
De encontrar a agulha no palheiro à elaboração de um relatório com mais de 600 páginas sobre a apuração das falhas que levaram ao apagão de 15 de agosto de 2023, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) ainda esbarra no saneamento dos dados e modelos das usinas eólicas e solares para ampliar a área de segurança do Sistema Interligado Nacional (SIN) e reduzir os cortes de geração.
Problemas nos modelos dessas usinas estão entre os dados errados que levaram ao evento, que deixou quase o país todo no escuro, e demorou semanas para ter a causa elucidada.
Até entender o evento, o ONS aumentou a cautela na operação do sistema, reduzindo a capacidade de intercâmbio entre submercados exportadores (Norte e Nordeste) e importadores (Sul e Sudeste/Centro-Oeste). A consequência direta foi um aumento expressivo do curtailment. Embora os problemas mais urgentes tenham sido resolvidos e os limites de transmissão elevados, o ONS ainda não conseguiu terminar o saneamento da base de dados para ter uma operação robusta, com modelos computacionais que sejam totalmente aderentes à realidade.
Segundo o diretor de Planejamento do ONS, Alexandre Zucarato, foram identificados problemas de supervisão do sistema, coordenação de proteção, autorrestabelecimento e no esquema de alívio regional de carga (Erac). Do relatório da perturbação de agosto de 2023, das 393 providências, 264 foram resolvidas. A maior parte daqueles não resolvidos está justamente em equipamentos das fontes eólica e solar fotovoltaica.
“Dois terços do total. Só que é impressionante quando a gente recorta aquilo que são os problemas tradicionais do RAP [Relatório de Análise de Perturbação] e aquilo que envolveu a geração conectada com inversor, basicamente eólica e solar. Se eu recortar o que está envolvido com eólica e solar, nós já fechamos 97% das carências do RAP”, disse o diretor do ONS.
Nessa fase ‘final’ do RAP, Zucarato ressalta que, das 110 providências relacionadas aos modelos desses geradores, só oito foram concluídas. “Então eu continuo com um problema enorme de ter que usar uma base de dados que está sendo usada e desenvolvida com base no gabarito que foi a resposta daquele aparelho”.
Até o momento, dois modelos foram validados pelo operador e que representam, respectivamente, 25% da base eólica e 12% da base solar.
Adicionalmente, o prazo das providências dos geradores para o RAP já está vencido há bastante tempo. Ao longo do ano passado, foi elaborado um novo roteiro para esse tipo de validação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e ONS, com prazos mais alongados para conclusão desse trabalho, envolvendo marcos que eram do final de 2024 até o final de junho.
ONS não faz cortes por ‘boniteza‘
“Lembro de uma anedota do sapo, que disse que ele não pula por boniteza, ele pula por precisão”, citou Alexandre Zucarato para falar da prioridade dos cortes de geração das renováveis. É o caso do curtailment, que só é feito por precisão, ou necessidade do sistema.
Zucarato explicou que os modelos computacionais usados pelo ONS na operação permitem que o sistema seja testado ao limite, indo até o colapso com a perda de um ou mais elementos, que possam ser controlados por meio de um Erac, sem um blecaute generalizado.
“A gente faz isso em ambiente de simulação, estressa em simulação, até a beira do precipício, onde na simulação o sistema colapsa, a gente dá um passo para trás e coloca um ‘guarda-corpo’. Isso desenha uma ‘região de segurança’, que é passada para o pessoal da operação na programação ou no tempo real”, contou.
No dia do apagão de 15 de agosto de 2023, em tese, a operação era segura, mas o sistema caiu porque os dados inseridos nos modelos não eram aderentes à realidade.
Segundo ele, os cortes aumentaram desde então porque a “região de segurança” reduziu. Mesmo assim, no entendimento do diretor do ONS, o curtailment acabaria acontecendo impreterivelmente, visto que a dinâmica do sistema mudou: a geração cresce mais rápido que carga e do que a transmissão.