Com “estresse” no caixa, a Eletronuclear colocou como prioridade a extensão da vida útil da usina nuclear Angra 1 (650 MW), por meio da renovação da licença operacional por mais 20 anos, afirmou o diretor-presidente da empresa, Raul Lycurgo, em entrevista gravada e publicada pela própria empresa nesta terça-feira, 19 de março.
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“O desafio número um, primordial, é estender a vida útil de Angra 1, que é nossa primeira usina. [A licença operacional] vence no dia 23 de dezembro e estamos trabalhando para renovar, para que ela possa continuar operando por mais 20 anos”, disse Lycurgo, destacando que a usina contribuiu para uma energia “firme e de base”, já que está perto do centro de carga e não precisa de variantes como água, sol e vento para gerar e de “grandes” linhas de transmissão para atender a população.
Gerando energia o suficiente para atender até 1 milhão de habitantes, Angra 1 está dentro do investimento público previsto em geração de energia do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que estipula R$ 1,9 bilhão em recursos para o projeto. Localizado em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, a nuclear completa 40 anos de atividade em 2024.
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Saúde financeira
Na entrevista, o diretor-presidente listou como segunda prioridade a redução dos custos com Pessoal, Materiais, Serviço de Terceiros e Outros Custos Operacionais (PMSO) regulatório, que está aquém do que é definido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para garantir o equilíbrio financeiro da companhia. Em 2022, segundo memória de cálculo da Aneel em processo que tratou da definição da receita fixa, o PMSO da companhia alcançou R$ 1,79 bilhão, sendo a área de pessoal responsável pela maioria dos gastos, com R$ 930 mil.
“Dentro da Eletronuclear nós temos um PMSO regulatório. O PMSO está muito descolado do que a Aneel permite para que a gente faça investimento”, disse o executivo.
Além disso, a companhia tem uma projeção de déficit em torno de R$ 1,43 bilhão, conforme dados do relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quinto bimestre de 2023, elaborado pelo Poder Executivo, divulgados em setembro. Neste período, a companhia registrou um lucro líquido de aproximadamente R$ 886,7 milhões, derivados principalmente das usinas de Angra 1 e 2.
Após a publicação do relatório, a Eletronuclear afirmou, em nota, que o resultado primário “não refletia adequadamente” sua situação financeira e que, entre 2009 e 2022, a empresa, como parte do grupo Eletrobras, estava isenta de incluir as estatísticas fiscais nas metas de resultado primário, conforme definido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Porém, com a privatização da Eletrobras e a promulgação da LDO 2023, essa condição mudou e a Eletronuclear passou a ser incluída nas estatísticas fiscais de 2023, o que “alterou a percepção sobre a saúde financeira”.
Depois da privatização, a Eletronuclear passou a ser controlada pela Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar), que desembolsou R$ 3,5 bilhões para assumir o controle em 2022. Os recursos foram destinados a futuros investimentos, sendo utilizados em projetos estratégicos, incluindo a conclusão de Angra 3 e a extensão da vida útil de Angra 1.
Segundo a companhia, tais investimentos possuem um impacto temporário nos resultados fiscais.
Angra 3
Para o presidente da Eletronuclear, a modernização da usina precisa vir antes do que a construção de Angra 3 para garantir a sustentabilidade financeira da companhia.
“Apesar de Angra 3 ser um investimento gigantesco, eu costumo falar que se Angra 3 escorregar mais seis meses para a frente, ok. Mas se Angra 1 escorregar um mês para frente, e eu não conseguir fazer os investimentos necessários até 2024, eu tenho uma guilhotina caindo em 23 de dezembro”,
Em relação aos desafios para conclusão de Angra 3, Lycurgo destacou que há um plano de retomada, via o plano de aceleração da linha crítica, que está em andamento deste julho de 2023.
“Ouço pessoas falando que a obra não está evoluindo. Mas, a obra de uma nuclear é diferente de obras de outras usinas. A parte civil é cerca de 3% ou 5% do projeto todo, ‘o grosso’ mesmo são os equipamentos. O plano de aceleração da linha crítica está em desenvolvimento desde que foi determinado e a empresa fez investimentos em 2022 dentro desse plano”, falou o executivo.
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O plano cobre um conjunto de obras de engenharia que antecedem a contratação de um epecista para concluir a usina, cuja contratação ocorreria neste ano 2024, mas ainda depende de estudos de modelagem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que determinaria os investimentos necessários e a melhor forma de retomar o empreendimento na totalidade.
Os valores definidos pelo banco depois seriam analisados pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).