O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, 24 de outubro, que os aterros sanitários já existentes ou em vias de instalação ou ampliação em áreas de preservação permanentes (APPs) poderão funcionar normalmente até o fim de sua vida útil, prevista no licenciamento ambiental, ou do contrato de concessão do empreendimento. A decisão não é válida para a construção de novos aterros nessas áreas.
O colegiado decidiu que não é necessário retirar o material depositado no local de proteção ambiental após o fechamento da unidade, pois o aterro será reflorestado, o que diminuirá a degradação.
A decisão, tomada por maioria dos votos, atendeu a pedidos de esclarecimento (embargos de declaração) apresentados em uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), todas sobre a validade do Código Florestal (Lei n° 12.651/2012).No julgamento das ações, encerrado em fevereiro de 2018, o Tribunal havia votado que a presença de aterros sanitários em APPs é inconstitucional, o que levaria ao imediato encerramento das atividades.
No entanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou manifestações à corte e argumentou que cerca de 80% dos aterros brasileiros estão, em alguma medida, dentro de áreas de preservação permanente. A AGU pediu que pudessem ser mantidas as autorizações já concedidas para a construção e operações de aterros, visando evitar significativos impactos ambientais e econômicos.
Além disso, o Ministério do Meio Ambiente estimou em R$ 49 bilhões o custo para desativar esses aterros sanitários. O montante incluigastos com escavação, carga e transporte de resíduos depositados durante décadas.
Já a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) aponta que dez das 27 capitais brasileiras estão com aterros em áreas de APP.
Uma das capitais é São Paulo, onde a prefeitura manifestou preocupação com a possibilidade de mudança na gestão de recursos sólidos que poderia sair da decisão, já que duas das três instalações estão dentro de APPs, que teriam a capacidade de funcionar por mais 15 anos. Os dois aterros recebem cerca de 13 milhões de toneladas de lixo por ano, segundo a prefeitura.
Votação no Plenário
No voto, o ministro Luiz Fux, relator das ações, considerou que a continuidade do funcionamento dos aterros nessas áreas é necessária para a sua desativação progressiva e a implementação de um sistema de tratamento de resíduos sólidos compatível com a preservação ambiental.
De acordo com a decisão, devem ser observados os prazos e os termos de funcionamento do aterros previstos no licenciamento ambiental, no contrato de concessão ou na lei que autorize seu funcionamento.
“Os gastos operacionais e riscos ambientais que essa operação implicaria não se justificariam, sem contar os prejuízos à população do entorno, que ficariam sujeitos aos odores que possivelmente seriam gerados pela escavação do terreno e remoção de toneladas de lixo em processo de decomposição”, disse o relator.
O entendimento de Fux foi acompanhando pelos ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e o presidente Luís Roberto Barroso.
Os ministros Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia, além da ministra Rosa Weber (aposentada, que havia apresentado voto em sessão virtual), entendiam que o tribunal deveria fixar um prazo claro, a considerar que a vida útil dos aterros pode ser alterada a depender do avanço tecnológico de manejo do material. Os ministros foram vencidos apenas em relação ao prazo. O entendimento dessa corrente é de que o prazo para encerramento das atividades das unidades em APPs deveria ser de 36 meses.
Por unanimidade, o colegiado também acolheu os embargos para, no ponto em que trata de compensação ambiental para efeitos de Reserva Legal (área de preservação obrigatória de um imóvel rural), substituir o termo “identidade ecológica” por “bioma”.
O relator concordou com o argumento da AGU de que, como a expressão “identidade ecológica” não tem correspondente na literatura científica ou em lei, é necessário utilizar o termo “bioma” para assegurar que a recomposição ocorra em área similar à que deveria ter sido originalmente preservada.
Abren
Para a Yuri Schmitke, presidente-executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), a decisão do STF é positiva, no sentido de preservar os contratos existentes e proibir novos contratos e operação de aterros sanitários situados em Áreas de Preservação Permanente.
“No entanto, a decisão não deveria ter sido vinculada aos contratos de concessão ou sua renovação, mas sim com base nas licenças ambientais de operação (LO) já emitidas, pois esta é uma questão técnica que deve ser tratada exclusivamente no âmbito do licenciamento ambiental, o que não se confunde com o contrato de concessão, que trata essencialmente de questões financeiras e de operação”, falou em nota.