Ao mesmo tempo em que o Brasil tem recursos naturais em abundância para liderar a transição energética, o setor elétrico brasileiro sofre as consequências de “distorções graves, com impactos devastadores” com relação à tarifa de energia, disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
O ministro participou nesta quarta-feira, 3 de maio, de uma audiência na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, quando respondeu perguntas dos parlamentares sobre os mais diversos assuntos.
Confira o que mais o ministro disse durante a audiência, que durou cerca de cinco horas:
Segundo o ministro, “a abertura do mercado tinha que ser mais criteriosa para ser mais justa”, e da forma como foi feita “impôs ao setor como um todo um desequilíbrio”, para o qual uma proposta de correção será apresentada “em breve”.
As críticas se referem ao fato que os consumidores de maior poder aquisitivo têm investido cada vez mais em geração distribuída, enquanto os grandes consumidores migraram para o mercado livre – todos esses contando com subsídios que acabam sendo pagos, em maioria, por aqueles que ficam no mercado cativo, das distribuidoras.
Alexandre Silveira destacou que atualmente, com os reservatórios das hidrelétricas cheios, o país tem sobras estruturais de energia limpa.
“Mas isso causa um grave desequilíbrio social no país, e a medida que a geração distribuída e as renováveis avançam, estamos tirando os consumidores de classe média para cima do mercado regulado, das distribuidoras, e a conta só fica para a classe média para baixo”, disse.
Segundo ele, dificilmente será possível agradar todos, mas é importante que as distorções sejam tratadas com objetividade no Congresso. “Acho que fizemos uma grande colcha de retalhos, e a perspectiva de aumento de tarifa é assustadora”, disse. “Se cada um puxar a colcha para um lado, no médio prazo teremos o colapso da tarifa de energia”, completou.
Modelo regulatório
Também presente na audiência, o secretário de Energia Elétrica Gentil Nogueira apontou que o modelo regulatório bastante diversificado entre as concessões de distribuição é muito desafiador no médio prazo.
“Estamos trabalhando arduamente nesse tema. É um setor que passa por um processo de transformação muito grande, em que o consumidor tem tomado opções pelo modelo de geração distribuída e pelo mercado livre, o que traz desafios ao setor no curto prazo. A delicadeza com o processo com as concessões de distribuição é algo que o Ministério de Minas e Energia vem trabalhando arduamente nos primeiros meses do governo”.
Expansão da GD
Quanto ao mercado de GD, o secretário destacou que, enquanto os estudos do governo apontavam para uma capacidade instalada de 16,8 GW ao final de 2023, o montante já foi superado e hoje chega a 20,7 GW.
Segundo Nogueira, 12,8 GW de capacidade instalada de GD devem ser liberadas pelas distribuidoras ainda neste ano, frente aos 30 GW aguardando parecer de acesso. Por isso, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) terá, em 2023, o desafio de estabelecer as premissas para valoração dos benefícios conforme previsto pela lei 14.300, conhecida como marco legal da GD.
PL 414
O Projeto de Lei 414, que trata da modernização do setor de energia e vem sendo discutido com a sociedade desde 2017, “pode ser um PL de soluções das distorções”, disse o ministro Silveira.
Segundo ele, a pasta vai fazer contribuições ao texto já aprovado no Senado em 2021 e que está parado até hoje na Câmara, “propondo questões objetivas para buscar soluções de equilíbrio no setor elétrico”.
PCS
O maior problema do Procedimento Competitivo Simplificado (PCS), leilão emergencial realizado em outubro de 2021, em plena crise hídrica, foi contratar termelétricas inflexíveis, despachadas na base, destacou o ministro Alexandre Silveira.
Para ele, esse foi um dos mais graves problemas que encontrou quando assumiu o MME, e que as soluções deverão seguir o “mantra” do setor de energia, que é de respeitar os contratos.
A solução para o impasse, segundo Silveira, envolve uma negociação amigável para que os contratos se tornem flexíveis, e as usinas só sejam acionadas caso o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) as despache. “Poderíamos discutir o pagamento do custo fixo, e ela só seria acionada em caso de necessidade”, disse.
Acordos com a China
De acordo com o ministro, não é “razoável” que 100% dos painéis fotovoltaicos em uso no Brasil sejam importados da China. Ele defendeu uma política de conteúdo local para esses equipamentos.
Uma das possibilidades de nacionalizar parte da cadeia seria a criação de joint ventures com empresas da China, “para que a gente produza parte dos investimentos no país, gerando emprego e renda”.
