
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está discutindo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e com os agentes formas de aumentar a flexibilidade na operação com aproveitamento de recursos existentes, incluindo cerca de 6 GW em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e térmicas a biomassa, que podem ter capacidade de resposta de flexibilidade, ajudando a tornar a operação mais segura.
O objetivo é garantir atendimento do vale de carga, especialmente aos finais de semana, quando o consumo de eletricidade despenca e o operador enfrenta desafios para garantir o equilíbrio entre carga e geração, por conta do crescimento contínuo da micro e minigeração distribuída (MMGD) e de outras fontes inflexíveis, além do pico e da rampa de carga no fim do dia, que também tendem a crescer nos próximos anos.
“Estamos trabalhando para explorar outros recursos de flexibilidade que, hoje, não estão disponíveis”, afirmou Christiano Vieira, diretor de Operação do ONS, em entrevista à MegaWhat.
Aumentar a flexibilidade do sistema é fundamental, considerando a entrada cada vez maior de projetos de geração não despacháveis em operação, especialmente sistemas de MMGD, em que o operador não tem nenhuma gestão – a energia gerada por essas instalações é descontada da carga bruta, que é onde o ONS consegue atuar.
Geração em baixa e curtailment ao máximo
O desafio é maior em dias de carga baixa, como fins de semana, porque a carga líquida fica tão baixa que o operador precisa acionar todas as ferramentas disponíveis para manter geração e consumo equivalentes, para que a frequência fique estável nos 60 Hz.
Em 4 de maio, um domingo, a carga líquida ficou tão baixa durante o período entre 10h30 e 11h, que o ONS teve que cortar 96% da geração renovável disponível, além de minimizar toda a geração hidráulica possível. A carga total, que chegou ao piso de 62,4 GW, foi atendida majoritariamente com termelétricas inflexíveis, PCHs, hidrelétricas e pela MMGD.
Em 10 de agosto, domingo em que foi comemorado o dia dos pais, a situação foi semelhante. Entre 13h e 13h30 a carga bruta chegou a 57,8 GW, sendo que 21,7 GW, ou 38%, foi atendido por MMGD. Naquele momento, além de minimizar a geração hídrica ao máximo possível, o ONS precisou desligar 100% da geração eólica e solar do sistema para manter a frequência e evitar um blecaute. A rampa no fim do dia, por sua vez, foi de 44 GW.
“Tem algumas gerações que não podem ser reduzidas porque têm inflexibilidade. Por exemplo, hidrelétricas tem inflexibilidade na vazão sanitária, aquela vazão natural que o rio tem de fluir, tem um montante mínimo que você tem de defluir naquele reservatório, naquela cascata”, explicou Vieira.
Nos episódios registrados, o ONS conseguiu manter uma margem de cerca de 2 GW de regulação da oferta disponível. Os próximos passos, se a geração inflexível fosse maior ou a carga caísse ainda mais, poderiam envolver pedir de forma extraordinária que alguma térmica ajustasse a geração, mesmo com inflexibilidade, e abrir os vertedouros de hidrelétricas para liberar água sem gerar energia elétrica.
Flexibilidade e modulação adicional ao sistema
É por isso que o operador também trabalha para viabilizar mais flexibilidade na geração. Além dos leilões de reserva de capacidade, que devem contratar esses recursos por meio de novas termelétricas e armazenamento de energia, principalmente, o ONS está avaliando como aplicar uma modulação limitada em algumas instalações existentes que são conectadas diretamente na rede das distribuidoras, como as PCHs e algumas térmicas a biomassa.
“Nós temos cinco, seis GW de pequenas centrais hidrelétricas e pequenas termelétricas a biomassa, que poderiam ter uma capacidade de resposta de flexibilidade limitada, mas que podem ser moduladas por uma ou duas horas. Eventualmente, nesse pico de geração solar, elas poderiam antecipar a geração uma hora ou postergar por uma ou duas horas”, explicou.
O ONS tem trabalhado nessa estratégia com a Aneel e com os agentes, a fim de identificar “a melhor estratégia para incorporar mais flexibilidade” e garantir que o sistema tenha uma margem de regulação “confortável”.
“Não podemos deixar de sempre informar que os desafios estão presentes. Se olharmos a micro e minigeração distribuída, ela tem uma taxa de crescimento muito acelerada, então se a gente não indica agora a tendência de aumento do vale de carga, demandando recursos flexíveis adicionais, esses recursos podem não aparecer ou não serem contratados”, afirmou.
As usinas em questão são conectadas na rede das distribuidoras, mas ficam numa faixa de tensão mais elevada, de 69 ou 138 kV, o que significa que as distribuidoras têm controlabilidade esses ativos a partir de seus centros de operação. “Em algumas distribuidoras, para alguns casos específicos, já temos normatizado rotina, na fronteira entre a rede de operação do ONS e a rede da distribuidora”, relatou.
O debate com a Aneel é sobre ampliar a abrangência dessa coordenação para que a gestão se torne uma ferramenta de uso mais amplo para ajudar no controle de margem de regulação, trazendo flexibilidade ao sistema.
O futuro do sistema e o DSO
A MMGD, porém, fica conectada num nível de tensão menor, então para que o operador ou as distribuidoras tenham algum tipo de gestão dos ativos, será preciso incorporar nova tecnologia na operação e alterar a regulamentação do setor.
Isso pode aparecer no contexto da criação do DSO, sigla para Distribution System Operator, que funcionaria como um “ONS da baixa tensão”, coordenando não apenas a geração distribuída, mas também baterias, carros elétricos e até mesmo o consumo de energia de grandes indústrias.
“A ideia de você ter um operador do sistema de distribuição é ter alguém que, eventualmente, pode não só coordenar geração, mas coordenar carga, coordenar resposta da demanda, coordenar armazenamento, todos os recursos energéticos distribuídos”, explicou.