
Uma mudança na metodologia dos cortes de geração de energia (curtailment) que priorize as hidrelétricas, com ou sem reservatório, em relação às fontes renováveis não despacháveis, como eólica e solar, poderia gerar uma economia de mais de R$ 500 milhões por ano para os consumidores, segundo a Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), que representa as grandes hidrelétricas.
Os cálculos foram elaborados pelas consultorias PSR e RegE, a pedido da Abrage, e fazem parte da contribuição da entidade à Consulta Pública 45/2019 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que trata da definição da ordem de cortes de geração.
A associação também defende que parte dos custos do curtailment seja alocada à micro e minigeração distribuída (MMGD), já que a sobreoferta provocada por esses sistemas contribui para o deslocamento de outras fontes, como as próprias hidrelétricas, além de usinas eólicas e solares centralizadas.
A presidente da Abrage, Marisete Pereira, se reuniu na quinta-feira, 24 de abril, com o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, para discutir o tema. Segundo o estudo, as hidrelétricas concentraram 86% dos cortes entre fontes renováveis no período de janeiro de 2022 a 2024.
De acordo com a associação, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) prioriza atualmente o corte de hidrelétricas, mesmo as sem reservatório, o que aumenta o vertimento turbinável — isto é, o desperdício de água que poderia ser usada para gerar energia naquele momento, mas não pode ser armazenada.
Nova ordem para o curtailment
A proposta da Aneel, submetida à consulta pública, altera essa lógica e estabelece uma nova ordem para os cortes de geração, priorizando usinas termelétricas acionadas por segurança energética, térmicas com custo variável unitário (CVU) acima do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) e a importação de energia.
Na sequência, viriam as hidrelétricas com reservatório, térmicas inflexíveis, térmicas com CVU igual ao PLD, e então hidrelétricas com vertimento turbinável. As fontes eólica e solar só seriam cortadas após essas etapas.
A Abrage propõe uma mudança nessa ordem, colocando hidrelétricas sem vertimento turbinável, ou seja, com armazenamento, depois das térmicas inflexíveis e com CVU superior ao PLD. Depois, viriam as eólicas e solares. As hidrelétricas sem reservatório (com vertimento turbinável) apareceriam no terceiro bloco, antes apenas de térmicas com CVU abaixo do PLD.
Isso significa que o ONS precisaria cortar antes eólicas e solares, e só depois as hídricas sem reservatório.
Menos GSF, mais royalties
A principal justificativa da Abrage é que, ao priorizar a geração hídrica no lugar das renováveis intermitentes, o fator de ajuste do Mecanismo de Realocação de Energia (GSF) aumentaria 5,1% em média entre 2025 e 2028. Com isso, o repasse do risco hidrológico aos consumidores — por meio da repactuação do GSF e dos contratos de cotas de garantia física — seria R$ 516 milhões menor por ano.
Além disso, a entidade argumenta que o volume de energia gerada pelas hidrelétricas influencia diretamente a arrecadação com a Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH) e os royalties de Itaipu.
Em 2024, esses repasses somaram R$ 3,8 bilhões. A priorização das hidrelétricas poderia gerar um aumento médio de R$ 155 milhões por ano nessa arrecadação, beneficiando estados, municípios e a União.
A contribuição da Abrage também destaca que a atual política de corte afeta a eficiência operacional das hidrelétricas. De acordo com as simulações das consultorias PSR e RegE, o aumento do vertimento turbinável reduz o aproveitamento hídrico ao longo dos anos e resulta em maiores volumes de vertimentos não turbináveis, com impacto prolongado sobre o sistema.
Impactos da MMGD: como resolver?
Embora a CP 45/2019 não trate da MMGD, a Abrage defende que o tema seja incluído no debate. “Se a MMGD faz parte das causas, deve fazer parte das soluções”, afirma o documento.
Segundo a associação, em momentos de sobreoferta, a rede não consegue absorver toda a energia gerada por sistemas de MMGD, o que contribui para o curtailment de outras fontes, especialmente das hidrelétricas. “Esse efeito distorce os sinais econômicos e impõe ônus aos geradores que operam sob o despacho do ONS”, afirma a entidade.
A Abrage sugere que, até que sejam implementadas soluções técnicas para o corte físico da geração distribuída, o impacto desses sistemas seja considerado por meio do ajuste nos valores de excedentes injetados ou na redução dos créditos acumulados pelos consumidores nos momentos em que há vertimento turbinável e curtailment.
A proposta inclui ainda a abertura de nova fase da CP 45 para discutir os aspectos legais, regulatórios e técnicos necessários à participação da MMGD no rateio de custos.