Estímulos ao hidrogênio verde
Enquanto os Estados Unidos e a União Europeia estão implementando políticas de estímulo à transição energética e às renováveis, o governo brasileiro estuda uma forma de aproveitar créditos tributários que as empresas de energia têm para incentivar novos projetos.
Segundo o ministro Alexandre Silveira, os estudos têm sido feitos junto do Ministério da Fazenda, e visam aproveitar R$ 800 milhões em créditos que as empresas têm e não conseguem receber da União.
“Propomos um programa que, a cada crédito usado, elas invistam o mesmo valor”, disse, sem maiores detalhes. Segundo ele, não havera renúncia fiscal, pois o governo será sócio dos projetos. “E as empresas que tenham disposição poderão usar os créditos colocando o mesmo valor para investir em transição energética. Isso está muito avançado, é revolucionário e vai representar o subsídio que não temos para dar”, disse.
Refinarias
O projeto do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva envolve fortalecer a Petrobras e aumentar investimentos em transição energética e refino de combustíveis no Brasil, disse o ministro.
Segundo ele, o país pode ser tornar autossustentável em gasolina e óleo diesel no longo prazo, e uma das prioridades será modernizar e investir nas refinarias.
O papel da Petrobras
Para isso, o papel da Petrobras será definitivo, apesar de reconhecer que a empresa é uma sociedade de economia mista, com sócios privados minoritários. “O governo vai respeitar a governança da empresa, mas não vai abrir mão de que ela cumpra seu dever com o país”, disse.
De acordo com Silveira, nas eleições do ano passado, a população brasileira escolheu o projeto que tem na petroleira uma indutora de crescimento econômico, com investidores de longo prazo.
“Nosso governo já decidiu, vamos valorizar o conteúdo local, questões estratégicas, e teremos mão firme para que a Petrobras cumpra seu papel social”.
Gás natural
Para o ministro, a Petrobras “boicota claramente” o escoamento do gás do pré-sal. Ele ilustrou a fala com os atrasos para conclusão da Rota 3 e com a “falta de modernização” das unidades de processamento de gás natural (UPGNs) da costa brasileira.
Segundo ele, são investimentos de R$ 7 bilhões em infraestrutura que vão resultar em R$ 350 milhões por ano ao país com a exploração do gás do pré-sal.
Eletronuclear
O ministro Alexandre Silveira também defendeu a nomeação de Raul Lycurgo Leite como presidente da Eletronuclear, apesar das queixas de congressistas que ele não teria a experiência necessária com o setor para conduzir a estatal.
Segundo o ministro, Lycurgo tem “vasta experiência” na gestão pública e passagem pelo setor elétrico, no qual foi diretor da Cemig e presidente da Taesa.
“Me comprometo a fazer interlocução com a nova direção [da Eletronuclear] que se consolidará nos próximos dias. Reconheço a necessidade de debate e da participação ativa da bancada do Rio de Janeiro nesse debate, pelo que representa especificamente para o Rio de Janeiro”, afirmou.
Angra 3
Em relação às obras da usina nuclear de Angra 3, Silveira destacou que já foram investidos R$ 7,8 bilhões nas obras, e que o BNDES estima que ainda serão necessários mais R$ 20 bilhões na conclusão da obra.
“A energia é inflexível, constante, então é fundamental para a questão da segurança energética, mas temos que ser cuidadosos com o equilíbrio que precisamos e buscar segurança energética e modicidade tarifária” alertou.
Ele destacou que a tarifa da usina nuclear deve ser da ordem de R$ 726/MWh, muito acima da média da tarifa do mercado regulado, quando não se considera junto os custos de transmissão e distribuição de energia, por exemplo. “Não digo que isso viabiliza ou inviabiliza a decisão de concluir a obra de Angra 3”, completou.
Tamanho do MME
Segundo Silveira, apesar de ser “um dos mais importantes ministérios da esplanada”, o MME é também um dos menores, em termos de verbas e número de funcionários.
Ele destacou que a pasta tem a gestão de políticas públicas por meio de oito estatais, incluindo a Petrobras, e quatro agências reguladoras.
“É um ministério formulador de política pública, mas que não implementa, tem um perfil diferente dos demais, executores do orçamento público. Temos um dos menores orçamentos da esplanada, praticamente de custeio, com dificuldade em quadro de pessoal”, disse.
Expansão da transmissão
O ministro ressaltou que o governo está preparando leilões de linhas de transmissão que vão envolver mais de R$ 50 bilhões em investimentos, a fim de escoar a energia renovável do Nordeste para onde a carga se concentra, no Sudeste do país.