Opinião da Comunidade

As nuances do enquadramento como GD I

Marcela Assis, Elias Giovanini e Thiago Riccio escrevem: As nuances do enquadramento como GD I

Marcela Assis, Elias Giovanini e Thiago Riccio* escrevem: As nuances do enquadramento como GD I
Marcela Assis, Elias Giovanini e Thiago Riccio* escrevem: As nuances do enquadramento como GD I

Por Marcela Assis, Elias Giovanini e Thiago Riccio*

Nos últimos anos, a micro e minigeração distribuída (MMGD) – termo que designa a modalidade de geração na qual o consumidor cativo gera a sua própria energia – se tornou a “galinha dos ovos de ouro” do setor elétrico. Tamanha foi a expansão do segmento que, em 2022, o Congresso votou a Lei 14.300/22, atribuindo à matéria o status de lei federal.

Um dos maiores impactos da Lei 14.300/22 foi a criação de três categorias de projetos de MMGD (GD I, II e III), com diferentes regras tarifárias. A mais vantajosa, GD I, segue as normas da extinta REN 482/12 até 31/12/45, permitindo que a energia injetada na rede seja totalmente compensada pela energia fornecida pela distribuidora. Isso isenta os “prossumidores” dos custos do uso do sistema de distribuição sobre a parcela de energia injetada, tornando o investimento em MMGD ainda mais atrativo.

Enquadram-se como GD I as conexões já existentes na data de publicação da Lei 14.300/22 (7/01/22) ou aquelas cujo protocolo do pedido de orçamento de conexão tenha se dado até 7/01/23. Além do requisito temporal, a Lei 14.300/22 também condiciona a classificação como GD I a um prazo para o início de injeção de energia na rede, variável conforme capacidade e fonte da usina.

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Dada a relevância do tema, as regras para o enquadramento da MMGD como GD I suscitam dúvidas e revelam muitas nuances. Este artigo tem como objetivo esclarecer, por meio de um Q&A, algumas das principais divergências de entendimento.

Como é feita a contagem dos prazos de início de injeção de energia?

A efetiva conexão de uma usina de MMGD – e a consequente possibilidade de se iniciar a injeção de energia na rede – acontece quando a distribuidora realiza a vistoria do ponto de conexão e, aprovando-a, instala (ou troca) os equipamentos de medição (Item 3.11 do FAQ). Logo, a contagem dos prazos de início de injeção de energia (art. 26, §3º da Lei 14.300/22 e art. 655-O da REN 1.000/21) leva em consideração a somatória entre o prazo de conclusão das obras e o prazo de vistoria e instalação dos equipamentos de medição (de 5 a 15 dias úteis – art. 91 da REN 1.000/21).

Na prática, o acessante que deixar para solicitar a vistoria apenas na data-limite de injeção — e cuja situação não se enquadre nas exceções previstas na Lei 14.300/22 – estará sujeito ao desenquadramento de seu projeto como GD I. Da mesma forma, se o acessante solicitar a vistoria sem considerar o risco de reprovação pela distribuidora, ele pode ser desenquadramento caso as obras não sejam aprovadas. Por isso, é recomendável que a solicitação seja feita com antecedência razoável.

Os prazos de injeção de energia podem ser suspensos?

Os prazos para o início de injeção de energia ficam suspensos:

  • enquanto houver pendências de responsabilidade da distribuidora que causem atraso na conexão, na vistoria e na instalação dos equipamentos de medição; ou
  • em caso fortuito ou de força maior.

Enquanto o primeiro caso abre espaço para diversos eventos, o segundo está regrado pelo art. 393 do Código Civil.

Como a responsabilidade de enquadrar o empreendimento em GD I, II ou III recai sobre a distribuidora local (art. 26, §5º da Lei 14.300/22), um ponto definidor do pleito de suspensão é o seu substrato probatório. Afinal, de acordo com o final do texto do art. 655-O, §5º da REN 1.000/21, a causa de suspensão deve ser comprovada pelo consumidor e se restringe ao período em que o evento perdurar. Assim, é essencial que o consumidor reúna e organize documentos que comprovem possíveis pendências da distribuidora que possam justificar a suspensão.

Também é importante ter em mente que tanto a da Lei 14.300/22 quanto a REN 1.000/21 utilizam o termo “suspensão” ao invés de “interrupção”.

Como nem a lei e nem tampouco a regulação define o significado de “suspensão”, busca-se o seu sentido no art. 202, parágrafo único do Código Civil (“a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”). Em contraste, entende-se que a suspensão se refere à paralisação temporária da contagem de um prazo, preservando o tempo já decorrido. Assim, após o término da causa suspensiva, a contagem é retomada de onde parou.

Na conexão de uma usina de MMGD, defende-se que a suspensão preserva o tempo decorrido até o início do evento que causou o atraso, seja ele decorrente de pendências da distribuidora, caso fortuito ou força maior, sendo retomado após a cessação do evento de atraso. Por isso, é desejável que haja um documento formal que registre o início desse evento. Caso contrário, pode-se entender que, assim que os prazos voltarem a transcorrer, o consumidor deve estar imediatamente pronto para ser conectado no prazo para garantir sua classificação como GD I.

O que acontece se o orçamento de conexão tiver sido solicitado antes da Lei 14.300/22?

A ANEEL já se manifestou sobre a (in)existência de prazos para início da injeção de energia para projetos cujo orçamento de conexão tenha sido solicitado antes da publicação da Lei 14.300/22. Nessas ocasiões, a agência defendeu que “os prazos de conexão mencionados no parágrafo 4º se aplicam somente aos casos descritos no inciso II do caput do Artigo 655-O [isto é, solicitações de orçamento de conexão protocoladas na distribuidora depois da Lei 14.300/22], não abrangendo os empreendimentos cuja solicitação de orçamento de conexão tenha sido protocolada na distribuidora até 7 de janeiro de 2022” (Ofício 26/24-STD).

A ANEEL também foi categórica em sua resposta aos Itens 1.5 e 8.4 do FAQ, atribuindo a obrigação de conexão no prazo estabelecido no art. 26, §3º da Lei 14.300/22 apenas às usinas cujo orçamento de conexão tenha sido solicitado entre 8/01/22 e 7/01/23.

Nesse cenário, a manutenção das regras tarifárias e de encargos para os projetos cujo orçamento de conexão tenha sido solicitado antes da Lei 14.300/22 independe da data de conexão da usina. Nesses casos, a única hipótese de desenquadramento como GD I seria a extinção da relação entre distribuidora e acessante, o que pode ocorrer no(a):

  • invalidação do orçamento de conexão (art. 83, §7º da REN 1.000/21);
  • cancelamento do orçamento de conexão (art. 83, §8º e art. 655-E, §2º da REN 1.000/21); ou
  • rescisão dos contratos operativos (ex.: TAO, CCER e CUSD).

Conclusão

O enquadramento como GD I exige atenção às regras da Lei 14.300/22 e REN 1.000/21. Diante da complexidade do tema, é essencial que consumidores e empreendedores do setor se mantenham informados e diligentes em relação às exigências regulatórias. A aplicação correta das normas, pois, pode ser determinante para a sustentabilidade financeira e operacional dos projetos de MMGD.

* Marcela Assis e Elias Giovanini são advogados da área de Direito Público e Regulatório do escritório Freitas Ferraz Advogados. Já o co-autor: Thiago Riccio é sócio na área de Direito Público e Regulatório do escritório Freitas Ferraz Advogados.

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