Um parque eólico offshore necessita, em geral, de um volume oito vezes maior de minerais críticos (por exemplo: cobre, zinco e manganês) do que uma termelétrica a gás natural de capacidade instalada semelhante, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Da mesma forma, um veículo elétrico utiliza seis vezes mais minerais críticos do que carros com motor de combustão interna.
Os dados da IEA evidenciam o potencial da indústria de minerais críticos, cuja demanda deverá crescer seis vezes até 2040, impulsionada pelo movimento de grandes potências mundiais em busca da neutralidade de emissões de gases do efeito estufa e da transição energética – temas previstos para serem tratados na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), em novembro, em Glasgow, na Escócia.
Esses pontos são contemplados em estudo inédito lançado este mês pela Catavento Consultoria, às vésperas da principal cúpula da ONU para o debate sobre questões climáticas. O documento alerta para o risco de escassez e de alta dos preços desses minerais, como um dos três principais desafios para a cadeia de valor de minerais críticos em âmbito global. Os outros dois são a necessidade de assegurar práticas responsáveis na cadeia de valor da mineração e a concentração geográfica desses recursos minerais.
Oferta e demanda
Com relação ao desequilíbrio entre oferta e demanda de minerais críticos, o estudo indica que a produção prevista de projetos existentes ou em construção deve atender apenas 50% da demanda de lítio e 80% da demanda de cobre em 2030. “Essa potencial escassez pode levar a alta de preços”, aponta o estudo, assinado por Clarissa Lins, presidente da consultoria, Guilherme Ferreira e Pedro Guedes.
Para se ter uma ideia, a gigante energética italiana Enel anunciou na última semana o compromisso de triplicar a capacidade de geração de energia renovável, de 49 gigawatts (GW), em 2020, para 145 GW, até 2030, e atingir 20 terawatts-hora (TWh) de armazenamento de energia em baterias, no mesmo horizonte.
Segundo Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), com a expansão da digitalização, elementos de terras raras, que hoje já são utilizados em baterias, imãs e motores, serão mais requisitados no mercado, por possuírem diversas aplicações e estarem presentes nos mais variados dispositivos elétricos e eletrônicos.
“Com o desenvolvimento da eólica offshore no país, essa busca por tais materiais será intensificada. Quando olhamos o futuro, nós vemos, portanto, que haverá uma maior competição por esses produtos e isso pode gerar um desafio importante para a cadeia. E isso é algo que as empresas já estão pensando desde agora”, disse a executiva.
De acordo com recente estudo do Joint Research Centre (JRC), da União Europeia, a demanda global por terras raras passará de cerca de 52,7 mil toneladas, em 2018, para 1,153 milhão de toneladas, em 2050.
Elbia, no entanto, ressalta que já há estudos sendo realizados para reduzir o conteúdo de terras raras em geradores de imã permanente para turbinas, por exemplo. “O próprio mercado tem se movimentado no sentido de evitar o risco de abastecimento destes tipos de materiais e o risco de afetar a sustentabilidade do setor, com a própria substituição destes por outros elementos. Este é um movimento importante”, afirmou.
Uso de minerais críticos por tipo de tecnologia de energia elétrica:
Mineral |
Tecnologia
|
||||
|
Baterias e veículos elétricos | Paineis solares | Turbinas eólicas | Rede elétrica | Eletrolisador para produção de hidrogênio e célula de combustível |
Cobalto | √ | ||||
Cobre | √ | √ | √ | √ | |
Ferro | √ | √ | |||
Chumbo | √ | √ | |||
Lítio | √ | ||||
Manganês | √ | √ | |||
Molibdênio | √ | √ | |||
Níquel | √ | √ | √ | √ | |
Terras raras | √ | √ | √ | ||
Estanho | √ | √ | |||
Zinco | √ | √ |
Fonte: Catavento Consultoria / IEA
Concentração geográfica
O segundo desafio diz respeito à concentração geográfica dos recursos minerais. De acordo com o estudo da Catavento Consultoria, a concentração geográfica pode tornar as cadeias de abastecimento mais vulneráveis à instabilidade política e catástrofes ambientais, como terremotos e inundações.
