A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, após amplo debate, a resolução normativa que estabelece o tratamento regulatório para usinas híbridas e associadas. A regra passará a valer a partir de 3 de janeiro de 2022, permitindo otimização do uso da rede de transmissão.
“No contexto atual, em que a capacidade de transmissão se tornou recurso escasso no sistema, as usinas híbridas associadas podem trazer ganho para a otimização do uso da rede”, disse a diretora Elisa Bastos, relatora do processo, durante a apresentação de seu voto. Isso porque, como mais de um projeto poderá compartilhar o uso da mesma conexão à rede, será possível adiar investimentos em expansão da transmissão, reduzindo custos aos consumidores.
Hoje, o regulamento não veda a instalação de projetos híbridos de geração, mas dificilmente a conta para de pé para os investidores. O empreendedor é obrigado a contratar o montante de uso do sistema de transmissão (Must) correspondente à potência máxima injetável pelo empreendimento. Por exemplo, se o investidor tem um parque eólico de 100 MW que só gera à noite, ele preciso contratar – e pagar – para utilizar o montante de 100 MW, mesmo que a rede fique ociosa durante o dia, quando não venta. Se ele decidir acrescentar um parque solar fotovoltaico de 40 MW, vai precisar contratar um total de 140 MW, o que encarece o projeto.
Agora, o conjunto híbrido ou associado poderá contratar Must dentro de uma faixa que varia entre a soma das potências elétricas ativas nominais da tecnologia de geração de maior participação e a soma das potências elétricas ativas nominais de todas as tecnologias de geração da central geradora híbrida. De forma simplificada, considerando o exemplo anterior, o empreendedor poderia contratar entre 100 MW e 140 MW de Must.
O novo regulamento aprovado, que foi submetido a duas fases consulta pública, coloca algumas condições, como a garantia de que, em caso de hibridização de usinas com contratos no mercado regulados, não poderá haver prejuízo do atendimento deles. Além disso, em caso de usinas hidrelétricas que façam parte do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) que sejam hibridizadas, a energia não gerada pela fonte hídrica não terá sua garantia física alocada no MRE.
A contratação do Must será feita de forma escalonada de acordo com a implementação de diferentes tecnologias de geração. Em projetos existentes, o Must não poderá ser menor que aquele já contratado antes da associação ou hibridização. A Tust continuará sendo calculada com prazos de validade separados por outorga, e a declaração da faixa de Must deve ser discriminada por central de geração.
“A regulamentação busca propiciar o ambiente que vai permitir o surgimento de plantas de geração compostas por diferentes tecnologias”, disse a diretora Bastos. Segundo ela, a escolha da composição tecnológica ficará a cargo do empreendedor, o que vai permitir o surgimento de soluções inovadoras. A norma também não impõe a complementariedade entre as fontes, embora essa seja a principal motivação econômica de projetos do tipo.
A regra também difere usinas híbridas e associadas. As primeiras são objeto de uma única outorga, que pode ter medição única ou distinta por tecnologia, enquanto as associadas são compostas por duas ou mais instalações, com outorgas e medições distintas.
Neste primeiro momento, não foram definidas regras para projetos híbridos ou associados com tecnologias de armazenamento de energia, pois ele está sendo discutido no âmbito de uma atividade regulatória específica, mas a diretora Elisa Bastos destacou que essa deve ser uma evolução natural.
Debate
Durante a discussão do voto da diretora Elisa Bastos, o diretor Efrain Cruz teceu críticas severas ao planejador do sistema e aos gargalos de transmissão. A sua ponderação se referiu ao fato de que, com a hibridização, serão instaladas novas capacidades de geração sem ampliar a transmissão, o que levantou a preocupação de que isso poderia agravar os gargalos de escoamento, principalmente no Sudeste e no Nordeste.
“Faço a reflexão para que tenhamos operador e a EPE olhando para isso”, disse. “É louvável o conceito das híbridas, mas meu ponto é que não temos possibilidade de escoar Nordeste e Sudeste, como o regulador vai lidar com isso? Usando as regras que temos, as usinas vão entrar e causar distorção no sistema, vão começar a verter”, disse. O diretor foi além e disse que “não temos planejador em sinergia com o regulador, avançando nessas pautas e pensando em modicidade tarifária. O planejador não acompanha isso, e precisamos do contrário”, afirmou.
O diretor Sandoval Feitosa, na sequência, afirmou que, por mais que exista espaço na rede para projetos híbridos, isso não significa que todos irão se conectar, uma vez que existe a necessidade de parecer de acesso e de aval pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). “A medida em que a quantidade de energia for se agregando, o operador vai falar se cabe ou não, e as coisas vão se acomodando”, disse.
Desdobramentos futuros
Ainda há questões procedimentais que serão tratadas na sequência, como os mecanismos de corte de geração para impedir sobrecarga na rede provocada por usinas híbridas e associadas. Essas mudanças nos procedimentos de rede e de comercialização deverão ser propostas pelo ONS e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) em até 120 dias contados a partir da publicação da resolução normativa.
O ONS também vai avaliar o impacto das novas regras em seus sistemas computacionais, especificando as mudanças e prazos necessários para pleno cumprimento da regulamentação. Porém, a norma vai passar a valer a partir de janeiro para os pedidos de acesso no ONS e para as solicitações de outorga na Aneel.
(Atualizado em 30/11/2021, às 13h)