Judicialização

Geradores alertam para riscos elevados relacionados ao curtailment

Os cortes deliberados da geração de energia por empreendimentos das fontes eólica e solar fotovoltaica continuam sendo motivo de preocupação para as empresas do setor, que projetam prejuízos significativos decorrente do cenário presente.

Geradores alertam para riscos elevados relacionados ao curtailment

Os cortes deliberados da geração de energia por empreendimentos das fontes eólica e solar fotovoltaica continuam sendo motivo de preocupação para as empresas do setor, que projetam prejuízos significativos decorrente do cenário presente e falam até mesmo em pedidos “em série” de recuperação judicial.

Ontem, os geradores sofreram um revés, depois que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) conseguiu derrubar uma liminar obtida em dezembro do ano passado pelos geradores e que obrigava o pagamento de um ressarcimento por eventos de contrained-off por restrição de operação.

A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) não tratou do mérito do processo, que questiona a legalidade das regras aprovadas pela Aneel sobre os cortes de energia e os casos em que devem ou não ser recompensados por meio de encargo. A análise do desembargador federal Alexandre Vasconcelos ficou voltada para os problemas de forçar o pagamento das compensações por meio de liminar, desconsiderando a expertise da Aneel em regulamentar ao assunto.

O que diz a regra

As normas, estabelecidas para as eólicas em 2021 e para as solares em 2023, determinam que os geradores devem assumir os custos dos cortes causados por razões energéticas, pela impossibilidade de alocação de geração na carga, e por razão de requisitos de confiabilidade elétrica, quando a redução da geração é causada pelo atingimento do limite de linhas de transmissão, por exemplo.

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Os geradores podem ser compensados parcialmente em eventos causados por indisponibilidade externa, mas há franquias de horas que limitam o período que que os custos podem ser alocados aos consumidores, nos Encargos de Serviços do Sistema (ESS).

“Nós entendemos que o risco que o gerador assume hoje é muito mais elevado do que o que está previsto em lei”, disse Francisco Silva, diretor técnico regulatório da Associação Brasileira de Geração Eólica (Abeeólica), entidade que é autora da ação junto da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Prejuízos financeiros elevados

Segundo o especialista, as empresas devem ter “prejuízos financeiros extremamente elevados” no segundo semestre, quando há mais vento e mesmo assim continuam acontecendo os cortes na geração de energia, relacionados à baixa demanda, principalmente. As temperaturas mais baixas levam à redução do consumo de energia, o que agrava a situação desses geradores.

A Abeeólica disse que os empreendedores estão vendo um encolhimento das receitas variando de 2% a até 20% no mês, com alguns casos específicos em determinadas regiões em que a frustração é ainda maior, na casa de 50% a 60%.

As incertezas são grandes e já começaram a pesar como elemento adicional de risco na análise financeira das empresas do setor, o que encarece o acesso a crédito e novos financiamentos. Assim, segundo Silva, novos investimentos e geração renovável podem se tornar inviáveis.

“A situação é bastante grave. Algumas empresas já tiveram seus ratings rebaixados por agências de classificação de risco. Outras correm risco de quebra de covenants. Em razão dos cortes de geração, o fluxo de caixa dos projetos não têm sido suficiente para pagamento de obrigações financeiras e contratuais”, disse Carlos Dornellas, diretor técnico-regulatório da Absolar. Segundo ele, se a situação permanecer, haverá uma série de pedidos de recuperação judicial pelas empresas de geração de energia renovável.

O que são os cortes de geração?

O constrained-off ocorre em situações de corte de geração (curtailment) deliberada, ou seja, quando há eventos que levam o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a interromper ou reduzir a geração de energia elétrica por razões não relacionadas às usinas, como impossibilidade de alocação da geração na carga, indisponibilidade da rede de transmissão, ou atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica.

Após o apagão que afetou o país em agosto do ano passado, os eventos de corte ficaram mais frequentes, depois que o ONS adotou uma operação mais conservadora da rede, limitando a energia exportada do Nordeste ao Sudeste. Mesmo após a normalização do uso das linhas de transmissão, os cortes continuam acontecendo, principalmente à noite e nos finais de semana, quando a demanda é menor.

Enquanto o mérito do processo da Abeeólica e da Absolar continua pendente de decisão na Justiça, as empresas do setor estão estudando entrar com ações individuais contra os cortes, principalmente aquelas que estão sofrendo mais com os impactos financeiros negativos.

Segundo fontes ouvidas pela MegaWhat, da parte do regulador e da Aneel, dificilmente haverá uma mudança de entendimento, até porque a tarifa do consumidor já é onerada por encargos e subsídios significativos, e prevalece a interpretação de que o risco é dos empreendedores.

Instrumentos financeiros para mitigar os riscos

Instrumentos financeiros podem ser usados ainda como alternativa para mitigar os problemas. É o caso do mercado de “congestion”. Nos sistemas americanos do Texas e da Califórnia, por exemplo, são negociados Congestion Revenue Rights (CRRs), instrumentos financeiros que permitem que os geradores façam a gestão das limitações da transmissão, uma forma de proteção que garante a prioridade no escoamento da energia quando a rede está congestionada.

Segundo Francine Pisni, gerente de Assuntos Regulatórios da AES Brasil, os instrumentos financeiros são interessantes, mas não seriam uma solução de curto prazo, já que a falta de maturidade no mercado tornaria o instrumento mais caro do que cobrir o ressarcimento via tarifa.

“Seria necessário entender com calma se de fato faria sentido para o Brasil. Mesmo entendendo que sim, entendo que faria sentido se nosso mercado fosse mais organizado e tivesse a segurança desses produtos financeiros. Acho que a maturidade não elevada aqui faria com o que fosse mais caro pro consumidor ter esses produtos”, disse a especialista.

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