Judicialização

Transmissoras vão ao STJ cobrar Belo Monte e usina propõe conciliação

Transmissoras vão ao STJ cobrar Belo Monte e usina propõe conciliação

A Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte, apresentou uma proposta de conciliação com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no Superior Tribunal de Justiça (STJ), depois que transmissoras de energia elétrica foram ao tribunal pedir a suspensão de uma liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que permitiu a empresa pagar menos pelos encargos de transmissão, valores que já ultrapassam R$ 460 milhões.

O processo envolve o Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (Cust) assinado pela hidrelétrica em 2012, que definiu os encargos devidos pela usina ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Desde 2024, a Norte Energia vinha pagando valores menores que os previstos, alegando limitações no escoamento da energia produzida.

A concessionária da hidrelétrica do rio Xingu (PA) entrou na Justiça em 2022 alegando que a usina estaria deixando de gerar a totalidade de sua energia por falhas no planejamento e limites da rede de transmissão.

No processo, a empresa pediu a suspensão dos pagamentos previstos no Cust, e que fossem descontados do Encargo de Uso do Sistema de Transmissão (Eust) devido a parcela correspondente à Energia Vertida Turbinável – ou seja, a energia que a hidrelétrica poderia ter gerado, mas não o fez porque não havia espaço na rede de transmissão para escoá-la.

Foi aí que a Aneel entrou no processo, por entender que nenhum dos 1.600 acessantes da rede de transmissão pode reduzir o encargo de transmissão por conta do vertimento turbinável, uma vez que o efeito cascata geraria um desequilíbrio imenso em todo o setor.

A decisão de 2024 e o encargo por MWh

O pleito foi negado em primeira instância, mas, em julho de 2024, o TRF1 acatou um recurso da Norte Energia, determinando que o ONS revisasse o Cust, ajustando os encargos proporcionalmente à energia efetivamente escoada e injetada no Sistema Interligado Nacional (SIN).

Essa decisão, na prática, criou um “encargo de transmissão por megawatt-hora” para Belo Monte. A tarifa de transmissão dos geradores, o Eust, é paga pela disponibilidade da rede, independentemente de ela ser usada ou não. Isso porque, mesmo se a rede não for usada, a transmissora ainda precisa receber pela infraestrutura que mantém disponível.

A Aneel, o ONS e a União entraram com recursos, até porque a decisão não explicitava o que deveria ser feito em relação ao Eust não pago pela Norte Energia. Além disso, argumentaram que o Montante de Uso do Sistema de Transmissão (Must) é contratado pela potência do empreendimento, em MW, e não por MWh.

Mesmo assim, a Norte Energia passou a pagar o encargo de forma proporcional à energia gerada desde agosto de 2024.

Interpretações divergentes sobre as decisões do TRF1

As transmissoras viram os efeitos como inadimplência, e por isso ingressaram na ação como parte interessada, enquanto a Aneel e o ONS entenderam que essa seria uma “livre interpretação” da decisão judicial por parte de Belo Monte.

Em petição enviada ao STF, a procuradoria-geral junto à Aneel disse que a hidrelétrica chegou a pagar apenas 25% dos encargos que eram devidos pela hidrelétrica em alguns meses.

A hidrelétrica, a agência reguladora e o ONS também divergiram sobre os efeitos de uma nova decisão, de julho deste ano, quando a 11ª Turma do TRF1 acatou parcialmente um recurso do ONS, determinando que o Cust de Belo Monte preveja um Must proporcional ao cronograma de motorização da usina.

A Aneel entendeu que a decisão, na prática, deu ganho ao ONS, já que todas as máquinas de Belo Monte entraram em operação em 2019, e liberou o ONS para cobrar os encargos devidos, hoje estimados em R$ 466 milhões.

“A Nesa obteve um provimento judicial naqueles autos, mas que lhe era desprovido de qualquer utilidade, pois o direito que se enxergou existente – e que a Aneel jamais cogitou que existisse – era anterior a 2019”, disse a Aneel na petição ao STJ.

A Norte Energia interpretou de forma diferente a decisão, pediu um esclarecimento ao tribunal, e o desembargador federal Pablo Zuniga Dourado mandou sustar os efeitos do ofício que cobrou o encargo da hidrelétrica até o julgamento definitivo dos recursos da dona da hidrelétrica.

Com isso, a Norte Energia não pagou os R$ 466 milhões devidos, o que levou as transmissoras ao STJ, para tentar reverter a decisão e retomar a cobrança.

As transmissoras argumentam que a decisão original criou um precedente perigoso, subvertendo o modelo setorial de contratação do uso do sistema de transmissão, que se baseia na disponibilidade da rede, não no uso efetivo. O setor teme que outras usinas com vertimento turbinável possam pleitear descontos similares.

A proposta de mediação da Norte Energia

Diante do impasse, a Norte Energia formalizou pedido de suspensão do processo e abertura de mediação no Centro Judiciário de Solução de Conflitos (CEJUSC/STJ). A proposta está amparada numa resolução do STJ que autoriza “procedimentos de conciliação, mediação, restauração e outras formas consensuais de gestão e resolução de conflitos”.

A empresa argumenta que não há fato novo que justifique grave lesão e que os impactos são “percentualmente irrisórios e incapazes de gerar grave lesão”, representando menos de 1% do universo de custos de transmissão.

A Norte Energia também contesta a cobrança retroativa, alegando que seus pagamentos foram feitos “em estrita conformidade” com a decisão judicial então vigente. A empresa afirma estar disposta a buscar “solução consensual que assegure o menor impacto possível ao sistema”.

O STJ ainda não se pronunciou sobre a proposta de mediação. O caso é relatado pelo ministro Herman Benjamin, presidente do tribunal.

A MegaWhat procurou a Norte Energia, que disse que não iria se manifestar.