parcelados em atpe 12 vezes, limitados ao ciclo de faturamento vigente ao início da cobrança.
Para aumentar a segurança da Aneel em potenciais casos de inadimplência, ficou definida a adoção de garantias financeiras correspondentes a 40 meses do encargo de uso do sistema de transmissão, o Eust, exigíveis até a entrada em operação comercial dos projetos.
Contratos regulados
A regra aprovada hoje também prevê um mecanismo para que os geradores com contratos de compra de energia no mercado regulado (CCEARs), firmados por meio de leilões, possam rescindir esses contratos e assim aderir ao mecanismo de “anistia” aprovado.
Segundo Mosna, dados disponibilizados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) indicam que 427,6 MW em projetos que venceram energia em leilões, com início de suprimento em 2025, não tiveram as obras iniciadas, e poderão aderir ao mecanismo.
A condição para isso, contudo, é que os CCEARs também sejam rescindidos, o que poderá ser feito por meio do Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits (MCSD).
O diretor explicou que sua assessoria entrou em contato com a CCEE e confirmou que poderá ser feito um MCSD excepcional de Energia Nova com prazo de cinco anos à frente, podendo descontratar CCEARs a partir de 2025.
A CCEE deve enviar comunicado aos agentes sobre a rodada em 14 de julho, e o processamento deve acontece até 3 de agosto, com divulgação dos resultados definitivos até 14 de agosto.
O bom é inimigo do ótimo
Após a leitura do voto com a proposta do diretor Mosna, os demais diretores da Aneel presentes na reunião se mostraram satisfeitos, em contraste com a posição do dia 20 de junho, quando não enxergavam espaço para que o mecanismo excepcional tratasse, de cara, da regularização dos contratos.
“O ótimo é inimigo do bom. Acho que poderíamos até pensar em critérios diferentes para a regularização de quem teve obra iniciada, mas não da mais pra continuar discutindo, temos que andar, e isso está muito robusto”, disse a diretora Agnes da Costa.
A diretora afirmou que o voto “evoluiu bastante” e teve a preocupação de mostrar “o todo” aos agentes para fazer “a melhor escolha possível”.
O diretor Hélvio Guerra afirmou que a solução poderia tratar também daqueles projetos que tiveram os contratos rescindidos, e que poderia ser viáveis do ponto de vista de outorga. “Temos a possibilidade de troca de controle, eventualmente isso pode viabilizar um empreendimento”, disse.
A diretora Agnes da Costa, contudo, afirmou achar isso complexo, pois falta um estudo que indique que a linha de corte e dê fundamentação técnica para a mudança, ponto que foi apoiado pelos demais diretores.
(Atualizado em 11/07/2023, às 11h45)