Por: Daniel Steffens
No atual cenário em que o isolamento social vem afetando intensamente a economia e o consumo de energia, o governo editou atos legislativos que consubstanciaram a elaboração de uma operação especial de crédito para prover liquidez à cadeia setorial.
Assim, temos que a Medida Provisória 950/20 foi regulamentada pelo decreto nº 10350/20 e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deu o contorno normativo ao expediente com a edição da resolução 885/20.
Dessa forma, o arranjo operacional ficou bem delineado; e se designou à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) como gestora dos fluxos financeiros advindos dos bancos que promoverão o buffer tarifário das distribuidoras a ser amortizado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Contudo, como bem dito, reiteradamente, pelo diretor-geral da Aneel, André Pepitone, a liquidez a ser propiciada pela operação pretendeu endereçar uma questão conjuntural.
Nesse ensejo, restou bem exemplificado que a regulação estatal caminha muito bem com esse escopo: na elaboração de comandos que se afiguram como emergenciais, pontuais e de enfrentamento. Desse modo, a defesa do liberalismo econômico (nos parágrafos subsequentes), não significará postular contra o Estado; mas sim, a favor da intervenção focada em emanar diretrizes públicas gerais e difusas, compliance regulatório e enforcement da fiscalização.
Todavia, alguns críticos da Conta-Covid emitiram julgamentos negativos ao equilíbrio da equação. Ocorre que, nessas hipóteses, eles se voltaram para circunstâncias inerentes ao estructo setorial. Então, convém “modular”.
Há impropriedade nesse tipo de exame, pois, conquanto o provimento regulatório visou endereçar financiabilidade (conjuntura), as críticas que aviltaram os subsídios cruzados e a assimetria alocativa entre o Ambiente de Contração Regulado e o Livre, ACR e o ACL – que, embora indiquem problemas legítimos – se revelam como questões estruturais.
Daí desponta a premente necessidade para que a agenda de modernização setorial retome protagonismo, especialmente no que toca às questões de aperfeiçoamento e abertura do mercado. Aprofundemos.
Não é demasiado asseverar que, no Brasil, carregamos uma máquina estatal PPP (paquidérmica, paternalista e perdulária), que desemboca num aparato burocrático descomunal e tributação exorbitante. Este paradigma suplica por simplificação normativa e criação de ambiente fluido de negócios.
Não obstante, para fins de amarração com os parágrafos iniciais, foquemos, por ora, apenas na atribuição das distribuidoras, como ente basilar no losango setorial (G, T, D e C).
Como a indústria da eletricidade nacional não foi completamente desverticalizada, mantém-se conjugadas as atividades de distribuição e comercialização para os consumidores menores (sob monopólio das distribuidoras). Por essa premissa de design, há concentração de riscos de contratação de energia nessas concessionárias.
Urge, dessa feita, separar as atividades de “fio” das atividades de comercialização de energia nas distribuidoras, além de afastar gradativamente os mecanismos que promovem o repasse financeiro excessivo (na forma de deficiência alocativa) que, inexoravelmente, terminam por onerar os consumidores cativos.
Registre-se: não se questiona que a modelagem de leilões que se consolidou a partir de 2004 foi fundamental para assegurar a confiabilidade sistêmica e constituiu elemento fundamental do vetor expansionista.
Entretanto, é incontestável que o avanço tecnológico, a penetração das renováveis na matriz e o benchmarking em relação aos modelos mais liberalizados ao redor do mundo nos oferecem um sinal difícil de ser ignorado.
Logo, é inadiável a mitigação de monopólios via concorrência e a viabilização de uma formação de preços mais fidedigna.
Vale somar a estes, o advento do retail wheeling e o combate aos subsídios cruzados, pela básica noção de que, se há elevada transferência regulatória, há, também, impossibilidade do oferecimento de melhores preços.
Com a aplicação bem ajustada do clássico laissez-faire, estará pavimentado um caminho alvissareiro para o Setor Elétrico Brasileiro (SEB). Planejamento indicativo, sim. Planejamento de intervenção centralizada para constrição das forças de mercado por decreto estatal: não, obrigado.
Daniel Steffens é advogado especialista em Direito Regulatório de Energia, Professor da disciplina de Legislação do Setor Elétrico, no curso de Gestão de Ativos de Energia, da FIA Business School.
Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.
As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.
Leia mais:
Mário Menel escreve: A operação do futuro setor elétrico brasileiro