No caso do lítio, por exemplo, o estudo indica que Austrália, China e Chile respondem por 85% da oferta do insumo. Com relação ao níquel, Filipinas, Índia e Rússia preenchem 53% da oferta, enquanto o Chile, juntamente com a China e Peru, detém 50% da oferta de cobre. Para efeito de comparação, na indústria de petróleo, os três maiores produtores (Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia) representam menos da metade do mercado (42%).
“Algumas tecnologias de energia limpa são altamente expostas aos custos de minerais”, indica o estudo, ressaltando que os minerais críticos são responsáveis por 38% do custo total de baterias de veículos elétricos e de 20% do custos totais das redes de energia elétrica.
Para lidar com a questão da concentração geográfica, Clarissa Lins e Guilherme Ferreira explicaram à MegaWhat que entre as alternativas adotadas por alguns países estão o desenvolvimento de novas reservas, o estímulo à reciclagem e a realização de pesquisas em novos minerais substitutos. Além disso, demandas crescentes por práticas responsáveis em mineração tendem a promover uma migração dos países com maior instabilidade política e social para países aderentes aos principais padrões globais.
Boas práticas
Com relação às boas práticas, o estudo indica a importância de reforçar práticas e padrões de uma mineração responsável. “Globalmente, há uma preocupação crescente na sociedade em relação aos impactos negativos associados a algumas atividades minerais”, diz o estudo
Entre as indicações nesse sentido, o estudo sugere o apoio à igualdade de gênero nas atividades de mineração e a promoção de pagamento justo por horas trabalhadas, além do respeito à população indígena, entre outros pontos. Em outra frente, investidores podem exigir comprovação de rastreabilidade da cadeia de suprimento.
Segundo Márcio Pereira, sócio da área Ambiental do escritório BMA, o alerta feito pela Catavento está diretamente relacionado ao tema da sustentabilidade. Segundo ele, é preciso olhar para a questão de forma global. “A teia da sustentabilidade que se forma é extremamente complexa. Você tem que cobrir todas as pontas. É preciso entender o problema de ponta a ponta”, explica o especialista.
Para Márcio Pereira, do BMA, a sustentabilidade deve ser vista de forma global
Brasil
A Catavento Consultoria também analisou a situação brasileira com relação ao tema. Uma das constatações é que o país está bem-posicionado em termos de volume de reservas de minerais como terras raras e lítio. Além disso, o Brasil também pode se beneficiar de seu relacionamento comercial com potências globais no setor de commodities. Por exemplo, a China responde por 62% e 54% das exportações de minério de ferro e petróleo brasileiros, respectivamente. A demanda doméstica também pode ser relevante para o abastecimento brasileiro de minerais críticos, devido ao avanço da transição energética também no país.
No entanto, os especialistas da Catavento pontuam que, para capturar essas oportunidades, o Brasil precisa solucionar gargalos na extração e produção.
De acordo com Clarissa e Guilherme, o Brasil precisa fazer o “dever de casa”, garantindo a modernização regulatória do setor, para assegurar um ambiente estável e competitivo, capaz de atrair novos investimentos privados, estimulando pesquisa e desenvolvimento e viabilizando a inserção do setor nas economias globais.
Elbia Gannoum destaca ainda que o Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030, do governo federal, coloca as terras raras como estratégicas, bem como a pesquisa e o mapeamento destes minerais nas diversas regiões do país. “Eles serão essenciais para o desenvolvimento da indústria de alta tecnologia no médio e no longo prazos. É importante a identificação de alvos, o desenvolvimento de recursos humanos qualificados, modelos de exploração e rotas tecnológicas”, completou a executiva.
(foto: Kenueone)
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