Os mercados brasileiros enfrentam, desde a semana passada, seu pior momento em muitos anos, em meio à escalada da crise do coronavírus (covid-19). Nessa segunda-feira (16 de março), a B3 acionou pela quinta vez em seis pregões o mecanismo do “circuit breaker”, que permite a paralisação dos negócios por um período para amortecer os movimentos bruscos de mercado.
No setor elétrico, tradicionalmente de ações defensivas (ou seja, de baixo risco), o baque foi menos acentuado, mas ainda assim foi intenso o suficiente para assustar investidores acostumados à poucas variações e bolsos cheios de dividendos.
No acumulado desde o início de março, o Ibovespa recua 31,2%, enquanto o Índice de Energia Elétrica (IEE), que reúne 18 ações de empresas de energia elétrica, acumula baixa de 22,2%.
Para alguns especialistas, o tombo das elétricas é exagerado, uma vez que o setor tem fluxos de caixa previsíveis e, mesmo no cenário de recessão econômica, não deve ser tão prejudicado como outros. Um analista de um grande banco, contudo, pontua que ainda é cedo para saber qual será a mínima que as ações vão atingir. “Os efeitos serão muito mais profundos e prolongados do que o previsto inicialmente”, afirmou.
Segundo outro especialista, um fator que acaba afetando todas as empresas, mais ou menos arriscadas, é a mudança da taxa de desconto da companhia. Como a curva futura de juros do país está muito volátil, muda a exigência de retorno feita pelos investidores para entrar em uma ação muda também.
Ainda assim, a queda vista em ações de transmissão de energia, como Taesa e Cteep, já é vista como oportunidade. “Hoje a Taesa está caindo, e a receita da empresa é fixa, ajustada por inflação e sem risco de demanda. Em termos de resultados financeiro, o coronavírus não tem importância”, disse o analista, que também trabalha em um grande banco e pediu para falar sob condição de anonimato.
Segundo o Bradesco BBI, empresas vistas como de maior risco são aquelas que tiveram maior aumento nas taxas de retorno exigidas por investidores, enquanto o mercado precifica uma possível crise de crédito no mercado. As transmissoras brasileiras, por sua vez, são vistas como ativos de baixo risco.
Em relatório publicado na quinta-feira passada (12 de março), o J.P. Morgan destacou a natureza defensiva das ações de energia na bolsa. Os analistas Fernando Abdalla, Henrique Peretti e Milene Carvalho continuam preferindo ações defensivas e inelásticas, como as transmissoras Cteep, Taeesa e Alupar.
As geradoras de energia também podem apresentar bons desempenhos, apesar das baixas do mercado, uma vez que os riscos estão muito mais relacionados à hidrologia do que à demanda por energia elétrica em si.
“O preço de energia no mercado de curto prazo é muito mais sensível às chuvas do que às mudanças nas expectativas de demanda por energia. Portanto, as implicações do coronavírus e das crises de petróleo não são tão significativas para as geradoras”, escreveram os analistas Marcelo Sá, Fernando Zorzi e Gustavo Miele, do Itaú BBA, em relatório enviado a clientes na semana passada.
A maior dependência de demanda está nas empresas que atuam principalmente em distribuição de energia. “Mas, mesmo em um cenário de estresse, o que pode acontecer é que, em vez da demanda crescer 4% nesse ano, ela pode crescer algo como 2%”, disse um analista. Nos últimos anos, a demanda das distribuidoras foi afetada pela crise econômica e a recuperação não pode ser vista totalmente ainda. Então, há pouco espaço para novas quedas bruscas de consumo de energia.
Para os analistas do Itaú BBA, a queda vista nas ações de Equatorial, Energisa e Copel nos últimos dias é exagerada. As duas primeiras, embora muito expostas ao setor de distribuição, são nomes de “alta qualidade” e agora estão sendo negociadas a múltiplos atrativos. A Copel, embora seja estatal, é vista como uma empresa com uma gestão muito boa, “e deve reportar forte geração de fluxo de caixa nos próximos anos.”
Outros efeitos
Se, no mercado de ações, os efeitos do coronavírus foram sentidos antes mesmo da doença se alastrar de fato no Brasil, ainda há consequências na economia real que devem ser vistos nos próximos meses.
O setor elétrico brasileiro tem exposição limitada ao câmbio, e mesmo as empresas que fizeram captações em dólares ou euros nos últimos anos têm proteções contra a desvalorização do real (hedge). A estatal mineira Cemig é uma exceção, pois a companhia tem proteção limitada à determinada variação do dólar.
A Eletrobras é outra menos protegida, mas a estatal tem também os recebíveis em dólares da tarifa de Itaipu, o que reduz sua exposição cambial.
Outros efeitos que devem ser sentidos neste ano envolvem a desaceleração de processos de vendas de ativos e fusões e aquisições. Nesse primeiro momento, porque as empresas e bancos estão se adaptando ao trabalho remoto. Além disso, o custo de capital aumentou, o que pode inviabilizar alguns negócios.
Privatizações também ficam adiadas, principalmente aquelas que ainda dependem de aval legislativo, como a Eletrobras, pois a tendência é que essas atividades sejam suspensas.
Nos leilões, o novo custo de capital, se permanecer, vai ser refletido nos preços. Em transmissão, isso pode reduzir a competição e as taxas de deságio, que vinham muito agressivas nos últimos certames. Em geração, isso pode significar preços mais altos para a energia contratada, mas a ociosidade da indústria e a queda dos preços do petróleo podem atenuar esse efeito e reduzir os custos.
Saiba mais: