
Durante a cúpula do Mercosul em Buenos Aires, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente paraguaio Santiago Peña se comprometeram com a retomada das conversas sobre o Anexo C do Tratado de Itaipu, suspensas há três meses em meio a um escândalo de espionagem.
Segundo o Palácio do Planalto, o encontro bilateral ocorreu na manhã de quinta-feira, 3 de julho, na Residência da Embaixada brasileira em Buenos Aires, onde os dois presidentes discutiram a ampla agenda de infraestrutura entre os países e reiteraram “o respeito e o diálogo como princípios fundamentais da relação entre os dois países”.
Suspensão das negociações
As negociações sobre o Anexo C, que trata da comercialização da energia gerada pela usina binacional, foram suspensas pelo Paraguai em abril após uma reportagem do UOL revelar ações de espionagem por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em busca de informações sigilosas justamente sobre o Anexo C da usina.
As “ações hacker” teriam ocorrido entre junho de 2022 e março de 2023, segundo a reportagem. Quando a história veio à tona, o Itamaraty reconheceu que houve espionagem, autorizada pelo governo de Jair Bolsonaro e suspensa pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.
Diante da confirmação do governo brasileiro, o Paraguai suspendeu as negociações sobre o Anexo C, que estabelece as condições de partilha da energia excedente gerada pela empresa binacional.
Pressão brasileira
Antes da retomada anunciada ontem, o Brasil havia intensificado a pressão sobre o Paraguai para concluir as negociações. Em maio, durante uma reunião do conselho de administração da usina binacional, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, registrou sua preocupação com o tratamento demonstrado pelos paraguaios e cobrou a conclusão das negociações.
Segundo fontes com conhecimento da reunião, Silveira falou em violação do compromisso assinado há um ano e afirmou que se o processo não fosse concluído no prazo, o acordo estaria em xeque, inclusive a fixação da tarifa da usina em US$ 19,28 por kW.mês em 2024, 2025 e 2026.
O que está em jogo
O Anexo C trata da comercialização da energia gerada pela usina binacional, que é dividida igualmente entre os dois países, com a venda do excedente paraguaio ao Brasil. O tratado venceu em 2023, após 50 anos de vigência, e até hoje as partes não chegaram a um acordo definitivo.
O Brasil paga um preço estabelecido diplomaticamente por essa energia, que banca não só a energia da usina, mas também destina recursos aos chamados gastos socioambientais da usina, tema sempre polêmico nos dois países.
Em maio de 2024, os governos do Brasil e Paraguai chegaram a um acordo sobre a tarifa, fixada em US$ 19,28/kW.mês, depois de uma disputa em que o Paraguai queria US$ 22/kW, enquanto o Brasil defendia a manutenção em US$ 16,71/kW.
O arranjo prevê mudanças importantes a partir de 2027, quando a expectativa é que a energia excedente não seja mais compulsoriamente comprada pelas distribuidoras brasileiras. O Paraguai precisaria vender em contratos bilaterais no mercado livre, sem garantia do preço atual mais atrativo.